Sem China, agricultura do Brasil não seria o que é, diz Blairo Maggi
Um dos maiores produtores de soja do Brasil, Blairo Maggi, chamou de "tragédia" o uso de ideologia política contra o principal parceiro comercial do Brasil
Estadão Conteúdo
Publicado em 30 de abril de 2020 às 08h35.
Última atualização em 30 de abril de 2020 às 12h37.
Um dos maiores produtores de soja do Brasil, Blairo Maggi não vê como iminente a saída da ministra da Agricultura, Tereza Cristina , do governo. Criticada por uma ala bolsonarista por pertencer ao partido DEM, dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, Tereza Cristina virou alvo de integrantes do governo e agricultores mais radicais.
"A ministra tem apoio dos líderes do agronegócio e da grande maioria do governo. Há pessoas no governo querendo mexer seus pauzinhos para ganhar espaço. Não é uma situação fácil porque ali, mesmo com todo o vento a favor, é difícil trabalhar", diz Blairo, que foi ministro da Agricultura no governo de Michel Temer.
Blairo Maggi fez pesadas críticas a integrantes do governo e do agronegócio que associam os prejuízos com a pandemia do novo coronavírus à China. "Acho totalmente equivocado e de má-fé ir contra o nosso maior parceiro comercial. Se não fosse a presença da China, a agricultura do Brasil não seria do tamanho que é", disse ele. "A tirada de um parceiro importante por causa de uma ideologia política é uma tragédia." A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como o sr. vê as trocas recentes de ministros na Saúde e na Justiça?
Analisando friamente, penso que o presidente (Jair Bolsonaro) ficou numa posição muito complicada nessas duas substituições - saída do Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e de Sérgio Moro (Justiça). No fundo, eu enxergo como desafio da autoridade presidencial. Se o presidente não tomar medidas firmes, não mostrar comando, a gente não vai para lugar nenhum. Vira uma bagunça.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tem sido alvo de críticas por pertencer ao DEM. O sr. vê risco de saída dela da pasta?
A ministra tem o apoio dos líderes do agronegócio e da grande maioria do governo. Há pessoas no governo querendo mexer seus pauzinhos para ganhar espaço. Mas eu vejo a Tereza prestigiada pelo governo. Não é uma situação fácil porque ali, mesmo com todo o vento a favor, é difícil trabalhar. Ela estando bem com o Congresso e a frente parlamentar (da Agricultura), as chances de ela seguir no governo são grandes.
O governo entrou em rota de colisão com a China. A ministra foi importante para costurar essa boa relação comercial. Como o sr. avalia essa questão?
Acho equivocado e de má-fé ir contra o nosso maior parceiro comercial. Se não fosse a presença da China, a agricultura do Brasil não seria do tamanho que é. O comércio estar desobstruído é muito importante. Fico muito chateado com agricultores apoiadores do governo que pensam diferente. O governo está aí para nos ajudar e não para nos atrapalhar. A China coloca dinheiro aqui no Brasil e compra nossa mercadoria. Quando falo de crédito, não falo só do dinheiro para plantar soja, milho ou trigo. A tirada de um parceiro importante por causa de uma ideologia política é uma tragédia.
Há risco de o País retroceder nessa área?
Conheço bem a China. Estive lá muitas vezes quando era ministro. Não temos nada a ver com a posição política que cada país escolhe. Os chineses gostam muito do protocolo. Não faz sentido o ministro da Educação (Abraham Weintraub), o filho do presidente (Eduardo Bolsonaro) e agricultores falarem mal do país. Só temos a perder com essa política que o Bolsonaro tenta fazer com os Estados Unidos. Temos de ver que, numa negociação maior, os EUA são pragmáticos e podem deixar o Brasil de lado. Esse alinhamento não serve para nós. O Brasil tem de olhar de forma pragmática. Quando era ministro, a nossa chancelaria sempre tentava dar tranquilidade aos chineses e explicávamos que não estávamos alinhados com ninguém. Infelizmente, me parece que isso ficou esquecido e é preciso recuperar. O Brasil não pode abrir mão da China e de nenhum país.
Entidades importantes, como a Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja) nacional e de Mato Grosso, se posicionaram de forma diferente…
Falei para as lideranças do Aprosoja nacional e de Mato Grosso que eles não representam o Brasil politicamente. Associação é feita para defender os interesses dos produtores com o governo de plantão. Ponto. Se você tem preferências partidárias ou ideológicas, você se manifesta no seu campo pessoal.
O sr. acha que o agronegócio brasileiro está enfraquecido no exterior?
Todo mundo precisa comprar comida. Ninguém vai deixar de comprar do Brasil amanhã porque o ministro da Educação falou besteira. Mas, no médio e longo prazos, se você não é um país confiável de fornecimento a outro país, você pode ficar de fora de um planejamento e perder espaço.
Quais devem ser as prioridades do agronegócio neste momento?
É preciso se preocupar com a questão de crédito para o setor como um todo. Em momentos de dificuldades financeiras, é normal que os agentes financeiros recuem um pouco e o setor passe por dificuldades, com as recuperações judiciais em curso. Isso afasta os financiadores. Eu defendo uma mudança na legislação, que é a exclusão de valores financeiros dos financiamentos de custeio imediato, de não considerar isso dentro de um bolo geral da recuperação judicial. Outro ponto é a segurança do alimento e rastreabilidade.
Como o agronegócio está sendo afetado por essa crise?
O agronegócio está indo bem. A crise mudou a consciência de todos envolvidos no combate (aos efeitos da crise).
Mas há setores, como o sucroalcooleiro, que sairão machucados…
O etanol é muito vinculado ao petróleo. Derreteu. Muitos produtores de milho que forneciam para o setor de etanol também foram afetados. Outro setor ligado ao petróleo é o algodão. Tecidos que competem com os fios sintéticos também caíram. É diferente de comida.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.