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Recuperação lenta da economia americana em 2010

Ao longo de 2009, os impulsos fiscal e monetário implementados nos EUA foram eficientes para estimular a atividade econômica e diminuir a volatilidade no mercado financeiro. O PIB, por exemplo, voltou a crescer depois de cinco trimestres consecutivos de queda e a volatilidade nos mercados diminui a patamares prévios a setembro de 2008. Porém, os […]

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h46.

Ao longo de 2009, os impulsos fiscal e monetário implementados nos EUA foram eficientes para estimular a atividade econômica e diminuir a volatilidade no mercado financeiro. O PIB, por exemplo, voltou a crescer depois de cinco trimestres consecutivos de queda e a volatilidade nos mercados diminui a patamares prévios a setembro de 2008.
Porém, os fundamentos econômicos ainda seguem enfraquecidos e não parecem garantir a retomada do crescimento sustentado já em 2010. Como será discutido adiante, o mercado de trabalho deteriorado, a restrição de crédito e o alto endividamento das famílias americanas ainda serão empecilhos para uma forte taxa de expansão do produto no próximo ano.

Recuperação sem empregos?

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Ao longo dos últimos 23 meses, a economia americana destruiu cerca de 7,2 milhões de postos de trabalho. A redução no emprego foi mais intensa que o observado nas últimas recessões ao longo de todo o ano que precedeu o fim do período de retração da atividade (gráfico 1) e os cortes de vagas continuaram mesmo após o provável fim da recessão, em julho deste ano (ponto zero nos gráficos a seguir). Nesse período, no passado, a recuperação econômica já mostrava aumento de emprego ou, ao menos, estabilidade, que parece ter chegado mais tarde no atual episódio.

Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego, apesar de não se manter tão alta quanto aquela observada em 81 e 82, mostrou a maior aceleração das últimas recessões e, nos últimos meses, chegou a patamares próximos ao do início dos anos 80 (gráfico 2). A divulgação de novembro sinalizou queda, porém ainda permanece a dúvida se isso se manterá nos próximos meses. De acordo com o cenário do Fed, essa tendência seria suave, de declínio de algo entre 9,9% a 10,1% neste ano para um valor no intervalo de 9,3% a 9,7% no final de 2010.

Gráfico 1 - Criação de vagas de trabalho (mil)
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Gráfico 2 - Taxa de desemprego (%)
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A magnitude da deterioração no mercado de trabalho nesses últimos meses requereria taxas de expansão excepcionalmente altas somente para recuperar as vagas perdidas. Assumindo que isso aconteça em dois anos, seria necessária a criação líquida de mais de 300 mil vagas por mês (ou mais, já que se estima que sejam necessárias 100 mil vagas/mês para absorver os novos entrantes). Como visto no gráfico 3, mesmo a correlação positiva significativa entre o crescimento do PIB e a geração de vagas no mercado de trabalho indica que esse patamar é factível apenas quando a taxa de crescimento do PIB se mantém acima do potencial (por volta de 3%) por alguns anos, algo como 4% ou 4,5% (linha cinza no gráfico 3). Porém, em anos de início de recuperação, o mercado de trabalho consegue gerar em torno de 100 mil vagas/mês, o que parece factível em vista da expectativa de mercado de crescimento de cerca de 2,5% para o PIB americano em 2010.

Gráfico 3 - PIB x criação de vagas no mercado de trabalho
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Sem empregos, sem consumo

Apesar da melhora marginal do mercado de trabalho, a tendência da massa real de rendimento ainda é declinante (gráfico 4). Apesar de certa recuperação do rendimento médio real na margem, a queda no número de empregados continua sendo determinante para reduzir a massa. Obviamente, renda e consumo caminham próximos (gráfico 5), o que significa que a tendência da massa real de rendimento ainda deve restringir a expansão do consumo das famílias nos próximos trimestres.

Gráfico 4 - Massa real de rendimentos (2006=100)
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Gráfico 5 - Massa real de rendimento x consumo (% a/a)
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Ressalta-se que os últimos meses mostraram certa quebra na relação entre consumo e renda. Entre fins de 2008 e início de 2009, o rendimento real se expandiu e levou consigo a massa de rendimentos, resultado da desaceleração da inflação com menores preços de energia, porém isso não afetou consumo. Por outro lado, a reversão da tendência da inflação e a queda da renda na segunda metade de 2009 se deram concomitantemente ao aumento do consumo, por sua vez resultado dos estímulos governamentais, especialmente para a troca de automóveis. No geral, a desaceleração da massa de rendimento ainda foi importante para explicar o menor nível de consumo nos últimos meses.

Assim, na falta de novos pacotes de estímulo ao consumo ou a setores específicos, e caso a tendência de decréscimo da renda seja mantida, não haveria razão para o consumo crescer. Caso haja um pouco mais de contratações, a massa de rendimentos pode crescer e ter impacto positivo sobre o consumo. Porém, o possível crescimento moderado no emprego não deve trazer grande impulso aos gastos das famílias. Tampouco a investimentos, pois ainda há muita capacidade ociosa na indústria para absorver a retomada da atividade, quando ela se iniciar. Atualmente, o nível de utilização da capacidade instalada está em 71%, cerca de 10 pontos percentuais abaixo do pico de atividade em 2007.

