Economia

OPINIÃO: Vantagens e implicações da ampliação da autonomia do BC proposta pela PEC nº 65/2023

Proposta visa conceder a autonomia financeira, orçamentária e administrativa, que permitirá ao BC utilizar as receitas próprias para arcar com suas despesas

Sede do Banco Central, em Brasília (Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Sede do Banco Central, em Brasília (Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 12 de junho de 2024 às 06h01.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 65/2023 surge em razão da necessidade de maior autonomia e eficiência no Banco Central do Brasil (BCB). A Lei Complementar nº 179/2021 já havia dado um passo significativo ao conceder autonomia operacional ao BCB, atribuindo mandato fixo ao presidente e a seus diretores e desvinculando-os do mandato do presidente da República. Essa mudança foi um avanço institucional do BCB, proporcionando-lhe maior estabilidade e autonomia na execução de suas funções.

Os resultados dessa autonomia são notáveis. Em 2024, de forma inédita, o BCB foi reconhecido como o "Central Bank of the Year" pela revista Central Banking, sendo o primeiro banco central da América Latina a receber esse reconhecimento internacional. A premiação destaca o seu desempenho no controle da inflação e na gestão da política monetária em um período de grandes desafios econômicos. Iniciativas como o Pix, Open Finance, Sistemas de Valores a Receber e o Drex evidenciam o compromisso com a modernização e inclusão financeira. A capacidade do BCB de convergir a inflação para a meta no médio prazo, após o choque inflacionário em 2021 e 2022 pós-pandemia da Covid-19, demonstra a eficácia da autonomia operacional concedida pela LC 179/2021. O prêmio também reconhece o papel do BCB na promoção da inclusão financeira, ampliando o acesso aos serviços financeiros e solidificando sua legitimidade social.

Numa evolução natural, a PEC nº 65/2023 visa fortalecer a autonomia do BCB, concedendo a autonomia financeira, orçamentária e administrativa. Isso permitirá ao BCB utilizar as receitas próprias, inclusive financeiras, para arcar com suas despesas, garantindo maior efetividade na alocação de recursos e viabilizando investimentos em inovações tecnológicas e na manutenção dos sistemas. Com tal configuração, o BCB poderá responder mais eficientemente a crises econômicas e a demandas da sociedade e será capaz de continuar modernizando o sistema financeiro brasileiro.

Além disso, tal medida alinha o Brasil às melhores práticas internacionais, como demostra um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) intitulado "A New Measure of Central Bank Independence" realizado por Tobias Adrian, Ashraf Khan e Lev Menand. Publicado em 2024, o estudo destaca a importância da autonomia financeira e orçamentária dos bancos centrais para a eficácia no cumprimento de seu mandato. A independência financeira e orçamentária protege a instituição de interferências externas indevidas.

A literatura econômica aponta vários benefícios associados à autonomia plena de um banco central. Estudos empíricos mostram que uma maior autonomia do banco central está associada a uma redução dos riscos fiscais, como o refinanciamento e o default da dívida pública. Em 2019, estudo publicado na European Economic Review por Lukas Nöh mostrou que em economias avançadas, a independência do banco central favorece a gestão da dívida pública alongando os prazos de maturidade e reduzindo o prêmio de risco de inflação. Para economias em desenvolvimento, como o Brasil, maior independência do banco central pode melhorar o acesso ao mercado de títulos de longo prazo e contribuir para uma gestão da dívida pública mais eficiente, reduzindo o custo da dívida e o risco fiscal.

Além disso, a autonomia do banco central está associada a taxas de inflação mais baixas e menos voláteis. Dois estudos publicados por Ana Carolina Garriga e Cesar Rodriguez na Economic Modelling em 2020 e no Economic Analysis and Policy em 2023 mostram que maior independência do banco central permite a implementação de políticas monetárias focadas no controle da inflação sem pressões políticas de curto prazo. Este efeito é mais pronunciado em países democráticos, mas também está presente em países não democráticos. A independência legal do banco central reduz a volatilidade da inflação, contribuindo para um ambiente econômico mais estável e previsível.

A independência do banco central também reforça a solidez dos bancos, reduz os riscos de instabilidade financeira e minimiza a incidência de empréstimos inadimplentes. Estudo publicado no Journal of Banking & Finance em 2015 por Michael Doumpos, Chrysovalantis Gaganis e Fotios Pasiouras indica que um banco central independente é crucial para a resiliência dos bancos, especialmente durante crises econômicas. A correlação negativa e significativa entre a independência do banco central e a instabilidade financeira mostra que a autonomia contribui para a estabilidade do sistema financeiro, beneficiando tanto bancos grandes quanto pequenos. Além disso, estudo publicado em 2024 no Journal of Banking Regulation por Abdullah Mamoon, Frank Kwabi, Ernest Ezeani e Wansu Hu indica que a independência do banco central minimiza a incidência empréstimos inadimplentes porque impacta indiretamente os resultados operacionais dos bancos.

A PEC nº 65/2023 representa um passo crucial à modernização e ao fortalecimento do BCB. Ao conceder as dimensões atualmente ausentes da autonomia, estaremos não apenas alinhando o BCB às melhores práticas internacionais, mas também garantindo um ambiente econômico mais estável e previsível. É uma evolução natural após a autonomia operacional bem-sucedida. Além disso, os benefícios evidenciados pela literatura econômica reforçam a importância dessa medida. Este aprimoramento institucional é essencial para que o BCB continue a desempenhar suas funções de forma independente e eficaz, com alto patamar de excelência, contribuindo para a efetividade da política monetária, o bem-estar econômico da população e a solidez do sistema financeiro brasileiro.

*Bruno Pires Tiberto é doutor em Economia e Assessor Pleno no Departamento de Estatísticas do Banco Central do Brasil. Experiente em atividades sobre setor externo, política monetária e estabilidade financeira.

*Guilherme Solino Evelin Oliveira é mestre em Economia e Coordenador no Departamento de Operações Bancárias e de Sistemas de Pagamentos do Banco Central do Brasil. Experiente em atividades de política monetária e de estabilidade financeira.

As opiniões expressas no texto são exclusivamente dos autores e não refletem, necessariamente, a visão do Banco Central.

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