Um estudo de caso sobre os problemas econômicos do Brasil
Enquanto aplica duras intervenções na economia, o governo Dilma afirma que os problemas brasileiros estão atrelados à crise no exterior
Da Redação
Publicado em 3 de dezembro de 2012 às 20h19.
São Paulo - Um bom exemplo de por que a economia do Brasil está claudicando pode ser encontrado em um local surpreendente: uma cidade litorânea no sul da Escandinávia.
O fundo de investimentos Skagen, com sede em Stavanger, na Noruega, diz ter perdido cerca de 200 milhões de dólares desde agosto por causa da mais recente intervenção da presidente Dilma Rousseff na economia brasileira --um plano para forçar as empresas do setor elétrico a reduzirem o valor das suas tarifas.
Dilma diz que o plano é necessário para cortar os custos para o setor industrial e para outros consumidores. O dano colateral tem sido enorme, já que a perspectiva de uma drástica redução nos lucros eliminou 15 bilhões de dólares do valor de mercado das empresas brasileiras do setor elétrico, incluindo a Eletrobras, na qual a Skagen tem uma grande participação.
Esse foi um dos vários episódios em que investidores se assustaram com a mão pesada de um governo esquerdista, segundo Kristian Falnes, gerente de carteira do fundo global da Skagen.
"Não somos os únicos sendo afetados", disse Falnes por telefone da Noruega, na semana passada. "Há muita desconfiança em relação ao governo Rousseff por causa de casos assim." Dados divulgados na sexta-feira da semana passada sugerem que tal desconfiança está cobrando um preço alto. Os investimentos no Brasil caíram entre julho e setembro pelo quinto trimestre consecutivo, condenando a economia a um crescimento de apenas 0,6 por cento no trimestre --metade do que os mercados financeiros esperavam.
A maior economia latino-americana deve agora fechar o ano com crescimento de apenas 1,3 por cento, provavelmente o pior desempenho entre os países dos Brics (grandes economias emergentes, o que inclui também Rússia, Índia, China e África do Sul). Mesmo economias desenvolvidas devem crescer em média mais do que o Brasil em 2012.
Dilma e sua equipe econômica atribuem os problemas brasileiros à crise global. Eles dizem que os temores com o ativismo governamental são deslocados, e preveem uma recuperação em breve.
Seja como for, foi um duro golpe para uma economia que há apenas dois anos crescia a um ritmo de 7,5 por cento, e que parecia destinada a uma longa fase de prosperidade, enquanto se preparava para sediar a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.
PLANO PARA RECUPERAÇÃO
A história de como a Skagen se viu enrolada nos problemas brasileiros é complexa, mas familiar sob muitos aspectos para quem investe nos bancos, nas empresas de petróleo, no setor automobilístico e no mercado cambial do Brasil.
Meses atrás, o setor industrial brasileiro estava mergulhado em uma grave crise, e Dilma decidiu resolver algumas das suas antigas queixas. Entre elas o preço da eletricidade, que, segundo um dos métodos de medição, era o terceiro maior do mundo, atrás apenas da Itália e Eslováquia.
Dilma --economista de formação e ex-ministra de Minas e Energia-- ajudou pessoalmente a conceber muitos aspectos do plano, definindo dois caminhos principais.
Um deles foi reduzir impostos e tarifas federais sobre a eletricidade. O outro foi usar o fim iminente de concessões como alavanca. Se as empresas quisessem renovar seus contratos para a operação de usinas hidrelétricas e redes de distribuição, teriam de aceitar grandes cortes tarifários, com o objetivo de reduzir em 20 por cento o valor médio cobrado dos consumidores.
A redução dos valores deve entrar em vigor no ano que vem. Dilma diz que nenhum acordo está sendo rompido, e que as empresas têm total liberdade para não solicitarem a renovação das concessões. Mas muitas empresas construíram seus planos de longo prazo levando em conta as tarifas atuais --e algumas veriam seu faturamento despencar caso não solicitem a renovação.
"Achávamos que, depois que as concessões expirassem, haveria novos leilões", disse Falnes. "Que haveria algum tipo de preço de livre mercado para isso, e não preços forçados e termos forçados." Com a Eletrobras, que representa cerca de 4 por cento da carteira global da Skagen, de 17 bilhões de dólares, a situação é ainda mais espinhosa.
Como ocorre com muitas empresas brasileiras, o governo é o acionista majoritário. Então, quando na segunda-feira o conselho da empresa aprovou a renovação das suas concessões, como era esperado, o governo estava basicamente votando a favor do seu próprio plano.
