Tude, da Teleco: "apesar da mudança tecnológica, não tivemos uma atualização do marco regulatório das telecomunicações" (foto/Divulgação)
Leo Branco
Publicado em 29 de agosto de 2017 às 17h48.
Última atualização em 29 de agosto de 2017 às 17h48.
Sempre que a pauta de privatizações e concessões volta à tona, o caso Eletrobras é revisitado. Privatizada nos anos 90, a mastodôntica estatal que maltratava brasileiros com taxas abusivas para a instalação de uma linha telefônica deu origem a um negócio moderno e muito mais eficiente. Semana passada, o governo anunciou um dos mais ambiciosos planos de privatização da história, com dezenas de negócios na mesa – de aeroportos à Casa da Moeda. O objetivo, nobre, é aumentar o caixa do governo e dar um choque de eficiência aos negócios.
Mas olhar para o histórico da Eletrobras pode ser valioso sobre outra ótica, como revela Eduardo Tude, sócio da consultoria Teleco. Privatizar é um primeiro passo importante, mas o governo continua a ter um papel decisivo no constante monitoramento e modernização do setor. Duas décadas após a privatização da Telebras, afinal, o país tem serviços de banda larga muito aquém dos oferecidos em outros mercados. Como evitar incorrer nesses erros? Tude concedeu a seguinte entrevista a EXAME.
A privatização da telefonia ocorrida há 20 anos cumpriu o seu papel?
O que a lei geral que norteou a privatização das telecomunicações se propôs a fazer, que era universalizar o serviço de telefonia fixa, foi feito. Mas a iniciativa privada, sozinha, não conseguiu modernizar por completo a telefonia no Brasil. A cobertura e a qualidade dos serviços de banda larga no país ainda são muito ruins na comparação internacional. O acesso à internet por meio de uma telefonia móvel de alta velocidade segue restrito às grandes cidades. Quem vive em municípios de pequeno e médio porte no interior sofre com conexões de baixa qualidade. E as mudanças nas telecomunicações estão estagnadas.
Por que há uma paralisia no setor?
Na época da privatização, o foco era acabar com as filas para conseguir uma linha de telefone, algo que se tornou obsoleto com o passar do tempo. Hoje as pessoas não querem mais usar serviços de voz, e sim de dados. Apesar da mudança tecnológica, não tivemos uma atualização do marco regulatório das telecomunicações.
Na prática, qual o efeito de termos uma legislação defasada?
O resultado é que atualmente o Estado brasileiro faz exigências sem sentido às operadoras de telefonia e deixa de cobrar investimentos no que de fato faz sentido para a população. Um exemplo evidente disso é que até hoje as operadoras são obrigadas a manter estruturas para conexão de telefonia fixa em todas as 19.349 localidades com mais de 300 habitantes. O problema é que, em 20% desses locais, não houve interessados em instalar telefones fixos. Em outros 37% há no máximo dez usuários. Estamos falando de mais da metade das localidades com pouca ou nenhuma demanda por telefonia. Enquanto isso, no caso da banda larga, a disponibilidade de um serviço rápido, de alta qualidade, está restrito a 250 cidades brasileiras, que cobrem apenas metade da população.
Como essa disparidade de acesso poderia ser resolvida?
O projeto de lei 79, em tramitação no Congresso, permitirá às concessionárias de telefonia transferir os investimentos obrigatórios hoje em estruturas de telefonia fixa para as de banda larga. Apenas com a aprovação desse projeto, 20 bilhões de reais em investimentos em banda larga poderiam entrar em planos de expansão das operadoras acordados com a Anatel, a agência reguladora – e cujo descumprimento poderia render multas. Tudo isso hoje não é possível porque o projeto de lei, que já foi aprovado pela Câmara, segue com a tramitação parada no Senado desde o fim do ano passado, quando estava prestes a ir à votação no plenário. Na ocasião, um grupo de parlamentares capitaneados pelo Partido dos Trabalhadores entrou com uma liminar no Supremo Tribunal Federal pedindo a suspensão do projeto por causa da falta de discussão. Agora, o setor aguarda uma decisão do Supremo. Por enquanto, segue travado.