Economia

Senado analisa projeto que cria impostos para serviços como Netflix

Entidades do setor de vídeos sob demanda afirmam que proposta é intervencionista e pode prejudicar o crescimento da área de streaming

Netflix: serviços que oferecem vídeo sob demanda podem ser tributados (Mike Blake/Reuters)

Netflix: serviços que oferecem vídeo sob demanda podem ser tributados (Mike Blake/Reuters)

BC

Beatriz Correia

Publicado em 7 de outubro de 2019 às 18h30.

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) debateu nesta segunda-feira (7) o projeto de lei do Senado que pretende regular a chamada comunicação audiovisual sob demanda (“Video on Demand” ou VoD). De autoria do senador Humberto Costa (PT-PE), o PLS 57/2018 disciplina a distribuição de conteúdos fornecidos por banda larga diretamente a televisões, celulares e outros aparelhos. É o tipo de negócio de empresas como Netflix, Hulu e Prime Video, por exemplo.

Para o diretor-geral da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Cristiano Lobato Flores, é importante discutir o projeto, já que o texto propõe a organização do serviço, a regulação do acesso à informação, estabelece cotas de tributação, além de tratar de temas relativos à responsabilidade editorial. Flores pontuou, no entanto, que o modelo proposto por Humberto Costa é denso demais e poderá impedir o crescimento do setor.

"Não é uma tarefa fácil. Estamos falando de uma agenda regulatória, inclusive sobre de que tipo será: se densa, se soft ou até mesmo se haverá essa regulação. Até porque o mercado ainda é prematuro, e não demanda uma intervenção estatal", disse.

José Maurício Fittipaldi, da Motion Picture Association of America (MPA), disse que o PLS 57/2018 apresenta riscos de caracterização de abuso regulatório, já que a proposta pode resultar em reserva de mercado.

Ele enfatizou a necessidade da observância de dados técnicos e comportamentais do setor, antes de qualquer medida nesse sentido. Ao afirmar que a experiência europeia não pode servir como modelo para implementação das regras no Brasil, Fittipaldi explicou que as diretrizes do tema na Europa têm menos de um ano de aplicação, e que os estados membros têm até setembro de 2020 para adotar as medidas por completo.

"Não há dados, não há experiência a demonstrar que esse caminho é o melhor. O único dado que existe sobre a experiência europeia é do mesmo mês em que a medida foi implementada, e o relatório não considera qualquer tipo de efeito dessa diretiva. Estamos num cenário desafiador, dentro de um contexto de crise econômica, onde fica claro que esse projeto é altamente intervencionista e excessivo", afirmou.

O fundador da Sofá Digital, Fábio Lima, defendeu cautela sobre o assunto e pediu que os parlamentes analisem questões técnicas antes de propor a legislação. O advogado da Associação Brasileira de Programadoras de TV por Assinatura (ABPTA), Marcos Bitelli, questionou pontos do projeto como a necessidade de responsabilização editorial.

Segundo ele, a classificação indicativa já existe nos vídeos sob demanda e as plataformas já dispõem de bom relacionamento com órgãos como o Ministério da Justiça.

A diretora de Relações Governamentais e Políticas Públicas da Netflix, Paula Pinha, considerou que a tributação de serviços sobre demanda não produz os mesmos efeitos conseguidos em outros setores do audiovisual, como cinema e televisão. Para ela, a cota sugerida no PLS 57/2018 prejudica produtores e consumidores, uma vez que os catálogos de ofertas de obras deverão ser reformulados com a futura aprovação da lei.

"Se um dos pilares do projeto é garantir a presença de conteúdo brasileiro nesse novo segmento de mercado, a discussão de medidas alternativas de fomento à atividade seria o caminho mais acertado", disse.

O secretário do Audiovisual da Secretaria Especial da Cultura Ministério da Cidadania, Ricardo Rihan, disse estar atento às demandas da audiência pública, no intuito de oferecer soluções para o setor. Ele afirmou ser contrário aos excessos regulatórios, citando a importância da sanção da Medida Provisória 881/2019 (MP da Liberdade Econômica), que estabelece garantias de livre mercado. Rihan defendeu, no entanto, uma isonomia competitiva entre as empresas, com vistas à regulação tributária.

"As grandes mediatechs, conceito que está na essência das startups de mídia, por exemplo, têm que contribuir também, de acordo com a relevância que têm no mercado. E eu pergunto: há uma tributação melhor do que a feita sobre o faturamento? Sei que isso não é consenso, mas me parece um caminho convergente", observou.

Já o subsecretário de Competitividade, Concorrência, Inovação e Serviços do Ministério da Economia, Marcelo de Matos Ramos, observou que o crescimento do VoD revolucionou o mercado, criando uma dinâmica de concorrência no setor. Para ele, o desenvolvimento dessas empresas não deve ser impedido por uma regulação impensada.

Ao comentar que discussões sobre o assunto se arrastam por anos junto ao Conselho Nacional de Cinema, Ramos advertiu para o fato de que o PLS 57/2018 pode seguir o mesmo caminho, impedindo a inovação no país.

