Economia

Por que Trump quer taxar o Brasil agora (e a consequência disso)

Presidente dos EUA anunciou que vai sobretaxar setores de aço e alumínio em represália à desvalorização do real frente ao dólar

Bolsonaro e Trump (arquivo): presidentes fazem entrevista coletiva em Washington, em março de 2019. (Alex Wong/Getty Images)

Bolsonaro e Trump (arquivo): presidentes fazem entrevista coletiva em Washington, em março de 2019. (Alex Wong/Getty Images)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 2 de dezembro de 2019 às 14h31.

Última atualização em 3 de dezembro de 2019 às 12h56.

São Paulo — A declarada aproximação e admiração do governo de Jair Bolsonaro não impediu que o Brasil entrasse no alvo de Donald Trump.

O presidente dos Estados Unidos afirmou em seu Twitter, na manhã desta segunda-feira (02), que vai sobretaxar as exportações brasileiras e argentinas de aço e alumínio, acusando os países de desvalorizarem artificialmente suas taxas de câmbio. A vigência seria imediata.

Em março de 2018, o governo norte-americano anunciou novas tarifas de importação no valor de 25% sobre o aço e de 10% sobre alumínio com base em “segurança nacional”.

Parceiros como Canadá, México e União Europeia foram os mais atingidos. Já em maio, após negociações, Trump se comprometeu em não incluir a Argentina e o Brasil na lista dos países com sobretaxas.

O clima, de forma geral, entre as empresas do setor é de tensão, de acordo com Camila Tapias, advogada da Utumi Advogados, escritório tributário da área.

"A partir do momento que essa tarifa é repassada para o comprador, o produtor nacional perde competitividade. E o americano vai atrás de outros fornecedores mais baratos", diz ela.

Esse movimento, segundo Tapias, pode ser o suficiente para que o Brasil deixe de ser um dos principais exportadores de aço e alumínio para os EUA. "Sem dúvida isso pode acontecer", diz.

Segundo a Associação Brasileira do Alumínio (ABAL), as exportações de produtos de alumínio brasileiro aos Estados Unidos pagam sobretaxa desde o início de junho de 2018. De janeiro a outubro, 43% do que o setor de alumínio produziu para exportações foi destinado aos Estados Unidos.

"Esse acerto foi ratificado no ano passado com governo Trump, quando este abriu a possibilidade de substituir a sobretaxa por cotas limitadas de exportação. Na época, optamos pela sobretaxa e seguimos assim desde então", diz a associação em nota.

O impacto, no entanto, não deve ser sentido de forma significativa nas exportações brasileiras, já que o setor não tem um peso grande na balança comercial, avalia Sérgio Vale, economista chefe da MB Associados.

A exportação de produtos semimanufaturados de aços e ferro para os EUA é 1,2% da exportação total do Brasil. Das exportações do país para os EUA, essa porcentagem é de 9,3%, considerando o acumulado de janeiro a outubro deste ano.

Os setores, por outro lado, que são os principais exportadores desses produtos para os EUA, devem sentir o impacto, e o anúncio não deixa de ser uma ameaça para outros setores, segundo Tapias.

"Se mais setores entrarem nessa represália que, segundo ele, é sobre câmbio, o cenário fica mais preocupante. Querendo ou não, uma eventual queda das exportações podem implicar numa redução de crescimento econômico, redução de geração de empregos etc", diz Tapias.

Câmbio

A justificativa usada por Trump, de que o Real está artificialmente baixo, já foi utilizada também contra a China mas não faz sentido econômico, de acordo com economistas.

O Real está e deverá continuar estruturalmente fraco nos próximos anos, segundo nota assinada por Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra S/A.

"Além da questão estrutural (relacionada ao equilíbrio macroeconômico: juro real baixo, PIB potencial extremamente baixo e etc.), temos uma série de motivos conjunturais que explicam a fraqueza do Real nos últimos meses: fluxo cambial bastante negativo (mesmo após considerar a substituição de dívida externa por dívida local), maior déficit em conta corrente (de 3% do PIB), piora nos termos de troca, ruídos provocados pelo próprio governo, além, é claro, dos fatores externos (dentre os quais podemos citar a continuidade das incertezas globais relacionadas ao trade war entre EUA e China e em relação à eleição presidencial norte-americana)", diz.

