Economia

Trecho da MP que suspende contrato e salário gera dúvidas e críticas

Artigo revogado horas depois pelo presidente oferecia risco de derrubar ainda mais a demanda, segundo economistas

Coronavírus: mulher usa máscara de proteção em frente de lojas fechadas em São Paulo. 19 de março de 2020.  (Rahel Patrasso/Reuters)

Coronavírus: mulher usa máscara de proteção em frente de lojas fechadas em São Paulo. 19 de março de 2020. (Rahel Patrasso/Reuters)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 23 de março de 2020 às 12h27.

Última atualização em 23 de março de 2020 às 15h07.

São Paulo - A edição da Medida Provisória 927 pelo governo Bolsonaro na noite deste domingo como parte do pacote de medidas contra os efeitos do coronavírus iniciou a semana gerando apreensão e uma série de dúvidas entre assalariados, advogados e economistas.

O texto, que tem validade imediata mas precisa ser aprovado pelo Congresso em 120 dias para virar lei, tem um artigo que permite a suspensão de contratos de trabalho e do pagamento de salários por 4 meses. O trecho, porém, foi revogado horas depois pelo presidente.

Pela regra, o empregador seria obrigado a fornecer curso de qualificação à distância durante a suspensão, e poderia negociar individualmente com o empregado uma "ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial".

O texto que esses acordos individuais entre empregador e empregado estarão acima das leis trabalhistas pelo período, desde que respeitada a Constituição.

O presidente Jair Bolsonaro escreveu no Twitter mais cedo que "a referida MP, ao contrário do que espalham, resguarda ajuda possível para os empregados" feita pelo governo. Não há, no entanto, qualquer menção à compensação estatal na MP enviada hoje.

"Sozinha, essa medida é uma loucura. Se não houver iniciativas de sustentação de renda, o buraco será enorme", diz Gabriel Ulyssea, professor na Universidade de Oxford e pesquisador da área de trabalho.

No último dia 19, o Ministério da Economia anunciou que trabalhadores com jornada e salário reduzidos teriam um adiantamento de 25% do que teriam direito por mês caso solicitassem o seguro desemprego.

A regra valeria apenas para quem ganha até dois salários mínimos e por três meses. A promessa era enviar uma MP com essa previsão em dois dias, mas isso ainda não ocorreu.

O secretário de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, disse hoje que ainda nessa semana será publicado um novo texto com tudo que tem impacto fiscal, incluindo a antecipação de seguro-desemprego.

Mas a edição de uma medida com validade imediata enquanto se aguarda outra medida, sem que se conheça seus detalhes, traz insegurança jurídica até mesmo para as empresas que poderiam estar interessadas nesta possibilidade.

"Tem cara de improviso e nem vai ajudar os empregadores, que podem acabar sendo obrigados posteriormente a pagar esses salários", diz Daniel Duque, pesquisador do FGV IBRE na área de trabalho.

Há pressão de parlamentares para que a MP seja devolvida pela liderança do Congresso, por ser considerada inconstitucional, além de ações a serem encaminhadas ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse nesta segunda-feira que a MP 927 foi editada de forma “capenga”, gerou "pânico" e diverge do que foi conversado na semana passada, que seria um mecanismo para permitir a redução de 50% dos salários.

Economistas também notam que a medida pode fazer sentido do ponto de vista individual das empresas, já que é melhor suspender contratos temporariamente do que fazer demissões em massa em um momento de fluxo de caixa comprometido.

No entanto, se não vier acompanhada de compensação para quem perde o salário de repente, deixaria trabalhadores desamparados, contribuindo para derrubar a demanda agregada e agravar a recessão.

"O governo tomou uma medida microeconômica sem poderar seus impactos macroeconômicos", escreve Marcelo Medeiros, professor-visitante na Universidade de Princeton e especialista em desigualdade.

"Não se pode fazer nada agora que aumente a retração da economia. Não é o presente que vai nos salvar, mas o futuro - e o futuro em economia se chama crédito e dívida. O Estado tem que gastar agora para resolver o problema, e todos pagarem depois com tributos", completa.

A reação econômica à crise do coronavírus tem tomado a forma de pacotes gigantescos ao redor do mundo, que incluem ajudas a trabalhadores, suspensão do pagamento de contas e resgate de empresas. O Reino Unido, por exemplo, vai bancar 80% do salário dos empregados privados.

No Brasil, o pacote de R$ 167 bilhões inclui uma ajuda de R$ 200 a trabalhadores autônomos, aumento de benefícios sociais e adiamento do recolhimento de impostos.

O Banco Central reduziu nesta segunda-feira a alíquota do compulsório sobre recursos a prazo de 25% para 17%, prevendo uma liberação de 68 bilhões de reais na economia a partir do dia 30 de março.

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