Indique Uma Preta: consultoria que nasceu no Facebook já impactou 27 mil profissionais negros
Em entrevista à EXAME, cofundadoras contam como grupo fundado na rede social se tornou rede de apoio para mulheres negras e consultoria de gigantes como Google, Unilever e Natura
Repórter de ESG
Publicado em 21 de novembro de 2024 às 17h29.
Em 2016, a falta de oportunidades no mercado de trabalho para profissionais negros levou a publicitária Daniele Mattos a criar uma comunidade no Facebook, chamadaIndique Uma Preta. A principal preocupação dela era quanto àsindicaçõespara vagas abertas, quase sempre ocupadas por profissionais não-diversos.
“Cargos estratégicos eram ocupados porbrancos, que indicavam outros brancos, perpetuando o privilégio da branquitude”, explica Daniele em entrevista à EXAME. Sua percepção não era algo individual: à medida que mais mulheres negras passaram a integrar o grupo, ela percebeu que se tratava de um problema estrutural, inerente ao mercado.
A partir deste grupo, foi possível criar uma rede fortalecida por mulheres negras no setor corporativo para melhorar a exclusão econômica vivida por elas, como a dificuldade de acessar oportunidades formais e de ascender às posições de liderança.
Quando as comunicadoras Amanda Abreu e Verônica Dudiman ingressaram na comunidade, também incomodadas com os obstáculos para conseguir oportunidades, surgiu a ideia detransformar as trocas online em um encontro presencialpara discutir o cenário das empresas. “Eu sabia que era boa e capaz, mas precisava de uma comunidade, uma liderança ou alguém que pudesse me ajudar. Quando entrei no grupo, minha vida mudou”, conta Abreu.
A decisão deu origem a uma série de eventos focados no trabalho para mulheres negras. Nas semanas seguintes, o grupo celebrava as novas oportunidades, os anúncios de transições de carreira e os depoimentos motivadores. “Aos poucos, as empresas começaram a nos acionar”, explica Verônica.
Comunidade antirracista
Em 2020, a Indique Uma Preta foi formalizada como uma empresa, passando a atuar como consultoria para ajudar outras companhias a melhorar seus cenários de diversidade. Além disso, também passou a oferecer serviços de recrutamento e seleção, voltados para a inclusão de pessoas negras, seja em vagas pontuais ou em programas afirmativos.
Após oito anos, a consultoriajá impactou 27 mil pessoas negras em processos seletivos para mais de 270 vagas, além de oferecer workshops e capacitações para quase 4 mil profissionais e empreendedores. O grupo de Facebook segue ativo, com mais de 8,5 mil participantes.
Amanda explica que, além de direcionar oportunidades para profissionais negros, a Indique Uma Preta trabalha para que os candidatos tenham o melhor desempenho possível. “Capacitamos a comunidade para entender os códigos do mercado de trabalho: como se portar ementrevistas,montar umcurrículoadequado, compreender o inglês corporativo, entre outros”, destaca.
Já com as empresas, o trabalho inclui asensibilização das lideranças por meio de palestras, rodas de conversa e consultorias antirracistas. A Indique Uma Preta também desenvolve estudos sobre a vivência da população negra no mercado de trabalho, que ajudam a nortear estratégias de diversidade e inclusão.
Para as cofundadoras, trabalhar com grupos historicamente minorizados é essencial parareduzir desigualdades, melhorar a economia e integrar a diversidade racialàs práticas de ESG das empresas. “Nosso papel é ajudar as empresas a entenderem as pessoas negras para além da inclusão. Queremos que elas enxerguem novas referências, bagagens e pluralidade, conectadas ao Brasil real”, diz Verônica.
Cenário de desigualdade
Para Daniele, não se pode dizer que adiversidade saiu da pauta das empresas, mas sim que uma parte das companhias viu um amadurecimento nas suas iniciativas.
Apesar da consultoria ainda trabalhar com grandes empresas para inserir a diversidade na estratégia corporativa, como Itaú, Unilever, Natura e Google, houve uma queda nas ações afirmativas voltadas à contratação de pessoas negras em 2024.
Verônica aponta que muitas empresas ficam no "ensaio" da implementação da diversidade, sem realizar ações concretas. “São poucas as empresas que se comprometem a mexer com estruturas, desconfortos e privilégios. A maioria evita essa responsabilidade. Calculando o tempo de escravidão versus o de liberdade, ainda há muito a ser feito. Não é uma causa ganha”, avalia.
Amanda complementa que essa abstenção também representa uma falha de mercado. “A população negra é um público queconsome, entende o mercado e observa atentamente as marcasque querem se comunicar com ele. As empresas que não criam produtos voltados para essa população acabam perdendo mercado”, alerta.
Internamente, a redução de programas voltados para profissionais negros também impacta na inclusão e acolhimento dessa população. Exemplos disso estão nas pesquisas Raça e Mercado de Trabalho e Lideranças em Construção, realizadas pela Indique Uma Preta:
- 44% dos respondentes desconhecem a existência de ações afirmativas em suas empresas.
- 37% dos profissionais negros relataram ter enfrentado algum tipo de discriminação racial no ambiente de trabalho.
- 57% dos entrevistados afirmaram que as empresas onde atuam não oferecem espaços de acolhimento para denúncias de racismo.
Dudiman reforça que, mesmo com o trabalho ativo da comunidade, o suporte contra discriminações raciais no trabalho precisa vir das empresas. “Profissionais negros precisam de mais do que redes externas; precisam de empresas comprometidas com a construção de ambientes seguros”, conclui.