Economia

Na Índia, fazendeiros não precisam honrar empréstimos

Diante do perdão de 350 bilhões de rúpias em empréstimos agrícolas, oferecido pelo governo indiano, fazendeiros tomam dinheiro emprestado e não pagam

Campos em Andhra Pradesh: expectativa de isenção transforma a maioria dos tomadores de empréstimos agrícolas em inadimplentes (Adityamadhav83/Wikimedia Commons)

Campos em Andhra Pradesh: expectativa de isenção transforma a maioria dos tomadores de empréstimos agrícolas em inadimplentes (Adityamadhav83/Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 9 de dezembro de 2014 às 18h35.

Mumbai - Vattikuti Prasad cultiva arroz, banana e cana-de-açúcar em sua fazenda do tamanho de 27 campos de futebol em uma região do sudeste da Índia onde a maioria dos agricultores possui parcelas do tamanho de apenas um.

Ele tem duas residências, incluindo uma casa com quatro quartos em uma cidade vizinha, que ele aluga.

Neste ano, Prasad tomou pelo menos 120.000 rúpias (US$ 1.940) em empréstimos agrícolas baratos do Banco Estatal da Índia e disse que planejava usá-los para abrir uma terceira filial de sua empresa de pesticidas e sementes no estado de Andhra Pradesh.

E, pela segunda vez desde 2008, ele não devolverá o dinheiro: o governo ofereceu um perdão de 350 bilhões de rúpias em empréstimos agrícolas, segundo um relatório ao qual a Bloomberg News teve acesso.

“Esse empréstimo está facilmente disponível, por isso eu o estou tomando”, disse Prasad, 37, enquanto contava um maço de notas de 1.000 rúpias da caixa registradora de sua loja, sob um barulhento ventilador de teto em meio a um calor sufocante.

Até 80 por cento dos seus colegas empresários da cidade de Tanuku, que fica a 400 quilômetros de Hyderabad, indo em direção ao Golfo de Bengala, haviam gasto seus empréstimos agrícolas em todo tipo de coisa, especialmente na compra de mais terras, disse ele, com a confiança de que esse dinheiro é grátis. “Por que deveríamos devolvê-lo agora?”.

Como parte das promessas de campanha para conseguirem se reeleger, no início deste ano, as autoridades de Andhra Pradesh, assim como as do estado vizinho de Telangana, prometeram aos agricultores um alívio para a dívida.

Andhra Pradesh ofereceu o perdão de até 150.000 rúpias por fazendeiro e Telangana, de 100.000 rúpias.

Ambos os estados estão seguindo um precedente de 2008, quando o governo central perdoou 710 bilhões de rúpias em empréstimos de 40 milhões de agricultores em todo o país, em parte como resposta a uma onda de suicídios ligada a endividamentos.

Disciplina de crédito

“Demorou vários anos para que a disciplina de crédito retornasse após a isenção de 2008 e agora tudo vai piorar novamente”, disse Vishal Narnolia, analista bancário da SMC Global Securities Ltd. em Mumbai. “É verdade que muitos agricultores marginalizados na Índia nascem com dívida e morrem com essa dívida. Mas nós precisamos de sistemas melhores para resolver esse problema em vez de conceder isenções aos empréstimos hipotecários”.

A expectativa de isenção, baseada nas promessas dos políticos, transforma a maioria dos tomadores de empréstimos agrícolas em clientes que não pagam esses empréstimos, mesmo quando têm dinheiro para pagá-los facilmente, disse V.B. Bhagavathi, gerente-geral para inclusão financeira do Andhra Bank, o segundo maior banco estatal.

O presidente do Banco de Reserva da Índia, Raghuram Rajan, se manifestou contra o alívio da dívida em grande escala.

“Perdoar empréstimos é uma atividade pouco saudável”, disse Rajan, ex-economista do Fundo Monetário Internacional, em uma conferência no dia 15 de setembro, em Mumbai. “Cada vez que uma isenção é dada, ela desvia o acesso ao crédito e diminui a disponibilidade de crédito”.

O sistema de empréstimos agrícolas da Índia tem o objetivo de ajudar pequenos fazendeiros a conseguir dinheiro para a compra de sementes e fertilizantes e para pagar a mão de obra. Contudo, um “grande número” de fazendeiros merecedores do empréstimo não obtém empréstimo bancário porque não consegue apresentar um título de terreno como garantia, disse o ministro da Economia, Arun Jaitley, ao apresentar o orçamento federal, em julho.

Em vez disso, os empréstimos beneficiam grandes fazendeiros, homens de negócios, comerciantes e agiotas que muitas vezes são os grandes proprietários de terras nos vilarejos, disse G.V. Ramanjaneyulu, diretor-executivo da organização sem fins de lucro Centre for Sustainable Agriculture. Eles veem os perdões aos empréstimos como uma forma de conseguir dinheiro grátis, disse ele.

Empréstimos baratos

Para os agricultores, os empréstimos agrícolas são atraentes porque eles geralmente têm juros de menos de metade dos 10 por cento cobrados para os empréstimos à habitação convencionais. Conseguir um empréstimo desse tipo pode levar menos de três dias se o requerente tiver documentos para provar a propriedade da terra, de acordo com os gerentes de agências do Banco Andhra.

Mesmo com os documentos, os pedidos de empréstimo dos agricultores são muitas vezes negados porque os proprietários já podem ter tomado empréstimos usando a mesma parcela como garantia, disse o Centro de Agricultura Sustentável de Ramanjaneyulu. Altas taxas de inadimplência entre os agricultores também têm dissuadido os bancos de dar empréstimos, de acordo com um relatório do Comitê de Banqueiros em setembro.

Evitados pelos bancos, milhões de agricultores que alugam terras, como Challabattula Nageshwararao, recorrem a agiotas dos vilarejos. No começo de cada temporada de plantio, Nageshwararao vai até o agiota em busca de um empréstimo de cerca de 200.000 rúpias para pagar o fertilizante, as sementes, os pesticidas e a mão de obra para o cultivo de arroz em 4 hectares de terras na cidade de Veluvalapalli, perto da costa do Golfo de Bengala. Com juros de 24 por cento, a operação é cinco vezes mais cara que o empréstimo bancário.

Além de pagar juros, Nageshwararao é obrigado a vender o arroz colhido para o agiota, que fixa o preço. Esse duplo papel de financista e comprador é comum e dá controle total aos agiotas, disse Ramanjaneyulu, da entidade sem fins lucrativos, que tem doutorado em agricultura.

“Esses agiotas podem cobrar o que querem e o fazendeiro não tem outra escolha a não ser pagar”, disse ele. “Esta é uma crise séria na agricultura”.

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