"Isso ignora completamente os interesses dos acionistas minoritários", disse Falnes. "Você pode ver isso como uma forma de nacionalização ou expropriação da propriedade." O executivo disse que pode ser impossível que a Eletrobras tenha lucro no longo prazo sob os novos termos das concessões, mesmo que corte fortemente seus custos. Muitos outros concordam, e isso levou as ações da empresa a terem uma queda de 55 por cento desde que detalhes do plano começaram a vir à tona, em agosto, apesar da oferta do governo de compensar as empresas energéticas por parte dos seus prejuízos.
"Com essas novas tarifas, não acho que a empresa elétrica mais eficiente possa ganhar dinheiro", disse Falnes. "É possível que dizer ‘sim' a essa proposta seja dizer ‘sim' a perder dinheiro pelos próximos 30 anos." ELES DEVIAM SE INFORMAR MELHOR? Muitos funcionários do governo Dilma --e até algumas pessoas do mundo empresarial-- acreditam que a Skagen e outros investidores do setor elétrico não têm motivos reais para reclamarem.
O prospecto da Eletrobras para acionistas claramente alerta sobre os perigos de investir em uma empresa na qual o governo dá as cartas.
A própria Skagen não é alheia a riscos, como ilustra um vídeo em seu site corporativo, explicando sua estratégia de investimentos. "Buscamos empresas que estejam subvalorizadas, pouco procuradas e impopulares", diz um narrador. "Onde algumas pessoas só veem nuvens, nós vemos um lampejo de luz do sol." Autoridades dizem que as margens de lucro no setor elétrico estavam insustentavelmente altas, especialmente considerando que a matriz energética brasileira é dominada pelas hidrelétricas, com custo operacional relativamente baixo. Funcionários dizem que o governo foi obrigado a intervir de forma a criar muitos mais ganhadores --os 190 milhões de brasileiros-- do que perdedores.
"Essas empresas estavam fazendo promessas que nunca conseguiriam cumprir", disse um alto funcionário do governo, que pediu anonimato. "Haverá um período de transição para elas agora. Não vamos recuar nisso", acrescentou.
O problema, do ponto de vista do investidor privado, é que a lista de empresas que tiveram seus modelos de negócios revirados por Dilma vai bem além do setor elétrico.
No último ano, aproximadamente, a presidente adotou várias medidas que resultaram em uma desvalorização de 27 por cento no real, a uma redução dos juros para 7,25 por cento ao ano, menor valor de todos os tempos, e que motivaram bancos privados a concederem mais empréstimos, a juros mais baixos.
Ela também ofereceu benefícios tributários para setores em dificuldades, como montadoras de veículos, conquistando o afeto desses empresários, mas também motivando queixas de outras companhias que se sentiram preteridas.
Enquanto isso, ela usa a participação do governo e empresas como Petrobras e Vale para empurrá-las a tomar decisões que ajudem a indústria brasileira como um todo, e não só os seus próprios balanços.
Autoridades dizem que todas essas medidas têm uma intenção nobre: melhorar a saúde econômica do Brasil em curto e longo prazo. Mas elas causaram consternação para a Skagen e outras empresas que passaram a comparar o Brasil a países latino-americanos abertamente hostis ao capital privado, como a Venezuela de Hugo Chávez.
No entanto, as dificuldades da economia sugerem que os investidores não estão aceitando de bom grado as iniciativas do governo Dilma --ao menos por enquanto.
O índice Bovespa caiu cerca de 15 por cento desde que ela tomou posse, em janeiro de 2011, num desempenho inferior ao de outras bolsas latino-americanas. A intervenção de Dilma nos bancos contribuiu para que o setor de serviços financeiros tivesse uma contração de 1,3 por cento no terceiro trimestre --o que, junto com a queda nos investimentos, foi a principal explicação para o fraco crescimento do Produto Interno Bruto.
A lista de investidores descontentes continua crescendo. A Skagen, na verdade, sofre duplamente --ela também é acionista da Petrobras. Falnes disse que sua empresa não é ingênua, apenas acreditou que poderia confiar nos governos brasileiros após uma década de investimentos no Brasil sob o governo Lula.
"Estávamos bastante felizes com a governança corporativa durante o governo Lula. Víamos muito menos interferência do governo então", afirmou ele.
Falnes diz que o fundo "ainda" não tomou providências judiciais contra o governo no caso da Eletrobras, mas que não descarta nenhuma opção.
