Economia

Os monopólios da era digital

Move Fast and Break Things: How Facebook, Google, and Amazon Have Cornered Culture and What It Means For All Of Us Autor: Jonathan Taplin Editora Little, Brown and Company 320 páginas —————– David Cohen No final do século 19 e início do século 20, uma época de extrema inovação tecnológica, com a adoção da luz […]

SMARTPHONE: Google e Facebook monopolizam serviços fornecidos ao usuário, e há riscos de tanta concentração de poder / Doug Chayka/The New York Times

SMARTPHONE: Google e Facebook monopolizam serviços fornecidos ao usuário, e há riscos de tanta concentração de poder / Doug Chayka/The New York Times

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Da Redação

Publicado em 19 de junho de 2017 às 09h15.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h57.

Move Fast and Break Things: How Facebook, Google, and Amazon Have Cornered Culture and What It Means For All Of Us
Autor: Jonathan Taplin
Editora Little, Brown and Company
320 páginas

—————–

David Cohen

No final do século 19 e início do século 20, uma época de extrema inovação tecnológica, com a adoção da luz elétrica, dos carros a gasolina, dos aviões, do telefone e outras invenções que transformaram o mundo, algumas empresas se tornaram tão poderosas que, para conter sua capacidade de controlar o mercado, o Congresso americano instituiu uma série de leis antitruste. Foi assim que o império de John D. Rockefeller começou a ruir.

Seria o caso de aplicar essa legislação agora, cem anos depois, aos novos protagonistas de uma era de inovação possivelmente tão transformadora como a de um século atrás? É isto o que defende Jonathan Taplin, um produtor musical, empreendedor, advogado e, finalmente, acadêmico americano, em seu livro Move Fast and Break Things: How Facebook, Google, and Amazon Have Cornered Culture and What It Means For All Of Us (“Mova-se rapidamente e quebre coisas: como Facebook, Google e Amazon encurralaram a cultura e o que isso significa para todos nós”, numa tradução livre).

Como se vê pelo subtítulo, o alvo de Taplin são os gigantes digitais que, segundo ele, construíram monopólios, mas conseguem evitar a legislação que deveria controlar seu poder (a exceção é a Apple, que o autor considera isenta de culpa).

Os argumentos para definir o Google e o Facebook como monopólios são convincentes. O Google controla cinco da seis principais plataformas digitais: buscas, vídeo (com o YouTube), celulares (Android), mapas (Google Maps) e navegador (Chrome). Em buscas seu domínio é tão grande que o índice HHI, usado para medir a concentração de mercado, passa dos 7.000 pontos – quase o triplo da fronteira dos 2.500, a partir da qual um mercado é considerado concentrado demais.

O Facebook, por sua vez, controla um ecossistema acachapante: 1,6 bilhão de usuários na rede social original, 1 bilhão no WhatsApp, 900 milhões no Messenger, 400 milhões no Instagram. É mais de 75% do mercado de mídia social móvel. “Sob qualquer regime antitruste normal, isso seria considerado um monopólio”, diz Taplin.

A Amazon não é propriamente um monopólio, mas um monopsônio. A diferença é sutil. No monopólio, um único fornecedor de um produto domina o mercado e pode aumentar os preços a seu gosto. Já o monopsônio é quando existe um único comprador dominante e ele é capaz de baixar os preços dos seus fornecedores.

Esses três gigantes estão além da legislação antitruste por dois motivos básicos. De um lado, resolveram a dúvida hamletiana entre ser ou não ser. Google e Facebook navegam num mar em que – pelo menos até agora –lhes dá a possibilidade de ser e, ao mesmo tempo, não ser um monopólio.

O Facebook, por exemplo, é a maior empresa de notícias do mundo; o site onde a maior parte dos jovens busca informações. Mas, ao mesmo tempo, não é uma empresa jornalística – define-se como uma plataforma, na qual os provedores de conteúdo se encontram com quem busca conteúdo.

