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Síria perdeu metade da sua economia com guerra civil

Em meio ao conflito, Síria vive combinação desastrosa de escassez, inflação, sanções e fuga de capital e trabalhadores; recuperação pode levar 20 anos, diz FMI

Vista geral de Aleppo na Sìria, cidade destruída pelo conflito entre forças pró e anti governo (Hosam Katan / Reuters)

João Pedro Caleiro

Publicado em 28 de julho de 2016 às 12h45.

São Paulo - O Produto Interno Bruto ( PIB ) da Síria despencou 57% em termos reais desde 2010, de acordo com um relatório recente do Fundo Monetário Internacional ( FMI ).

O número é incerto e vem de diversas fontes, já que o governo não coleta mais estatísticas oficiais e a economia está cada vez mais informal em meio ao conflito.

O país é hoje efetivamente uma série de territórios autônomos; o governo controla as áreas mais povoadas (como Damasco), mas o Estado Islâmico tem cidades importantes, como Raqqah; boa parte do país é árida e não habitada.

A Síria sofre desde 2011 um embate que descambou para uma guerra civil entre o presidente Bashar Al Assad e grupos de oposição seculares e religiosos.

Histórico

Quando chegou ao poder em 2000 após a morte de seu pai, que governou a Síria por 30 anos, Bashar Al Assad inspirou esperanças de que poderia modernizar o país.

Na economia, fez algumas reformas de desregulação e diversificação que ajudaram a garantir estabilidade, inflação controlada e crescimento robusto (média de 4,4% entre 2000 e 2009).

Mas a pobreza voltou a subir na segunda metade da década, o nível de emprego não acompanhou o crescimento da população e a abertura política seguiu apenas como uma promessa - sem falar na corrupção.

"Mais de 80% das empresas diziam que era esperado que dessem presentes para oficiais para 'fazer as coisas acontecerem', comparado com uma média de 37% na região", diz o FMI.

Crise social e econômica

Os protestos começaram no início de 2011, na esteira da Primavera Árabe, e degringolaram para o conflito atual. Os números do relatório do FMI são chocantes: há estimativas de mais de meio milhão de mortos, e a expectativa de vida caiu 20 anos, de 76 anos para 56.

O órgão da ONU para refugiados contabiliza desemprego em 60%, dois terços dos habitantes na extrema pobreza, 7,6 milhões deslocados internamente e mais de 5 milhões fugidos apenas para 4 países vizinhos.

Já a economia vive uma combinação desastrosa de escassez de produtos, moeda depreciada, inflação galopante, sanções, fuga de capital e mão de obra e o colapso dos setores agrícola e de petróleo.

"Há evidências anedóticas de que companhias e empreendedores, em particular em torno do Aleppo, saíram do país e levaram com eles equipamento e capital pela fronteira para países vizinhos", diz o texto.

A queda estimada de 57% do PIB rivaliza com outros grandes desastres econômicos da história moderna.

Uma lista das maiores quedas do PIB desde 1870 foi feita no ano passado pelo Royal Bank of Scotland, mas só considera economias avançadas:

A falta de dados torna impossível concluir qual foi a pior depressão da história, mas provavelmente estariam na disputa também os Estados Unidos depois da guerra civil no século XIX, a Libéria nos anos 80 e 90 e o Tajiquistão e outros países ex-soviéticos na transição para a economia de mercado.

Recuperação

Ainda não dá para saber como (e se) a Síria vai se recuperar, o que vai depender de acordos políticos e de muito apoio internacional.

Se o país voltar a crescer em 2018 a uma taxa de 4,5% por ano, vai demorar 20 anos para chegar no seu PIB antes da guerra. Foi o tempo que levou para o Líbano se recuperar após 16 anos de conflito. O Kuwait, que só viveu 2 anos de guerra, levou 7 na recuperação.

"Reconstruir a infraestrutura física danificada será uma tarefa monumental, mas reconstruir o capital humano e a coesão social será um desafio ainda maior e mais duradouro", diz o relatório.