"Posso entender a necessidade por contas de eletricidade mais baratas", disse ele, "mas é claro que não estamos felizes em pagarmos a conta".
São Paulo - Um bom exemplo de por que a economia do Brasil está claudicando pode ser encontrado em um local surpreendente: uma cidade litorânea no sul da Escandinávia.
O fundo de investimentos Skagen, com sede em Stavanger, na Noruega, diz ter perdido cerca de 200 milhões de dólares desde agosto por causa da mais recente intervenção da presidente Dilma Rousseff na economia brasileira --um plano para forçar as empresas do setor elétrico a reduzirem o valor das suas tarifas.
Dilma diz que o plano é necessário para cortar os custos para o setor industrial e para outros consumidores. O dano colateral tem sido enorme, já que a perspectiva de uma drástica redução nos lucros eliminou 15 bilhões de dólares do valor de mercado das empresas brasileiras do setor elétrico, incluindo a Eletrobras, na qual a Skagen tem uma grande participação.
Esse foi um dos vários episódios em que investidores se assustaram com a mão pesada de um governo esquerdista, segundo Kristian Falnes, gerente de carteira do fundo global da Skagen.
"Não somos os únicos sendo afetados", disse Falnes por telefone da Noruega, na semana passada. "Há muita desconfiança em relação ao governo Rousseff por causa de casos assim." Dados divulgados na sexta-feira da semana passada sugerem que tal desconfiança está cobrando um preço alto. Os investimentos no Brasil caíram entre julho e setembro pelo quinto trimestre consecutivo, condenando a economia a um crescimento de apenas 0,6 por cento no trimestre --metade do que os mercados financeiros esperavam.
A maior economia latino-americana deve agora fechar o ano com crescimento de apenas 1,3 por cento, provavelmente o pior desempenho entre os países dos Brics (grandes economias emergentes, o que inclui também Rússia, Índia, China e África do Sul). Mesmo economias desenvolvidas devem crescer em média mais do que o Brasil em 2012.
Dilma e sua equipe econômica atribuem os problemas brasileiros à crise global. Eles dizem que os temores com o ativismo governamental são deslocados, e preveem uma recuperação em breve.
Seja como for, foi um duro golpe para uma economia que há apenas dois anos crescia a um ritmo de 7,5 por cento, e que parecia destinada a uma longa fase de prosperidade, enquanto se preparava para sediar a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.
PLANO PARA RECUPERAÇÃO
A história de como a Skagen se viu enrolada nos problemas brasileiros é complexa, mas familiar sob muitos aspectos para quem investe nos bancos, nas empresas de petróleo, no setor automobilístico e no mercado cambial do Brasil.
Meses atrás, o setor industrial brasileiro estava mergulhado em uma grave crise, e Dilma decidiu resolver algumas das suas antigas queixas. Entre elas o preço da eletricidade, que, segundo um dos métodos de medição, era o terceiro maior do mundo, atrás apenas da Itália e Eslováquia.
Dilma --economista de formação e ex-ministra de Minas e Energia-- ajudou pessoalmente a conceber muitos aspectos do plano, definindo dois caminhos principais.
Um deles foi reduzir impostos e tarifas federais sobre a eletricidade. O outro foi usar o fim iminente de concessões como alavanca. Se as empresas quisessem renovar seus contratos para a operação de usinas hidrelétricas e redes de distribuição, teriam de aceitar grandes cortes tarifários, com o objetivo de reduzir em 20 por cento o valor médio cobrado dos consumidores.
A redução dos valores deve entrar em vigor no ano que vem. Dilma diz que nenhum acordo está sendo rompido, e que as empresas têm total liberdade para não solicitarem a renovação das concessões. Mas muitas empresas construíram seus planos de longo prazo levando em conta as tarifas atuais --e algumas veriam seu faturamento despencar caso não solicitem a renovação.
"Achávamos que, depois que as concessões expirassem, haveria novos leilões", disse Falnes. "Que haveria algum tipo de preço de livre mercado para isso, e não preços forçados e termos forçados." Com a Eletrobras, que representa cerca de 4 por cento da carteira global da Skagen, de 17 bilhões de dólares, a situação é ainda mais espinhosa.
Como ocorre com muitas empresas brasileiras, o governo é o acionista majoritário. Então, quando na segunda-feira o conselho da empresa aprovou a renovação das suas concessões, como era esperado, o governo estava basicamente votando a favor do seu próprio plano.