Para a companhia, isso não representa um dilema. Para a sociedade, porém, há um dilema sim, e dos grandes, como ficou claro após a eleição de Donald Trump e as póstumas queixas sobre a onda de notícias falsas, não checadas nem reprimidas, que teriam influenciado o resultado (como, por exemplo, o boato de que o papa apoiava Trump).

Já o Google, que é a empresa de comunicação mais poderosa do planeta e oferece qualquer conteúdo digital a qualquer hora através de seu serviço de buscas ou pelo YouTube, nega estar no ramo da comunicação ou do entretenimento: e se diz ser, também, apenas uma plataforma.

Plataformas, como explicam os economistas David Evans e Richard Schmalensee no livro Matchmakers, existem há milhares de anos. Um bazar, por exemplo, é uma plataforma que une os donos das barracas aos fregueses que vão ali comprar seus produtos; os shopping centers são uma plataforma da mesma natureza. Jornais e revistas são outra plataforma, que promove o encontro entre leitores (atraídos por notícias) e anunciantes (atraídos pelos leitores).

Embora existam há tanto tempo, no entanto, só agora elas se firmaram como um modelo digno de atenção, pelo poder que adquiriram. O Google e o Facebook entregam seus serviços de graça para coletar dados das pessoas e usá-los como ferramenta de publicidade. Um ditado já usual para analisar essa troca diz: “se você não está pagando, você não é o cliente; é o produto”.

As autoridades de todo o mundo ainda não estão preparadas para lidar com as plataformas (basta ver as tão diversas decisões judiciais em relação ao serviço de transportes Uber e o Airbnb, de hospedagem, proibidos em uma cidade, liberados em outra, regulados numa, ignorados noutra). O mundo digital, conforme outra frase comum entre analistas de tecnologia, é um Velho Oeste, uma terra ainda a ser desbravada (e, portanto, desregulada).

O sonho não realizado da internet

O segundo motivo pelo qual as gigantes digitais escapam da definição de monopólio é porque elas gozam da mística da internet, que nasceu de um projeto militar americano, mas cresceu alimentada pelos sonhos idealistas de quebra de barreiras, comunicação sem fronteiras, poder ao indivíduo. O slogan do Google é “não seja mau”; a missão da Amazon é eliminar os intermediários, que supostamente são apenas parasitas nas transações entre o comprador e o vendedor. O argumento de Taplin é que o sonho de uma rede descentralizada deu lugar a uma realidade em que os muros são ainda mais fortes do que eram antes.

Como diz Tim Berners-Lee, um dos criadores da internet: “A web foi criada para distribuir o poder e criar acesso livre, mas serviços populares e bem-sucedidos (buscas, redes sociais, e-mail) obtiveram um status de quase monopólio. Embora os líderes da indústria com frequência provoquem mudanças positivas, devemos nos manter alertas para a concentração de poder.”

Esse processo de concentração de poder se tornou possível quando a internet migrou de produtos para plataformas – que se beneficiam do que economistas chamam de “efeito de rede”, quando o valor de uma rede aumenta conforme ela cresce (segundo o pesquisador Bob Metcalfe, o aumento é proporcional ao quadrado do número de usuários).

Essas condições favorecem a formação de mercados em que o ganhador leva tudo – ou seja, a concentração de poder tende a formar monopólios. É isso o que está por trás, também, da lógica de negócios em que uma empresa é valorizada por dar seguidos prejuízos, desde que isso signifique que está investindo na aquisição de usuários que mais para a frente a tornarão uma força impossível de quebrar.

Muita gente ainda pensa na internet como uma criação influenciada pelo movimento da contracultura – uma ideologia meio hippie, que desafia a opressão e preza os laços comunitários. Mas, segundo Taplin, a internet tem outra face: uma marcante influência do movimento libertário da filósofa Ayn Rand e do economista Milton Friedman, dentre outros.

A matriz libertária é basicamente um libelo contra o governo: não acredita em regulação, nem impostos, nem na defesa de direitos autorais ou patentes. Um dos seus principais defensores, hoje, é o bilionário Peter Thiel, um dos criadores do site PayPal e primeiro investidor no Facebook.