"Não seria possível pensar num novo modelo para o setor audiovisual que progressivamente diminua o peso da intervenção estatal, deixando o setor privado criar sua própria dinâmica? Por que não inovar no fomento? Creio que isso resolveria muitos problemas relacionados até mesmo ao incentivo, já que o VoD está conseguindo aumentar a diversidade e por que não termos uma fatia desse mercado?", questionou.

Ao agradecer aos debatedores, o relator da matéria e autor do requerimento para a audiência pública, senador Izalci Lucas (PSDB-DF), disse que promoverá mais um debate, antes de apresentar seu parecer.

O projeto

De autoria do senador Humberto Costa (PT-PE), o projeto regula a comunicação audiovisual sob demanda,como Netflix, Hulu e Prime Video.

Entre os dispositivos do projeto, está o que determina os princípios da comunicação audiovisual sob demanda, quais sejam a liberdade de expressão e de acesso à informação. O texto também define como compromissos desse serviço a promoção da diversidade cultural, da língua portuguesa e cultura brasileira; o estímulo à produção independente e regional; a vedação ao monopólio e oligopólio; e a acessibilidade aos conteúdos audiovisuais.

A proposição institui que a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) será progressiva de até 4% sobre o faturamento bruto apurado. E determina que o provedor de vídeo sob demanda deverá fornecer relatórios periódicos sobre a oferta e o consumo de conteúdos audiovisuais, bem como sobre as receitas obtidas no desempenho de suas atividades

Favorável à medida, o presidente do Congresso Brasileiro de Cinema, Rojer Garrido de Madruga, disse que há um desinteresse dos empresários na livre concorrência e no pagamento de impostos. Ele ponderou, no entanto, que o mercado de VoD é um negócio como qualquer outro e sugeriu que o governo use a “dose certa” na tributação do setor.

"É muito mais fácil simplificar toda a burocracia cobrando em cima do faturamento. Claro que não pode ser muito nem pouco, e até podemos usar o modelo da Espanha e Itália, que tributam [essa atividade] em 5%", argumentou.

No catálogo deve haver, de modo permanente, um percentual de conteúdos audiovisuais brasileiros determinado pelo Poder Executivo em regulamento. Metade desses conteúdos devem provir de produtoras brasileiras independentes, considerando a capacidade econômica de cada agente, a atuação no mercado e a produção total de títulos brasileiros nos cinco anos precedentes.

A proposta também obriga o provedor do serviço a investir anualmente um percentual de sua receita bruta na produção ou aquisição de direitos de licenciamento de obras brasileiras.

“Tais disposições vão assegurar, a nosso ver, um mercado dinâmico, com equilíbrio competitivo entre as várias modalidades de serviço”, justifica Humberto Costa.

Condecine

Segundo o projeto, a Condecine será devida por todas as pessoas jurídicas de direito privado que atuem nesse segmento de mercado, sejam os provedores do serviço de vídeo sob demanda, sejam os responsáveis pelas plataformas de compartilhamento de conteúdos. A taxação será aplicada também sobre a receita bruta anual dos contribuintes em alíquotas escalonadas que vão de 0 a 4%.

As empresas contribuintes poderão descontar até 30% do valor da Condecine, para adquirir direitos ou produzir obras cinematográficas ou videofonográficas brasileiras de produção independente. E parte desses 30% serão destinadas a produtoras brasileiras das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. As micros e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional estarão, segundo o projeto, isentas da contribuição.

A acessibilidade também é garantida no projeto, que estabelece que todos os conteúdos audiovisuais oferecidos tenham legenda, audiodescrição e linguagem brasileira de sinais (Libras). Por fim, o projeto determina sanções e penalidades a quem descumprir as obrigações dispostas na futura lei, que vão desde advertência a cancelamento do registro.

Justificativa

Em sua justificativa, Humberto Costa afirma que o mercado de conteúdo audiovisual sob demanda vem crescendo rapidamente no país e compete com outros segmentos da mídia audiovisual — como a televisão aberta e os serviços por assinatura — sem estar sujeito a obrigações equiparáveis. O autor afirmou que seu projeto se inspira na iniciativa semelhante do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), o PL 8.889/2017, apresentado na Câmara.

“Nesse sentido, oferecemos este texto, que determina seu enquadramento em condições que acreditamos estar equilibradas com a de outros segmentos, em especial os serviços de acesso condicionado, regulamentados pela Lei 12. 485/2011”, afirmou.

Em relação à Condecine, o autor disse que optou por aplicar uma contribuição progressiva de até 4% sobre o faturamento bruto, acompanhando práticas de outros países para o setor. Quanto ao estímulo ao consumo de títulos brasileiros, Humberto Costa disse que preferiu atrelar o número de títulos disponíveis ao porte de produção local nos últimos cinco anos e ao porte das empresas provedoras, implantando o denominado “destaque visual” desses títulos.

Sobre o estímulo à regionalização da produção audiovisual brasileira, o senador aplicou o que já é feito pela lei dos serviços de acesso condicionado (Resolução 581, de 26 de março de 2012), estipulando que o mínimo de 30% dos recursos destinados ao Fundo Setorial do Audiovisual sejam empregados em produções das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Depois da análise pela CAE, o texto passará pelas Comissões de Educação, Cultura e Esporte (CE), de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) e de Constituição e Justiça (CCJ), que terá decisão terminativa.

Fonte: Agência Senado

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