Com relação ao crédito, o volume direcionado ao consumo continua diminuindo. Segundo dados do Fed, houve retração de cerca de US$ 82 bilhões nessa modalidade de crédito desde fevereiro de 2009, mês a partir do qual as quedas foram constantes. Na prática, o crédito se mantém em retração desde setembro de 2008. Variações negativas do volume, principalmente como vistos atualmente, são inéditas mesmo em recessões (gráfico 6).
Apesar da leve desaceleração da queda no dado de outubro, o crédito continua se retraindo, principalmente na modalidade denominada "revolving", que inclui cartão de crédito. A deterioração no mercado de trabalho também deve ter papel importante na queda da demanda, já que trabalhadores desempregados não são propensos a tomar crédito no mercado financeiro.

Gráfico 6 - Variação do crédito ao consumidor (US$ bilhões)
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A menor demanda por crédito ocorre ao mesmo tempo em que ainda se observa certa restrição na oferta. Esse aperto do lado da oferta tem sido relaxado com a atuação do Fed nos últimos meses para fornecer liquidez para o mercado, que tem mostrado resultados positivos sobre a intenção das instituições em fornecer crédito. De acordo com a pesquisa Senior Loan Officer Opinion Survey, divulgada pelo próprio Fed, as empresas têm experimentado melhora mais significativa na capacidade de tomar empréstimos (gráfico 7). O pior momento para as companhias, em outubro de 2008, quando 75% das instituições mostravam intenção de apertar crédito, parece mesmo ter sido deixado para trás. Após um ano, esse valor foi reduzido para menos de 20%.

Para os consumidores, também há mais disposição das instituições financeiras em emprestar. O total líquido de instituições que pretendem apertar crédito para os consumidores caiu do pico histórico de 67% em julho de 2008 para algo ao redor de 17% (gráfico 8). Porém, a restrição pelo lado da oferta, para os consumidores, ainda se mostra tão alta quanto na recessão de 2000/2001.

Gráfico 7 - Porcentagem liquida de instituições que pretendem apertar crédito para empresas (%)
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Gráfico 8 - Porcentagem liquida de instituições que pretendem apertar crédito para consumidores
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Poupar para pagar dívidas

Concomitantemente ao quadro de debilidade no mercado de trabalho e restrição de crédito, mantém-se a situação de alto endividamento das famílias. A razão dívida total-ativos mostrou leve reversão no 2º e 3º trimestres, à medida que os ativos detidos pelas famílias se valorizaram com a melhora da bolsa e o aumento nos preços de imóveis. Além disso, o endividamento se manteve estável dada a falta de apetite por mais crédito.

Porém, o endividamento como proporção dos ativos ainda se encontra em nível historicamente alto (gráfico 9), o que tem levado a aumento na taxa de poupança dos americanos (gráfico 10). Essa taxa, no atual patamar de 4,7%, ainda é relativamente baixa quando se compara com aquele prevalecente até meados dos anos 80. Tem-se discutido que novos produtos financeiros podem ter tido impacto permanente sobre a taxa de poupança, de modo a que níveis de mais de 9% não precisem ser atingidos. No entanto, o atual quadro de endividamento e queda de renda deve sustentar a poupança em patamar claramente superior ao que se observou entre 2003 e 2007 (menos de 2%).

Gráfico 9 - Dívida, ativos e endividamento (US$ bilhões a preços de 4T2008)
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Gráfico 10 - Poupança das famílias (% da renda disponível)
file://imagem/74/grafico10.bmp:1.74.2.2009-12-30.10

Fundamentos ainda deteriorados

A conclusão da descrição de alguns fundamentos para a economia americana é que ainda há muito a ser melhorado até que se possa pensar em crescimento sustentado. A atual recuperação da atividade, calcada principalmente em estímulos fiscais, pode manter o ritmo de crescimento relativamente forte ainda no 4º trimestre, acima de 4% em termos anualizados contra o trimestre anterior, levando o PIB a se reduzir 2,5% contra 2008, com o carregamento estatístico (carry over) para 2010 de 1,0%.

Caso o crescimento trimestral seja ainda melhor, de 5% como apostam alguns analistas, o PIB em 2009 ainda mostraria redução de 2,5% e o carry over implicaria expansão do PIB no próximo ano de 1,1%. Caso os crescimentos marginais fiquem na ordem de 2% ao longo de 2010, o crescimento no ano totalizaria 2,4% e o produto recuperaria toda a perda com a crise, voltando ao patamar do 2º trimestre de 2008 (gráfico 11). Para que o PIB cresça 3,0% em 2010, seria necessário que os crescimentos trimestrais ficassem por volta dessa taxa.

Gráfico 11 - Simulações para crescimento do PIB (PIB em US$ bilhões; taxas de crescimento em porcentagens trimestrais anualizadas)
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À luz dos fundamentos adversos, como o mercado de trabalho deteriorado e da dificuldade em sua recuperação, a restrição de crédito e o alto endividamento das famílias americanas, a forte aceleração do produto na ausência de novos estímulos governamentais ainda não parece factível. Esses ainda serão empecilhos para maiores taxas de expansão do produto no próximo ano, quando o mais provável é que se observe apenas uma taxa moderada de crescimento.

*Cristiano Souza é economista do Banco Santander. O conteúdo deste artigo é de responsabilidade do autor e esta seção não se responsabiliza por operações decididas a partir das informações e opiniões divulgadas neste artigo.

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