Economia

Proposta de Guedes para taxar livros é "golpe fatal" para editoras

Reforma Tributária do governo elimina a isenção do pagamento de tributos de contribuição, que existe desde 2004, para o mercado de livros brasileiros

Livraria: Para Guedes, é melhor o país doar livros à população mais pobre do que conceder benefícios fiscais às editoras (Agencia Press South/Getty Images)

Livraria: Para Guedes, é melhor o país doar livros à população mais pobre do que conceder benefícios fiscais às editoras (Agencia Press South/Getty Images)

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Clara Cerioni

Publicado em 12 de agosto de 2020 às 16h32.

Última atualização em 12 de agosto de 2020 às 17h04.

O mercado editorial brasileiro, que perdeu 20% de seu faturamento entre 2006 e 2018 e viu diversas livrarias entrar em falência nos últimos anos, vive dias de agonia. No fim de julho, o ministro da Economia, Paulo Guedes, enviou ao Congresso Nacional sua proposta de reforma Tributária que, entre outras medidas, prevê o retorno da cobrança de contribuição tributária em cima de livros.

No Brasil, desde a Constituição Federal de 1946 o produto é isento de impostos por causa de uma emenda constitucional apresentada pelo autor brasileiro de maior prestígio internacional à época, Jorge Amado. A CF de 1988 manteve o dispositivo como uma forma de incentivar a difusão de conhecimento literário.

No entanto, isso não se aplica para categorias dos tributos de contribuição, como o PIS e Cofins. Em 2004, o mercado foi desonerado do pagamento desses dois tributos, que pela nova proposta do governo seriam substituídos pela Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS).

Com isso, os livros estariam, novamente, sujeitos à tributação — dessa vez sob alíquota de contribuição de 12%, o que deve encarecer ainda mais o valor dos produtos e ser o golpe fatal para esse mercado. "A proposta de suspensão da imunidade fiscal do livro terá um impacto econômico para o setor mais significativo do que o da pandemia", diz à EXAME Samuel Seibel, presidente da Livraria da Vila.

O dispositivo da reforma Tributária de Guedes não deixa explícito que voltará a existir tributação exclusivamente para o mercado editorial. A previsão é que haja corte de R$ 28,2 bilhões em benefícios fiscais concedidos a vários setores da economia, entre eles estão os livros. Esse valor representa 33,8% de um total de R$ 83,7 bilhões de benefícios fiscais atualmente concedidos.

De acordo com o advogado tributarista Henry Lummertz, sócio do Souto Correa Advogados, além do retorno da cobrança dos tributos de contribuição, o mercado de literatura brasileiro terá que lidar ainda com o aumento da concorrência internacional.

"Não se explorou esse trecho ainda, mas há uma parte da reforma tributária que isenta cobrança de tributos se um brasileiro receber por remessas postais ou por encomendas aéreas internacional produtos importados. Ou seja, negócios que vendem livros estrangeiros também vão perder muito", diz.

Questionado em audiência na Câmara dos Deputados na semana passada sobre o impacto dessa medida para a difusão de conhecimento no Brasil, Guedes argumentou que é melhor o país doar livros à população mais pobre do que conceder benefícios fiscais às editoras. O ministro, no entanto, não especificou se o governo avalia uma proposta para distribuição gratuita de exemplares.

Editoras se manifestam

Nesta semana, uma mobilização para barrar essa proposta tomou conta das redes sociais, por meio da campanha #DefendaOLivro. Editoras (de todos os portes), escritores e parlamentares têm se manifestado contra a taxação. A avaliação geral é de que a isenção de impostos para livros não deveria ser questionável, uma vez que o produto é um disseminador de conhecimento.

"Desde a criação da lei, em 2004, houve uma diluição do preço do livro em cerca de 25%. A precificação das publicações subiu muito menos que a inflação nesses últimos 15 anos. Com o fim dessa imunidade fiscal, a cadeia do livro se enfraquece como um todo, dificultando ainda mais o acesso à leitura, cultura e educação", diz Samuel Seibel, da Livraria da Vila.

Um manifesto assinado pela Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), Câmara Brasileira do Livro (CBL), Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e outras entidades do mercado editorial afirma que o produto "deve contribuir para o combate à desigualdade de formação da população brasileira". 

O texto do manifesto cita um relatório da International Publishers Association, de 2018, que diz que o livro "não é uma commodity como qualquer outra: é um ativo estratégico para a economia criativa, que facilita a mobilidade social assim como o crescimento pessoal e traz a médio prazo benefícios sociais, culturais e econômicos".

O presidente da Câmara Brasileira do Livro, Vitor Tavares, disse em entrevista ao Estado de S.Paulo, que o efeito da medida pode atingir, inclusive, o próprio governo, que é responsável pela aquisição de 49% da produção de livros didáticos.

A pressão que tem sido feita nas redes sociais deve fazer com que o Congresso Nacional revise esse dispositivo da reforma Tributária enviada pelo governo e mantenha desonerações ao mercado editorial. A preocupação com o futuro da literatura no Brasil, no entanto, está cada vez maior.

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