Economia

Ponto-coms influenciaram crise de corporações, afirma presidente da CVM

Luiz Cantidiano, novo presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), tomou posse no último dia 15. Cantidiano, 53 anos, é advogado carioca, e será o primeiro presidente da CVM a ter mandato fixo de cinco anos. Mas, a nova lei manda que, a partir de agora, sua indicação teve que ser aprovada pelo Senado. Leia […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h38.

Luiz Cantidiano, novo presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), tomou posse no último dia 15. Cantidiano, 53 anos, é advogado carioca, e será o primeiro presidente da CVM a ter mandato fixo de cinco anos. Mas, a nova lei manda que, a partir de agora, sua indicação teve que ser aprovada pelo Senado. Leia a seguir a entrevista em que ele comenta a crise contábil que afeta as empresas nos Estados Unidos e como está o controle da contabilidade das empresas no Brasil.

EXAME - A que o senhor credita a crise nas grandes corporações americanas?

Cantidiano - Acho que boa parte da crise atual é resultado ainda das mudanças provocadas pela empresas pontocoms. Esse mercado de alta tecnologia exagerou na remuneração de executivos através da opção de compra de ações, as stock options, em que executivo recebia parte do salário em ações da empresa. A questão é que aquela remuneração só era recebida quando a ação se valorizava. Isso estimulou muitos executivos a maquiar o balanço de suas empresas. Além disso, houve uma grande distorção no mercado. Uma loucura absoluta. O mercado de internet, querendo fazer mais negócios, falava até em se avaliar empresas de forma diferente. Não mais olhando o passado da empresa para projetar o futuro, mas fazendo uma análise do que seriam as vendas e qual era a expectativa que a empresa tinha. Os executivos queriam mostrar uma saúde maior do que a empresa tinha não só para competir com o dinheiro fácil que estava entrado nesses mercados, mas também para ter o ganho na remuneração no exercício das opções. Isso motivou esses avanços de sinal.

EXAME - Sempre se falou o mercado americano de ações era transparente o que dava segurança aos investidores. O que muda com esses escândalos nas grandes corporações?

Cantidiano - O anglo-saxão costuma ter uma noção grande do que é certo ainda que não esteja compatível com a norma. Se há uma regra e o certo é menos do que a regra, ele não vai onde a regra deixa porque quer estar no certo. O balanço é uma coisa que deve refletir a real situação da empresa. Mesmo que a lei permita que ele vá além. Mas se esse além distorcer o balanço, o anglo-saxão prefere não avançar. Só que, nessa euforia de Nasdaq, esse conceito parece que foi esquecido. Ele ficou na norma. Se a norma permitia ir mas além, foi isso que eles fizeram. Criaram um monte de empresas de propósito específico, fora da companhia principal, para não comprometer o balanço da empresa mãe.

EXAME - Mas, pelo menos nos casos da Enron e da WorldCom, o que foi feito foi muito além de se ater norma.

Cantidiano - No caso da Enron, várias subsidiárias de propósito específico acabaram abrigando passivos que não se refletiam no balanço. Como não eram empresas controladas diretamente pela holding, esse passivo não era refletido nos números da Enron. Mas a verdade é que essa era uma operação legal. Só que não era ética. Por isso eu digo que eles foram até onde a norma permitia. Inflaram a situação para mostra uma saúde que não tinham. Só que aí veio a recessão e o esquema desmoronou. Esse tipo de operação é como andar de bicicleta. Quando pára de pedalar, o sujeito cai. A economia entrou em depressão, os preços começaram a cair no mercado e essa realidade veio à tona.

EXAME - Com tamanha crise, quais as perspectivas para o mercado acionário?

Cantidiano - Eu sou otimista. Acho que toda essa confusão será benéfica para uma melhoria do mercado. Sempre que há um problema grande, o mercado se supera. Foi assim na crack da bolsa americana em 1929, quando surgiu o órgão regulador do mercado americano, a Securities Exchange Commission (SEC). Surgiu também a lei corporativa americana. No Brasil, as crises no mercado também acabam melhorando a qualidade nas operações. No início dos anos 70, por exemplo, quando houve o boom da bolsa e as pessoas vendiam apartamento para comprar ações, houve uma série de irregularidades. Eram companhias que não estavam registradas em lugar nenhum e corretores fajutos. Foi depois disso que surgiu a lei das S.A e criou-se a CVM. Quando houve a quebra dos bancos em 1996, Econômico, Nacional, Bamerindus - também ali a CVM veio aperfeiçoar as regras. Nessa época surgiram as discussões sobre o papel das auditorias. Como os auditores não perceberam que os bancos estavam quebrados?. A CVM baixou, então, a resolução a 308 procurando aprimorar as regras. Essa resolução é muito mais moderna do que a americana.