"Isso ignora completamente os interesses dos acionistas minoritários", disse Falnes. "Você pode ver isso como uma forma de nacionalização ou expropriação da propriedade." O executivo disse que pode ser impossível que a Eletrobras tenha lucro no longo prazo sob os novos termos das concessões, mesmo que corte fortemente seus custos. Muitos outros concordam, e isso levou as ações da empresa a terem uma queda de 55 por cento desde que detalhes do plano começaram a vir à tona, em agosto, apesar da oferta do governo de compensar as empresas energéticas por parte dos seus prejuízos.
"Com essas novas tarifas, não acho que a empresa elétrica mais eficiente possa ganhar dinheiro", disse Falnes. "É possível que dizer ‘sim' a essa proposta seja dizer ‘sim' a perder dinheiro pelos próximos 30 anos." ELES DEVIAM SE INFORMAR MELHOR? Muitos funcionários do governo Dilma --e até algumas pessoas do mundo empresarial-- acreditam que a Skagen e outros investidores do setor elétrico não têm motivos reais para reclamarem.
O prospecto da Eletrobras para acionistas claramente alerta sobre os perigos de investir em uma empresa na qual o governo dá as cartas.
A própria Skagen não é alheia a riscos, como ilustra um vídeo em seu site corporativo, explicando sua estratégia de investimentos. "Buscamos empresas que estejam subvalorizadas, pouco procuradas e impopulares", diz um narrador. "Onde algumas pessoas só veem nuvens, nós vemos um lampejo de luz do sol." Autoridades dizem que as margens de lucro no setor elétrico estavam insustentavelmente altas, especialmente considerando que a matriz energética brasileira é dominada pelas hidrelétricas, com custo operacional relativamente baixo. Funcionários dizem que o governo foi obrigado a intervir de forma a criar muitos mais ganhadores --os 190 milhões de brasileiros-- do que perdedores.
"Essas empresas estavam fazendo promessas que nunca conseguiriam cumprir", disse um alto funcionário do governo, que pediu anonimato. "Haverá um período de transição para elas agora. Não vamos recuar nisso", acrescentou.
O problema, do ponto de vista do investidor privado, é que a lista de empresas que tiveram seus modelos de negócios revirados por Dilma vai bem além do setor elétrico.
No último ano, aproximadamente, a presidente adotou várias medidas que resultaram em uma desvalorização de 27 por cento no real, a uma redução dos juros para 7,25 por cento ao ano, menor valor de todos os tempos, e que motivaram bancos privados a concederem mais empréstimos, a juros mais baixos.
Ela também ofereceu benefícios tributários para setores em dificuldades, como montadoras de veículos, conquistando o afeto desses empresários, mas também motivando queixas de outras companhias que se sentiram preteridas.
Enquanto isso, ela usa a participação do governo e empresas como Petrobras e Vale para empurrá-las a tomar decisões que ajudem a indústria brasileira como um todo, e não só os seus próprios balanços.
Autoridades dizem que todas essas medidas têm uma intenção nobre: melhorar a saúde econômica do Brasil em curto e longo prazo. Mas elas causaram consternação para a Skagen e outras empresas que passaram a comparar o Brasil a países latino-americanos abertamente hostis ao capital privado, como a Venezuela de Hugo Chávez.
No entanto, as dificuldades da economia sugerem que os investidores não estão aceitando de bom grado as iniciativas do governo Dilma --ao menos por enquanto.
O índice Bovespa caiu cerca de 15 por cento desde que ela tomou posse, em janeiro de 2011, num desempenho inferior ao de outras bolsas latino-americanas. A intervenção de Dilma nos bancos contribuiu para que o setor de serviços financeiros tivesse uma contração de 1,3 por cento no terceiro trimestre --o que, junto com a queda nos investimentos, foi a principal explicação para o fraco crescimento do Produto Interno Bruto.
A lista de investidores descontentes continua crescendo. A Skagen, na verdade, sofre duplamente --ela também é acionista da Petrobras. Falnes disse que sua empresa não é ingênua, apenas acreditou que poderia confiar nos governos brasileiros após uma década de investimentos no Brasil sob o governo Lula.
"Estávamos bastante felizes com a governança corporativa durante o governo Lula. Víamos muito menos interferência do governo então", afirmou ele.
Falnes diz que o fundo "ainda" não tomou providências judiciais contra o governo no caso da Eletrobras, mas que não descarta nenhuma opção.
"Posso entender a necessidade por contas de eletricidade mais baratas", disse ele, "mas é claro que não estamos felizes em pagarmos a conta".