Iuane: ao depreciar mais a moeda, China vai precisar convencer o mercado de que há algum tipo de piso (Tomohiro Ohsumi/Bloomberg)
João Pedro Caleiro
Publicado em 7 de março de 2016 às 14h30.
São Paulo - As reservas internacionais da China encolheram pelo quarto mês seguido, mas o ritmo diminuiu: de US$ 99,5 bilhões evaporados em janeiro para US$ 28,5 bilhões em fevereiro.
Nas últimas semanas, a fraqueza da demanda global e a turbulência dos mercados financeiros fortaleceu a aposta de que o Federal Reserve americano vai esperar mais para aumentar novamente seus juros.
O resultado foi um enfraquecimento do dólar e uma relativa estabilização do iuane, permitindo que o governo chinês usasse menos recursos para segurar sua cotação.
As reservas da China continuam as maiores do mundo, mas já estão no seu nível mais baixo desde 2011 (US$ 3,2 trilhões), segundo os números divulgados hoje pelo PBoC, banco central chinês.
De acordo com uma fórmula simples do FMI, o limiar "confortável" de reservas para a China é de US$ 2-2,75 trilhões.
Elas perderam meio trilhão de dólares só em 2015 e estão mais de US$ 750 bilhões abaixo do seu pico de agosto de 2014, de acordo com o Barclays.
Cenário
Não são só as reservas: uma fuga de capitais mais ampla está acontecendo na China, mas ninguém sabe exatamente em qual nível.
Ao mesmo tempo que os recursos de investimento direto continuam entrando, muita gente está tirando dinheiro do país via adulteração massiva de dados de comércio. A categoria "erros e omissões" da balança de pagamentos explodiu nos últimos tempos.
Isso tudo mostra que a China bateu de frente com sua versão da "trindade impossível": a impossibilidade de manter para sempre uma conta de capitais aberta, uma taxa de câmbio fixa e uma política monetária independente.
A conta de capitais não é exatamente aberta, mas não consegue impedir que vazem os recursos despejados pelo governo através de uma política monetária expansiva em um cenário onde o mundo aposta contra a cotação do iuane.
"A política monetária está solta demais e a base monetária está se expandindo muito rápido, especialmente diante do colapso do crescimento nominal", diz um relatório recente do Barclays.
Motor da demanda global por décadas, o modelo chinês está dando sinais de cansaço.
Depois da crise de 2009, o governo não quis deixar o crescimento ceder e promoveu uma explosão do setor bancário, do crédito e da dívida - com retornos decrescentes e crescimento de vulnerabilidades.
O passivo das companhias financeiras chinesas passou de 98% do PIB em 2008 para 160% agora, segundo cálculo da Standard & Poor's.
Recentemente, a Moody's rebaixou a perspectiva do rating do país e de 25 instituições financeiras e de 38 estatais.
Respostas
A China precisa dependender menos do investimento pesado e mais do consumo das famílias e dos serviços, mas isso implica em fazer reformas difíceis e arriscar deixar o crescimento cair (o governo disse hoje que a meta continua sendo de 6,5%-7% por ano).
A parte boa é que os consumidores chineses tem poupança forte e estão vendo seus salários subirem. Some a isso um sistema financeiro ainda muito fechado e estatal e conclui-se que o governo tem formas de evitar uma crise mais ampla e conter a contaminação.
No caso da fuga de capitais, são três opções. Uma delas é apertar os controles - algo impopular, pouco efetivo e criaria "novos problemas internos, como bolhas maiores de propriedade e contração do investimento externo legítimo", diz relatório recente do Deutsche Bank.
Outra opção seria apertar a política monetária, mas com o risco de criar uma onda de quebras e calotes. O que sobra é deixar o iuane depreciar de forma gradual, um truque complicado.
O governo diz que quem apostar contra o iuane (como George Soros) vai perder a quebra de braço. Se liberar mais depreciação, a China terá que convencer o mercado que está defendendo algum tipo de "chão", ou vai pagar com reservas o que sobrar da sua crediblidade.