Veja também

São Paulo - O pequeno sírio Gays Cardak, de apenas 6 anos, sonha reconstruir o seu país. Em uma biblioteca no campo de refugiados em Yayladagi, na fronteira turco-síria, ele mostra o seu desenho — um homenzinho de braços grandes e abertos. "Eu vou ser médico e engenheiro. Nós, os engenheiros, vamos reconstruir a Síria , e eu vou levar os (soldados) para o hospital", disse Cardak. No mês de dezembro, o fotógrafo da agência Reuters Umit Bektas visitou dois campos de refugiados na Turquia. Nesses abrigos improvisados, crianças e jovens sírios convivem constantemente com sentimentos de separação, saudades da terra natal e os traumas da guerra que os tirou, à força, tão cedo de casa. Desenhar e escrever é uma forma de expurgar os fantasmas. E o fotógrafo registrou estes momentos, que revelam um sonho comum — o retorno à Síria , são e salvos. Veja nas imagens.
  • 2. Medo

    2 /12(REUTERS/Umit Bektas)

  • Nesta imagem, a pequena refugiada síria Tesnim Faydo, de 8 anos, mostra seu desenho de uma mãe chorando por sua filha ferida. Faydo está com seus amigos em Yayladagi, um campo de refugiados na província de Hatay, perto da fronteira turco-síria.
  • 3. Saudade

    3 /12(REUTERS/Umit Bektas)

    Em seu desenho, a menina Meryem Mahmo, de 14 anos, retrata seu antigo lar e escreve: "Eu quero minha casa. Eu sinto sua falta, Síria."
  • 4. Sonho comum

    4 /12(REUTERS/Umit Bektas)

    Abdullah El-Omer, de 15 anos, faz o mesmo pedido: "Eu quero um fim à guerra na Síria", diz o cartaz que segura na barbearia em que trabalha no campo de refugiados em Midyat, na província de Mardin, Turquia.
  • 5. "Vamos viver feliz"

    5 /12(REUTERS/Umit Bektas)

    Kamer Topalca, de 18 anos, escreveu esta mensagem: "Meu Deus nos salve. Vamos retornar seguros à nossa pátria. Vamos viver feliz.". Ela agora vive em Yayladagi, campo de refugiados na província de Hatay, perto da fronteira turco-síria.
  • 6. Identidade

    6 /12(REUTERS/Umit Bektas)

    O adolescente Mustafa Halabi, de 16 anos, segura um cartaz com o seguinte recado em árabe: "Eu sou sírio e eu quero voltar para a Síria". Ele está em em Nizip, no campo de refugiados na província de Gaziantep, Turquia.
  • 7. Deus é...

    7 /12(REUTERS/Umit Bektas)

    Este desenho, que mostra uma casa cercada de flores e três pessoas, é de Islem Halife, uma menina de 11 anos que vive em Nizip, campo de refugiados na província de Gaziantep. A frase curta no meio do desenho significa "Deus é grande".
  • 8. Apelo

    8 /12(REUTERS/Umit Bektas)

    "O meu pedido é para você, certifique-se de que podemos voltar à nossa pátria, com o fim da guerra e dos ataques; certifique-se de que podemos viver em paz, sem medo e longe de ataques. Envie-nos de volta à nossa pátria", apela a refugiada síria Esma El-Guriya, de 18 anos.
  • 9. Lar desfeito

    9 /12(REUTERS/Umit Bektas)

    Ao lado da mãe e de seus dois irmãos, Ahmet Cemal, de 12 anos, mostra um desenho da casa onde morava com a família na Síria. Ele também está em Nizip, campo de refugiados na província de Gaziantep, Turquia.
  • 10. Alá

    10 /12(REUTERS)

    De dentro do campo de refugiados em Gaziantep, Turquia, a síria Rahaf Kahya, de anos 13, segura o papel com a escrita em árabe que diz: " Não há nenhum deus, somente Alá, e Maomé é o mensageiro de Alá. Síria livre".
  • 11. Lembranças

    11 /12(REUTERS/Umit Bektas)

    Em sua tenda no campo de refugiados, a jovem síria Hale Selim, de 13 anos, mostra o desenho de sua antiga casa na Síria. A saudade é constante.
  • 12. Tensões

    12 /12(Bulent Kilic/AFP)

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