EXAME - Como assim?

Cantidiano - Nós aqui temos três normas importantes dentro da 308. A primeira é que não pode fazer auditoria e ser consultor ao mesmo tempo. Isso porque, na consultoria, você é muito mais bem remunerado do que na auditoria. Se tem um cliente que paga para fazer planejamento, avaliação e para dar consultoria e paga também pela a auditoria, muitas vezes a empresa afrouxa na auditoria para não perder o cliente na consultoria. O que a CVM fez foi dizer que se uma empresa presta consultoria ou qualquer outro serviço, ela não pode fazer auditoria para o mesmo cliente. Outra determinação da 308 que só agora está sendo discutida lá fora- foi estabelecer a rotatividade dos auditores. A cada período de cinco anos o auditor tem que ser trocada. O entendimento é de que acaba havendo uma convivência tão grande de auditor com auditado que pode comprometer a análise. A medida já está funcionando. Isso gera menos comprometimento. Outro ponto é que a 2.303 das S.A estabelecia que o auditor teria que contratado pelo conselho de administração. Como o conselho, em sua maioria, é composto pelo controlador, havia muito risco de manipulação porque, na verdade, quem contrata o auditor é quem vai ser auditado. A reforma da lei agora estabeleceu que o representante dos minoritários no conselho pode vetar a escolha de um determinado auditor e pode destituir outro auditor. Deu um poder forte para os representantes dos minoritários no conselho. Isso também é positivo.

EXAME - Mas a CVM ainda não conseguiu impedir que as empresas prestem esse duplo serviço. Por que?

Cantidiano - A Justiça concedeu uma liminar permitindo que as empresas de consultoria continuem a prestar serviço de auditoria. Eu acredito, porém, que essa crise lá fora sirva para mostrar como a CVM estava certa quando propôs essa regra.

EXAME - Com esses mecanismos, o mercado brasileiro está mais protegido? O que hoje precisa mudar?

Cantidiano - Eu acredito que sim. Mesmo porque não está havendo aqui a exuberância que há lá fora. As empresas lá estavam disputando a poupança disponível para ser aplicada nas empresas. A empresa se mostrava melhor do que era para poder pegar uma parte daquele dinheiro. Aqui o mercado não tem funcionado. Não se está captando dinheiro no mercado.

EXAME - Quais são seus planos para a CVM?

Cantidiano - O que precisa aqui é aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização. Devem haver três níveis de fiscalização. Um nível de fiscalização que seja rotineiro. Vamos ter quem tentar implantar, com todas as dificuldades que a CVM tem, mas acho que o computador facilita. Vamos estabelecer um programa inteligente que tenha parâmetros e detecte a variação desses parâmetros. As empresas serão analisadas por setor, periodicamente. Outro tipo de fiscalização que funciona é a denúncia. Alguém que denuncia algum problema em determinada empresa. A partir daí a CVM vai fazer a fiscalização. A outra maneira de fiscalizar é a episódica. Tem uma empresa, por exemplo, que é grande comerciante de minério. O preço cai no mundo, a commoditie cai de preço. Ela vai ter um prejuízo. Então, vamos mandar alguém lá para ver como ela está absorvendo isso, o prejuízo que está tendo. Uma outra, por exemplo, que depende de insumos importados e o dólar subiu muito, certamente vai perder. Nesse caso, também vamos mandar a fiscalização ver como a empresa está absorvendo aquela perda. A conjugação dessas três coisas vai permitir que se faça um acompanhamento melhor.

EXAME - Qual a avaliação que o senhor faz da CVM?

Cantidiano - A CVM tem sido muito atuante nessa área e tem mandado republicar muito balanço. Mas a sensação que eu tenho é que não há ainda um número de funcionários suficientes para fiscalizar as 500 empresas listadas em bolsa. Tem uma q Quando a CVM começou, em 1978, ela tinha 500 funcionários que foram sendo cortadas. A CVM ampliou demais sua atuação e ficou com menos gente do que tinha há 25 anos quando tinha muito menos atribuições. Há uma solução para isso. Um grupo de advogados novos que está vindo nos próximos meses. A advocacia geral da união está mandando para cá 29 advogados. Hoje tem 14. Vai ter um curso de treinamento para eles. Tem no orçamento previsto para o ano uma verba para contratar 93 novos funcionários que vão ser alocados na área de análise e fiscalização.