O mais provável é que a ofensiva esteja relacionada ao contexto político interno dos próprios Estados Unidos. O fechamento comercial e a ideia de que os americanos são colocados para trás por outros países é defendida por Trump desde a campanha eleitoral:

"Me parece claro que essa fala de Trump se enquadra numa jogada para agradar seu eleitorado, os fazendeiros, num contexto em que o presidente perde força em sua batalha contra o impeachment", diz Vinicius Vieira,  professor de Relações Internacionais da FGV.

Vieira afirma ainda que, historicamente, a questão do câmbio sempre explicou o aumento das exportações desse setor para os Estados Unidos.

"No governo Bush (2001 a 2009), há 16 anos, houve momentos similares. Nosso câmbio estava relativamente elevado e nossos produtos entraram com força no mercado norte-americano. Nesse momento, o governo Bush impôs tarifas mais elevadas na entrada de aço brasileiro", diz.

Sobre o poder de o governo Bolsonaro de reverter essa sobretaxa, Vieira está pouco otimista. "Se olharmos o histórico, o Brasil não é capaz de reverter essa decisão na conversa. Primeiro, que Brasil e EUA seguem não tendo uma relação próxima. Segundo que os EUA têm mostrado que não apoiam o Brasil em momentos como a entrada do país na OCDE e em relação à volta da importação da carne. Não vejo como pode ser diferente agora", diz.

O presidente Jair Bolsonaro disse em resposta ao tuíte de Trump que iria falar com Paulo Guedes, ministro da Economia e que, se fosse o caso, contataria o presidente dos Estados Unidos.

Em nota conjunta, os ministérios das Ministérios da Agricultura, Relações Exteriores e Economia disseram que o governo brasileiro tomou conhecimento sobre a declaração de Trump e está em contato com interlocutores em Washington sobre o tema.

Dizem ainda que "o governo trabalhará para defender o interesse comercial brasileiro e assegurar a fluidez do comércio com os EUA, com vistas a ampliar o intercâmbio comercial e aprofundar o relacionamento bilateral, em benefício de ambos os países."

Veja nota completa da Abal:

Com relação a manifestação do presidente norte-americano, Donald Trump, pelo Twitter, na manhã desta segunda-feira, 02/12, em que afirma querer retomar a sobretaxa às exportações do alumínio brasileiro, a Associação Brasileira do Alumínio (ABAL), esclarece: desde 1º de junho de 2018, as exportações de produtos de alumínio brasileiro aos Estados Unidos pagam sobretaxa. Esse acerto foi ratificado no ano passado com governo Trump, quando este abriu a possibilidade de substituir a sobretaxa por cotas limitadas de exportação. Na época, optamos pela sobretaxa e seguimos assim desde então.

A ABAL esclarece ainda que, exceto pela manifestação do presidente Trump pelo Twitter, não há nenhuma posição oficial do governo norte-americano em relação ao assunto, que seguimos acompanhando atentamente.

Veja nota completa do Instituto Aço Brasil:

O Instituto Aço Brasil recebe com perplexidade a decisão anunciada hoje (02) pelo presidente dos EUA, Donald Trump, de restaurar as tarifas de importação de aço e alumínio provenientes do Brasil e da Argentina, sob o argumento de que estes países têm liderado uma desvalorização maciça de suas moedas, e que isso não é bom para os agricultores dos EUA.

O Instituto Aço Brasil reforça que o câmbio no País é livre, não havendo por parte do governo qualquer iniciativa no sentido de desvalorizar artificialmente o Real e a decisão de taxar o aço brasileiro como forma de “compensar” o agricultor americano é uma retaliação ao Brasil, que não condiz com as relações de parceria entre os dois países.

Por último, tal decisão acaba por prejudicar a própria indústria produtora de aço americana, que necessita dos semiacabados exportados pelo Brasil para poder operar as suas usinas.

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