Em seu livro De Zero a Um, Thiel defende que, se quiser criar algo de valor duradouro, o empreendedor deve ambicionar construir um monopólio. Taplin apresenta as teses de Thiel de forma um pouco enviesada. De certa forma, o monopólio é um corolário da inovação. Se você faz algo que ninguém fez antes, é evidente que não terá concorrentes. Para que esse investimento valha a pena, é necessário protegê-lo no mínimo pelo tempo suficiente para remunerar o seu esforço.

Mesmo assim, uma vez construído um monopólio a tendência é que o empresário lute para defendê-lo. Isso inclui comprar qualquer concorrente, como o Facebook fez com o WhatsApp, ou destruí-lo, como o Facebook está se esforçando para fazer com o Snap (antigo Snapchat).

Segundo Taplin, a ideologia libertária acabou contaminando os órgãos reguladores. Prevaleceu, na legislação americana, o entendimento do juiz Robert Bork de que a única coisa que deveria interessar aos reguladores era se os preços aos consumidores estavam em queda. “Do ponto de vista de Bork, se o Walmart acabasse como o único grande varejista do país, contanto que os preços continuassem a cair, isso seria benéfico para o bem-estar dos consumidores”, diz Taplin.

Essa posição é controversa. Vários advogados e acadêmicos consideram que as leis antitruste originais não tinham o objetivo de baixar preços, mas de proteger os empreendedores independentes e evitar que uns poucos capitalistas concentrassem poder demais em suas mãos. “A regra de Bork, que olha apenas para os preços, permite que esses monopólios digitais prosperem, e é só sob uma regra assim que uma companhia como o Google, com 85% de participação de mercado em seu negócio principal, pode não ser sujeita a um processo”, afirma Taplin.

Uma guerra pessoal

A campanha de Taplin contra os gigantes da internet não é apenas acadêmica. É pessoal. Como ele próprio frisa no livro, mais vezes do que seria necessário, Taplin foi produtor musical de Bob Dylan e gerente do grupo de rock The Band. Foi essa identidade de músico que fomentou a ira contra os novos monopolistas. Em especial, sentiu-se incensado pelo destino do baterista Levon Helmm, da The Band, que teve de voltar a fazer shows aos 70 anos, sofrendo de câncer, porque a nova cultura de “músicas e filmes de graça” eliminou os direitos autorais que ele até então recebia pelas gravações que fizera.

“Quando o formato dos CDs foi introduzido, no começo dos anos 80, os direitos autorais da Band saltaram, porque velhos fãs compraram seus álbuns clássicos”, diz Taplin. “O fluxo de pagamentos de direitos autorais continuou até a introdução do Napster, o serviço de compartilhamento de músicas que violava o copyright dos artistas, em 2000. E então ele cessou. Foi horrível ver os membros da Band passarem de uma receita decente de algo em torno de 100.000 dólares ao ano para quase nada.”

A situação dos músicos ficou tão ruim, aponta Taplin, que, em 2015, a venda de discos em vinil “deu mais dinheiro aos artistas do que os bilhões de músicas ouvidas por streaming no YouTube e em seus competidores, todos movidos a propaganda”.

Em vez de se revelar um incentivo aos artistas, como era o sonho inicial, a internet se tornou um elemento concentrador. Taplin cita uma estatística: “Quando eu comecei no negócio do entretenimento, nós falávamos da curva de Pareto, também conhecida como a regra 80/20 – a ideia de que uma empresa de filmes ou músicas extrai 80% de sua receita de 20% de seus produtos. Em 2015, no negócio da música, 80% da receita veio de apenas 1% dos produtos.”

Isso acontece não apenas com a música, e não apenas nos negócios. O efeito de rede e a própria natureza dos algoritmos de busca são concentradores. Nas redes sociais, tende-se a encontrar apenas opiniões parecidas, sugestões de passeios similares aos que já foram feitos e por aí vai. As plataformas, sob a promessa de livrar os usuários dos intermediários, se tornaram intermediárias ainda mais poderosas. O valor de mercado da Time Warner é de 77 bilhões de dólares; o do Google, de 600 bilhões.

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