EXAME - As punições são adequadas?

Cantidiano - As penalidades são adequadas. Tem a suspensão do registro do empresário ou do auditor que fraudar balanço. Há também possibilidade de cancelamento do registro. O auditor fica inabilitado por um tempo e a atuar como auditor ou administrador da companhia. Multas que vão até três vezes do valor da perda evitada ou do ganho obtido com a prática da irregularidade. Se maquiou balanço e escondeu uma perda a multa é bastante alta.

EXAME - A legislação brasileira é mais rigorosa do que a americana?

Cantidiano - A legislação brasileira é boa. Passei a me dedicar a estudar as legislações do mundo todo. Existe uma organização, a International Organization of Securities Commission (Iosco), que congrega os órgãos reguladores de mercado de todo mundo e a idéia é tentar padronizar essa legislação já que, em função da globalização os mercados estão cada vez mais interligados. É necessária padronização de regras e comportamentos. A Iosco está fazendo uma análise das regras de cada país membro, da eficiência das regras, para padronizar as operações. Nós estamos no padrão mundial. Na parte de legislação contábil há um projeto de lei que está no Congresso que harmoniza a legislação brasileira com as práticas internacionais que se chama Iasb International Account Standard Bases com uma particularidade interessante. A contabilidade é muito dinâmica. Nós fizemos uma lei em 1976 que tinha princípios contábeis muito bons, eram os mais modernos da época, e os colocamos em uma lei. Porém, quando os negócios evoluem e as regras contábeis evoluem, para se mexer nas regras é preciso aprovação do Congresso. Isso atrasa muito as mudanças. A legislação tem que avançar e a gente não consegue porque depende do Congresso. Agora, com esse projeto de lei que está no Congresso, essa situação vai mudar. O projeto dará poderes para que um comitê independente de técnicos especializados, junto com a CVM, altere as regras sempre que isso for necessário para agilizar o mercado.

EXAME - Qual é o maior problema do mercado brasileiro? Sempre se falou que no Brasil o mercado de capitais não anda porque os empresários não têm compromisso com a transparência.

Cantidiano - Existe a questão macro econômica que impediu o mercado de se desenvolver que são taxas de inflação, déficit fiscal grande, a necessidade de o Tesouro sugar a poupança disponível para reduzir esse déficit e as altas taxas de juros. A combinação dessas coisas dificulta o desenvolvimento do mercado de capitais. Ao lado disso, nós tínhamos um problema que foi o modelo criado nos anos 70 para desenvolver o mercado. Esse modelo estava calcado na idéia de que o empresário tinha que continuar dono da empresa e precisava de dinheiro para se modernizar, para crescer. Esse dinheiro veio através de incentivos fiscais e através de investimento compulsório. Obrigava determinados investidores a investir o que eles tinham em ações, e dava dinheiro para quem quisesse investir em ações usando o IR que tinha a pagar. Isso serviu para fazer o mercado crescer, houve movimento, volume, mas não criou nem no empresário e nem no investidor uma cultura de parceria no mercado. O investidor ia porque era melhor comprar a ação, fosse ela qual fosse, do que pagar imposto e nunca mais ver o dinheiro. E o empresário como tinha a demanda arrumada para ele, também não se esforçava em dar alguma vantagem para o acionista porque não ia fazer diferença e continuava se comportando como se fosse dono absoluto da empresa. No final dos anos 80, acabaram os incentivos e os investimentos compulsórios. O mercado se abriu para o exterior. Fizemos uma internacionalização. Um pouco do dinheiro que circulava pelo mundo veio para o Brasil e houve um renascimento do mercado. De 1993 a 1996, o mercado cresceu de volume, houve negócios e o investidor passou a exigir mais respeito. Só que a situação macro econômica e a falta ainda de um maior comprometimento com o investidor não está deixando esse mercado se desenvolver.

EXAME - O que tem que ser feito hoje para estimular esse mercado?

Cantidiano - Primeiro mudar as regras, assegurar mais direitos aos consumidores. Tentar popularizar o mercado. Não vai se conseguir desenvolver o mercado senão popularizá-lo. Se não houver mais investidores querendo participar e investir no mercado. Se a economia voltar a crescer, os juros caírem e aumentarem os direitos dos investidores, esse mercado tem para se popularizar. A lei atende a algumas demandas dos investidores. No curto prazo tem um problema que é ano eleitoral e, muito dificilmente, alguém vai fazer investimento novo. Mas tenho confiança de que esse mercado tem tudo para crescer.

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