Trump, o “individualista-em-chefe” em Davos
Em discurso no Fórum Econômico, o presidente americano se agarrou à bandeira "America First" e disse que líderes deveriam fazer o mesmo por seus países
Da Redação
Publicado em 26 de janeiro de 2018 às 13h31.
Última atualização em 26 de janeiro de 2018 às 14h21.
Davos – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump , fez seu aguardado discurso na tarde de encerramento do Fórum Econômico Mundial, em Davos, nesta sexta-feira.
O foco foi exaltar os trunfos do seu primeiro ano de governo, explicando os benefícios das reformas tributária e regulatória para as famílias e para o ambiente de negócios americanos.
Ele fez questão de dizer que o momento é mais favorável do que nunca para produzir, criar, contratar e investir nos Estados Unidos, e convidou todos os presentes a fazê-lo. Trump se agarrou à bandeira “America First” e disse que todos os líderes ali presentes deveriam fazer o mesmo por seus países.
Apesar disso, afirmou que isso não significa uma “America Alone”, e reforçou a ideia de que é preciso buscar acordos bilaterais ou até mesmo em grupo, caso seja interessante para todos os envolvidos.
Disse não ser contra o livre comércio, contanto que o comércio se dê de forma justa — numa clara cutucada à China, a quem ele acusou indiretamente de subsidiar indústrias e distorcer o mercado.
Afirmou também que melhorar esse ambiente de comércio não é bom só para os Estados Unidos, mas para o mundo, assim como o triunfo da América seria também o triunfo global. O empresário chegou a se comparar a um líder de torcida, dizendo ser o maior fã da economia americana.
Trump também exaltou sua política externa, afirmando que tem trabalhado duro no combate ao terrorismo e ao avanço das armas nucleares, mas a polêmica em torno do acordo nuclear do Irã não entrou na pauta.
Afirmou que a política de migração americana é ultrapassada e que, por questões econômicas e de segurança, os imigrantes precisam ser aceitos de acordo com o seu potencial de contribuição para o país.
Uma visão muito mais comercial que social, mas ninguém esperava nada muito diferente disso. Se Trump levou uma vantagem competitiva a Davos foi o fato de ter, durante um ano, moldado a plateia para saber bem o que esperar de sua estreita visão de mundo.
O discurso, que durou cerca de 15 minutos, aconteceu no maior salão do evento, e reuniu centenas de pessoas. O clima que antecedeu sua subida ao palco era de ceticismo. Trump ainda nem tinha começado a falar e as vaias já tomavam o ambiente.
Isso porque, em sua fala de introdução, o presidente do Fórum, Klaus Schwab, praticamente colocou Trump num pedestal, com elogios rasgados às suas reformas e afirmando que o presidente, muitas vezes, é mal interpretado pela imprensa e pelo público.
Quando Trump terminou de falar, aplausos fracos e pouco entusiasmados tomaram o espaço, e as vaias vieram no tete-à-tete pós-discurso, quando ele fez ataques deliberados à imprensa, afirmando que descobriu como os jornalistas “podem ser nojentos e mentirosos”.
“Seu discurso foi em linha com o que disse antes, mas também deixou aberta uma vontade para negociar acordos comerciais, em especial o TPP, que poderia ter as negociações retomadas”, disse Schwab a EXAME.
Em geral a fala do presidente dos Estados Unidos, pela pouca excitação que provocou, mostra que a comunidade empresarial e política mundial reunida em Davos olha de forma crítica e desconfiada a suas políticas.
“Por enquanto, não há motivo para confiar em uma administração que fala grosso com seus principais parceiros”, afirma a economista Monica de Bolle, do Peterson Institute, que ressaltou que o fato de Trump ter se vangloriado dos positivos resultados nas bolsas de valores americanas foi um tanto vergonhoso. “Ele não melhorou sua imagem ante a tal elite globalista”, diz a economista.
Trump ressaltou, em Davos, os sucessivos recordes na bolsa e também a taxa recorde de emprego e de crescimento econômico do país sob sua gestão. Evidentemente deixou de fora da explicação o fato de a bolsa ser impulsionada por um excesso de liquidez global e que as taxas recordes de emprego são consequência das políticas de Barack Obama, e não de sua gestão.
Para piorar, durante a fala de Trump os principais portais divulgaram que, no quarto trimestre de 2017, a economia americana cresceu bem abaixo do previsto – 2,6% ante 3% das previsões. Pode ser um suspiro, mas certamente não é motivo para celebrações, ainda mais poucas horas depois de Trump ter prometido taxas de crescimento de 6%, como fez na quinta-feira.
Trump entrou e saiu de Davos como o protecionista-chefe do mundo. Ele não faz questão nenhuma de mudar de time. “Quando eu decidi vir para Davos não pensei em elites ou globalistas. Eu pensei nas muitas pessoas que querem investir e que estão voltando para a América”, declarou Trump em uma entrevista para a emissora americana CNBC. Foi a primeira vez que um presidente dos Estados Unidos pisou no Fórum desde 2000, quando Bill Clinton fez a última aparição.
A expectativa para sua fala era alta. “Em Davos tem muitíssima gente, como nunca foi vista por aqui”, brincou Trump com os jornalistas na quinta-feira, em sua chegada ao evento.
De fato, o Fórum nunca havia registrado uma participação tão alta, e sua presença ajudou a impulsionar a demanda por crachás.
Depois da confirmação de que o presidente americano iria ao evento, as cotações dos hotéis, pousadas e apartamentos de aluguel na cidade e arredores pipocaram, e há quem tenha pago 5.000 francos suíços (quase 15.000 reais) por noite para não perder a ocasião.
Nos painéis realizados na manhã desta sexta-feira, a presença do público era quase nula. A grande maioria dos delegados estava já posicionada em frente à sala onde Trump discursaria, para garantir o ingresso.
Banqueiros luxemburgueses, industriais japoneses, políticos indianos se enfileiraram por horas, ignorando o almoço, já que o americano só subiria ao palco às 14h, no horário local.
Na hora de entrar no auditório, houve bate-boca e duelos por assentos, e os seguranças e as recepcionistas não puderam disfarçar o constrangimento de precisar apaziguar os ânimos da elite mais poderosa do mundo.
Trump deixou o palco depois de 30 minutos, com poucos aplausos, e com ainda mais dúvidas sobre como seu individualismo vai moldar o futuro da globalização.