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O que a experiência dos EUA pode ensinar ao Brasil sobre ferrovias

Desregulação radical na década de 1980 resolveu o problema das ferrovias nos EUA, mas seria eficiente no Brasil?

Ferrovia (foto/Thinkstock)

Ferrovia (foto/Thinkstock)

Luiza Calegari

Luiza Calegari

Publicado em 4 de maio de 2018 às 18h20.

Última atualização em 4 de maio de 2018 às 18h23.

Brasília – Com o sistema ferroviário à beira da falência, os Estados Unidos promoveram, em 1980, uma desregulação radical da atividade – o que injetou vida nova no setor e garantiu sua expansão nas décadas posteriores.

O Brasil pode aprender com a experiência americana, mas as aplicações no nosso contexto são limitadas, segundo especialistas do setor que participaram de um debate no VII Brasil nos Trilhos, seminário promovido pela Associação Nacional de Transportadores Ferroviários (ANTF).

Raymond Atkins, ex-conselheiro do Surface Transportation Board (STB), conta que, na década de 1970, grande parte das ferrovias norte-americanas estava em situação financeira crítica; desesperado, o governo afrouxou a regulação da indústria.

Em outubro de 1980, foi decretado o Staggers Act, que concentrou a regulação do setor em apenas dois órgãos federais, deixou as empresas livres para determinarem o próprio frete e ofereceu incentivos tributários para as empresas investirem em linhas curtas.

Com o empurrãozinho do governo, as empresas privadas aproveitaram para investir pesado, e a partir de então a produtividade aumentou significativamente, as taxas de frete tiveram uma ligeira queda, e o volume transportado subiu.

As lições aprendidas pelos Estados Unidos e apresentadas por Atkins foram cinco:

  1. Racionalização do sistema aumenta a produtividade
  2. Empresas precisam de liberdade para determinação de preços para diferentes clientes
  3. Aproveitamento das linhas pouco utilizadas precisa de incentivo
  4. Regulação federal centralizada desburocratizou os processos
  5. Transporte público de passageiros deve ser feito em linhas separadas

O modelo se aplica ao Brasil?

A resposta não é simples, já que os contextos são bastante diferentes. As linhas férreas americanas, mesmo no momento de crise, já eram mais desenvolvidas do que as brasileiras hoje, por exemplo.

A advogada Tatiana Cymbalista, do escritório Manesco, lembrou ainda que nem todas as iniciativas mundiais de privatização das ferrovias deram certo: a Grã-Bretanha, por exemplo, vendeu as linhas em 1994, e teve que recomprá-las em 2002.

“Do ponto de vista jurídico é ainda mais complicado, porque as redes ferroviárias que temos hoje são bens públicos, e a exploração delas é um serviço público sujeito a concessão”, seguiu a advogada. “Embora a gente tenha alguns exemplos do Estado se retirando de uma atividade, como aconteceu na telefonia, a possibilidade para nós é mais distante”.

Mas, mesmo que não haja perspectiva de o poder público abrir mão da gestão das ferrovias no país, alguns pontos podem ser aprimorados, levando em conta a experiência norte-americana.

Atkins demonstrou surpresa ao ficar sabendo, durante o evento, que as concessionárias brasileiras precisam renovar os contratos com o governo a cada 30 anos. “O planejamento de uma ferrovia é de longo prazo, estamos falando em 60, 70 anos. É absurdo ter que renegociar com o governo nesse prazo que vocês têm, vocês precisam se perguntar se o modelo de ferrovia funciona assim mesmo”, opinou.

Para Cymbalista, no Brasil a licitação é vista como “um momento saneador”, em que os contratos podem ser revisados, ajustados, e melhores propostas podem ser feitas. “Provavelmente em razão da nossa percepção de risco, não estamos acostumados a pensar em um grande horizonte temporal”. Mas essa forma de fazer as coisas pode não ser a mais adequada para as indústrias de infraestrutura.

Solução pela regulação?

Um caminho possível para destravar os investimentos em infraestrutura pode passar pelas próprias agências reguladoras. Na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), por exemplo, está em andamento um projeto-piloto de redução do chamado fardo regulatório, o custo relacionado ao cumprimento da burocracia.

Segundo Yoshihiro Nemoto, superintendente executivo/substituto da ANTT, um dos eixos do projeto-piloto é a concessão de uma “anuência prévia”, que fica pronta em até 30 dias e permite que a empresa já comece a fazer os investimentos necessários antes da análise completa e aprofundada dos projetos. O fardo regulatório pode ser reduzido em até 63%, diz Nemoto, só com a adoção da anuência prévia.

Leonardo Coelho, professor de Direito Regulatório na FGV/RJ, é entusiasta do projeto, e diz que a vitória seria transformá-lo em “ponta de lança” para mudanças mais profundas no setor.

“É muito comum avaliar o sucesso das licitações só pelo deságio, ou a agência achar que está sendo produtiva quando aplica multas altas. A gente fala muito de serviço público, mas boa parte da vida da concessionária deveria passar sob o regime privado”, opinou.

“Se os custos regulatórios forem superiores aos benefícios, a regulação não devia ser aplicada”, concluiu Nemoto.

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