O que pensa um dos criadores do teto de gastos sobre o 'waiver' na transição
Marcos Mendes, pesquisador do Insper e um dos criadores do teto em 2016, diz que principais riscos são despesas permanentes e perda de controle do Executivo sobre o Orçamento
Carolina Riveira
Publicado em 16 de novembro de 2022 às 19h17.
Última atualização em 16 de novembro de 2022 às 19h40.
Pouco tempo depois de encerrada a apuração da eleição presidencial em 30 de outubro, o debate em Brasília se voltou inteiramente para a questão fiscal. O projeto orçamentário do ano que vem foi enviado antes da eleição pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, mas o governo eleito do presidente Lula — embora só tome posse em janeiro — passou as últimas semanas discutindo uma PEC de Transição. O principal debate no Congresso a partir de agora será sobre um “waiver”, licença para gastar acima do teto e comportar custos que não estavam presentes no Orçamento anterior. A entrega da PEC pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, é aguardada para a noite desta quinta-feira, 16.
Para Marcos Mendes, um dos criadores do teto de gastos atual e pesquisador associado do Insper, o grande risco na discussão é a abertura de espaço fora do teto para despesas permanentes. Mendes concedeu entrevista à EXAME na semana passada, antes da apresentação oficial da PEC de Transição.
“Eu não chamaria essa discussão de waiver, na minha visão waiver é um nome incorreto. O que se está fazendo é uma autorização para aumentar o gasto permanente, não é temporário”, diz.
Despesas piores do que em 2016
O economista aponta que uma despesa acima do teto em R$ 175 bilhões, por exemplo, levaria a uma alta de despesa em 1,7% do PIB, com o total indo a mais de 20% do PIB. “O máximo que já gastamos foi 19,5% do PIB no ano em que foi criado o teto [em 2016]. Ou seja, iria para um nível de despesa igual ou pior do que o que levou à necessidade do teto”, diz.
No Orçamento enviado pelo atual governo em agosto, faltam recursos para programas básicos (como Farmácia Popular, merenda e livro didático) e para a manutenção do Auxílio Brasil (que agora voltará a ser Bolsa Família) em R$ 600. O governo Lula promete ainda um Bolsa Família com R$ 150 adicional por criança. Outros pontos também estão no radar, como aumento real para o salário mínimo.
Assim, a licença para gastar acima do teto de gastos era negociada em ao menos R$ 90 bilhões, podendo chegar perto dos R$ 200 bilhões a depender do que for incluído (o valor não havia sido definido até o fechamento da reportagem). Dentre as possibilidades, porém, estava também deixar o Bolsa Família fora do teto. O modelo final dependerá ainda de aprovação no Congresso.
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Independentemente do modelo, Mendes critica o fato de o governo eleito ir ao Congresso “pedir licença para gastar sem ter um ministro nomeado”, e defende que fossem feitas mudanças dentro do orçamento antes de aumentar o gasto.
Ele avalia, por exemplo, que faz sentido abrir espaço para alocar o Bolsa Família de R$ 600, mas também diz que seria melhor já apresentar um programa “redesenhado”, o que economizaria recursos do atual Auxílio Brasil — que tem sido alvo de críticas de especialistas de todos os espectros políticos por um desenho pouco focalizado. “A equipe técnica do PT saberia fazer isso rapidamente. Hoje, só se está mantendo as distorções [do Auxílio Brasil]”, diz o economista.
Embora as ineficiências do Auxílio Brasil sejam consenso também no governo eleito, a hora para resolvê-las não é. Especialistas ouvidos pela EXAME que já trabalharam no programa defendem que o governo só deve mexer no desenho após tomar posse, pelo pouco tempo disponível na transição. A tendência é que o governo encerre a transição sem optar por redesenhar o programa antes da posse.
Deterioração política e poder do Congresso
Além de críticas a um aumento de gastos visto como acima do ideal, Mendes reconhece que a situação política do Brasil e o poder do Executivo mudaram desde a aprovação do teto em 2016, e critica frentes como as emendas de relator e aprovação de muitas despesas pelo Congresso, deixando pouco espaço de manobra pelo Executivo.
“Um dos problemas é a perenização das emendas do orçamento”, diz. Embora não se saiba ao certo para onde vão os recursos (o que levou emendas de relator a serem chamadas de “Orçamento Secreto”), Mendes diz que “a probabilidade é que seja despesa de muito baixa qualidade”.
“O que aconteceu é que houve uma deterioração política. O governo Bolsonaro entregou poder na mão do Legislativo. Passou-se uma série de projetos sem avaliar custo-benefício”, diz. “O que ocorre é que o Congresso não tem depois de se responsabilizar pelo desequilíbrio macro que vem desse aumento de despesas.”
Fim do teto atual?
Pelo atual teto de gastos, patrocinado por Mendes e nomes como o ex-ministro Henrique Meirelles, a despesa do ano anterior só pode subir de acordo com a variação da inflação no período. Economistas têm apontado que, independentemente do tamanho do waiver e do modelo do Orçamento na transição, o governo eleito deve se movimentar para rapidamente adequar-se a uma âncora fiscal e sinalizar responsabilidade ao mercado — seja no atual teto de gastos ou em uma nova regra.
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O teto de gastos atual, que está na Constituição, foi rompido cinco vezes nos últimos anos, com a aprovação de Propostas de Emenda à Constituição (PEC) que permitiram gasto acima do limite.
Mendes aponta que parte desses gastos ocorreram em momentos de pandemia, mas que, agora, investidores terão a expectativa de que o período de anormalidade tenha passado. Do contrário, pode haver deterioração nos juros futuros, alta do dólar e dificuldade em controlar a inflação com um cenário de dívida pública subindo.
Para 2022, as projeções são do primeiro superávit em oito anos (de 1,3% do PIB, segundo as estimativas de analistas do mercado no último boletim Focus), mas parte desse bom resultado vem de fatores como alta das commodities no exterior com a guerra e inflação alta que faz a arrecadação também aumentar. Para 2023 em diante, a expectativa é de déficit, e um aumento das despesas sem âncora fiscal clara pode piorar a situação, argumenta Mendes.
“Se criou uma cultura [com a pandemia] de que pode gastar. O superávit nesse ano não foi bom, o que ocorre é que a inflação comeu parte dessa dívida”, diz. “Se seguirmos assim, criando dívida que a inflação come, é voltar ao pré-Plano Real."
Sobre uma âncora fiscal virar prioridade do governo — e conseguir apoio do Congresso caso haja uma mudança no atual teto —, Mendes dizia não estar otimista. “Não me parece trivial que vai haver um novo marco. O risco é cada vez que precisar gastar, pedir outra vez [para furar o teto]”, diz.