Recuperação fiscal: medidas anunciadas pelo governo têm vários pontos negativos
Economista analisa, a pedido da Esfera Brasil, o pacote econômico divulgado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para minimizar impacto fiscal da PEC da Transição
Esfera Brasil
Publicado em 20 de janeiro de 2023 às 08h30.
No último dia 12, o ministro da Fazenda do governo Lula (PT), Fernando Haddad, anunciou o primeiro pacote de medidas da pasta para a área econômica. Chamado de “Medidas de Recuperação Fiscal”, ele tem como objetivo reduzir o déficit primário em 2023 de R$ 63,7 bi (0,6% do PIB) para R$ 231,5 bi (2,2% do PIB) após a aprovação da chamada PEC da Transição.
Apesar de as medidas anunciadas causarem um impacto no Orçamento de R$ 242,7 bi(2,3% do PIB), o que poderia levar a um superávit primário de 0,1% do PIB neste ano, Haddad preferiu prometer um impacto “em torno de R$ 90 a R$ 100 bi”, levando o déficit a 0,5/1,0% do PIB.
O pacote de medidas de curto prazo anunciado tem mais pontos negativos do que positivos, e que merecem atenção. Destacarei a seguir alguns deles.
Pontos negativos:
- A data do anúncio foi mantida mesmo após os ataques aos Três Poderes ocorridos dias antes em Brasília, mostrando que o governo está preocupado em minimizar o impacto fiscal da PEC da Transiçãoneste ano;
- Haddad foi realista ao se comprometer a entregar um ajuste menor do que o potencial, dadas as incertezas inerentes a algumas iniciativas;
- As medidas são de curto prazo, com impacto concentrado em 2023, porém compram tempo junto ao mercado até que o novo arcabouço fiscal seja anunciado (até 31 de agosto) e uma reforma tributária comece a tramitar.
Pontos positivos:
- O grande problema fiscal do Brasil está no crescimento das despesas, mas as medidas anunciadas focam o aumento da arrecadação (80% do total ou R$ 192,7 bi) em uma economia cuja carga tributária de 31,6% PIB em 2020 é comparável à média dos países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) de 33,5% naquele mesmo ano;
- O pacote é muito dependente de receitas extraordinárias, com potencial arrecadatório altamente incerto, em um ambiente em que os gastos permanentes foram elevados de forma significativa com a PEC da Transição.
- Entre as medidas que envolvem o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), as quais requerem aprovação do Congresso, está a volta do voto de qualidade, derrubado pela Lei 13.988/2020 – um tema que já deveria estar pacificado. Essa alteração eleva a insegurança jurídica, com impactos negativos sobre os investimentos das empresas e, portanto, sobre o crescimento econômico;
- Do lado dos gastos, vale notar que, desde 2019, está em vigor a Lei Orçamentária Anual (LOA) e ogoverno só pode executar abaixo do que está programado no Orçamento anual (R$ 25 bi no pacote de 2023) em caso de risco de não cumprir a meta de resultado primário ou de estourar o teto de gastos, ambos improváveis de ocorrer em 2023. Caso contrário, o governo tem de aprovar no Congresso um projeto de lei cancelando as dotações;
- Algumas medidas aguardadas pelo mercado e que teriam efeitos fiscais permanentes, indicando compromisso com a sustentabilidade fiscal de médio prazo, ou não foram anunciadas, como a reoneração do IPI e a revisão do novo Bolsa Família, ou foram relativizadas, como a reoneração dos combustíveis fósseis (arrecadação de R$ 2,9 bi ao mês). Ressalta-se que esta última tem impacto potencial de 0,6pp a 0,8pp na inflação;
- Para 2023, o governo conseguiria reduzir o déficit primário com as medidas anunciadas. Porém, a partir de 2024, ele volta a aumentar dado que elas são concentradas no ano corrente;
- A incerteza sobre como o governo controlará o déficit das contas públicas, endereçando os problemas fiscais de médio e longo prazos, permanece. Sem medidas estruturantes, como a reforma administrativa, a fusão de políticas sociais e a desvinculação de receitas, a trajetória da dívida como proporção do PIB não se estabiliza. Para isso, seria necessária a geração de superávits primários anuais da ordem de 2% do PIB.
Conclusão
Em resumo, as medidas anunciadas pelo governo para a economia são o primeiro passo nessa jornada plurianual rumo ao equilíbrio das contas públicas. Perseverar é preciso, liderando na aprovação de medidas estruturantes do lado do gasto para que o endividamento do setor público se estabilize no longo prazo.
Com isso, haveria redução de prêmios de risco e controle das expectativas dos agentes econômicos, abrindo espaço para um afrouxamento das condições financeiras e, portanto, para um novo ciclo de crescimento.
*Economista-chefe e cientista de dados da Grimper Capital