Venezuela tenta 'desdolarizar' economia contra inflação. É possível?
A aposta da Venezuela seria levar para o sistema financeiro os quase US$ 3 bilhões que circulam nas ruas e cobrar imposto sobre transações em dólar
AFP
Publicado em 5 de maio de 2022 às 14h23.
Depois de se abrir ao dólar como "válvula de escape" para enfrentar a crise, a Venezuela tenta dar novo impulso a sua moeda, o bolívar, substituída pela cédula verde dos Estados Unidos.
A aposta é levar para o sistema financeiro os quase US$ 3 bilhões que circulam nas ruas de um país "desmonetizado", mas toda aposta tem seus riscos, advertem os especialistas.
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Provocada por violentas desvalorizações e pela hiperinflação, a desconfiança em relação ao bolívar persiste, apesar de uma desaceleração do aumento dos preços e de um tímido crescimento da economia. Em sete anos consecutivos de recessão, o país viu seu Produto Interno Bruto (PIB) despencar 80%.
A dolarização, classificada como "válvula de escape" pelo próprio presidente Nicolás Maduro, e a flexibilização do controle dos preços deixaram para trás a escassez crônica de alimentos e as quilométricas filas para comprar um pacote de arroz.
"É uma aposta arriscada, com um 'timing' ruim, porque a recuperação é muito fraca, e a economia ainda sofre uma inflação crônica, não hiperinflação, mas sim inflação crônica (...). É muito alta, para que você, por obrigação, restabeleça a confiança na moeda de um dia para o outro", comentou o diretor da firma Ecoanalítica, Asdrúbal Oliveros, em entrevista à AFP.
O último passo é um imposto de 3% a 20% sobre transações em moeda estrangeira, vigente desde 28 de março. Com o novo tributo, o governo espera fomentar o uso do bolívar, após estabilizar a taxa de câmbio com uma massiva injeção estatal de divisas no mercado.
A cotação oficial do dólar passou de 4,18 para 4,43 bolívares de outubro de 2021 até abril de 2022, uma desvalorização de 6,7% depois de chegar a 76% no ano passado até esse mês e superar 95% a cada ano em 2018, 2019 e 2020.
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Em 2021, a inflação fechou em 686%, segundo o Banco Central, após alcançar 130.060%, em 2018; 9.585%, em 2019; e 2.959%, em 2020. Projeções privadas chegaram a situar essa variável em seis dígitos em 2018.
O governo tem seus êxitos nessa política de fomentar o uso do bolívar. A superintendência de Bancos informou que as transações digitais em moeda local, pessoa a pessoa, aumentaram 21% desde a aplicação do imposto, e os pagamentos em débito, 22%.
"Estamos entrando em uma dinâmica diferente", disse o diretor da consultoria Econométrica, Henkel García.
"A Venezuela é hoje um país desmonetizado", afirmou García, explicando que "estão buscando remonetizar e fazer isso em bolívares (...) Ter uma moeda própria dá margem de manobra".