Economia

Empresas perdem R$ 284 bi desde o anúncio do Auxílio Brasil de R$ 400

Real é a terceira moeda com pior desempenho. Bolsa cai e fecha na casa dos 107 mil pontos

Painel de cotações na B3 (Germano Lüders/Exame)

Painel de cotações na B3 (Germano Lüders/Exame)

AO

Agência O Globo

Publicado em 22 de outubro de 2021 às 09h47.

Última atualização em 22 de outubro de 2021 às 10h38.

Após meses de volatilidade no câmbio e na Bolsa na esteira dos riscos fiscais do país, o mercado derreteu nesta quinta-feira conforme o rombo no teto de gastos se torna cada vez mais uma realidade. As empresas que compõem o Ibovespa acumularam perdas de R$ 284 bilhões em valor de mercado desde o anúncio do Auxílio Brasil de R$ 400 pelo presidente Jair Bolsonaro, na última terça-feira.

O Ibovespa fechou em queda de 2,75%, aos 107.735 pontos, um dia depois de o ministro Paulo Guedes confirmar que parte do Auxílio Brasil, programa que vai beneficiar o Bolsa Família, será paga fora do teto de gastos.

O dólar comercial encerrou o dia em alta de 1,92%, cotado a R$ 5,6651, depois de ter atingido o patamar de R$ 5,68 durante a tarde.

A moeda não tinha uma cotação de fechamento acima dos R$ 5,60 desde o dia 15 de abril quando atingiu a casa dos R$ 5,6241.

Declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre o pagamento de uma "ajuda" aos caminhoneiros como compensação pelos reajustes recentes no preço do diesel e as negociações para a revisão do teto
também intensificaram o clima pesado nos mercados.

Em seus piores momentos no dia, a Bolsa chegou a cair mais de 4%. O índice não fecha abaixo dos 110 mil pontos desde o dia 20 de setembro, quando ficou em 108.844 pontos.

— Hoje é um aprofundamento do que já vínhamos vivendo há alguns meses. Perdeu-se o tato da âncora fiscal, que é o teto de gastos. A fala do ministro Paulo Guedes, ontem, que foi entendida como uma licença para gastar, somou-se à deterioração do risco macroeconômico, afirma Matheus Spiess, analista da Empiricus.

Ele complementa:

— O mercado havia precificado várias reformas e uma melhora da inflação e da arrecadação no segundo semestre, e nada disso ocorreu. As declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre os caminhoneiros ajudaram a piorar a situação.

Em meio a esse cenário, a Órama Investimentos reviu as projeções para o Ibovespa no fim do ano.

"Diante dos ruídos associados ao novo programa Auxílio Brasil, que coloca em xeque a nossa âncora fiscal (teto dos gastos), decidimos reduzir a estimativa para o índice no final do ano para o intervalo entre 118 e 120 mil pontos, tendo como premissas um cenário conservador de múltiplo P/L, os lucros projetados para as empresas de 15% no segundo semestre e as incertezas sobre a manutenção do arcabouço fiscal", informou a corretora em relatório.

Risco-país e juros futuros em alta

Conforme o mercado absorve a ideia de que o teto fiscal será estourado, o Risco-País aumenta. Os contratos de credit default swaps (CDS) para o Brasil em um ano, que representam o termômetro do grau de risco percebido pelos investidores, tiveram aumento de 5,19%. No contrato de dois anos, a alta foi de 3,68%. Para cinco anos, o Risco-Brasil teve aumento de 3,3%. E, para 10 anos, 2,3%.

As taxas de juros futuros também subiram nesta quinta-feira, refletindo a maior percepção de risco.

O contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 subiu de 7,66% no ajuste anterior para 7,91% e a do DI para janeiro de 2023 passou de 9,91% para 10,56%.

O juro do DI para janeiro de 2025 disparou de 10,90% para 11,51% e o do DI para janeiro de 2027 avançou para 11,82% ante os 11,27% da leitura anterior.

Nesta quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro insistiu que o programa será feito dentro do teto, apesar de não explicar como.

Na véspera, Bolsonaro já havia dito que "ninguém vai furar teto" nem fazer "nenhuma estripulia no Orçamento". No entanto, horas depois, Guedes afirmou que o governo deve pedir o que chamou de "
waiver " (suspensão da regra) para gastar mais de maneira temporária.

— Se tem uma coisa que o mercado não gosta é de governo que dá guinadas populistas e flerta com a irresponsabilidade fiscal, ainda mais tratando-se de um país emergente como o Brasil. Voltamos ao tempo da contabilidade criativa de poucos anos atrás — disse Rafael Ribeiro, analista da Clear Corretora.

Sinalização negativa

Como destaca o gestor de fundos da Arena Investimentos, Maurício Pedrosa, o que mais incomoda o mercado é o fato do principal representante da equipe econômica, que seria a responsável por preservar as contas públicas, ter dado uma sinalização no sentido contrário.

— Eu diria que é um sentimento de orfandade do mercado. Ver aquele que devia estar defendendo os postulados da boa gestão fiscal, da organização das contas públicas e que deveria dar uma boa sinalização para os investidores tanto daqui como lá fora, pedindo waiver (perdão) é muito embaraçoso e obviamente faz preço.

O gestor destaca que não são apenas os R$ 30 bilhões fora do teto que incomodam, mas a sinalização que é passada aos investidores.

— Há o temor que esse espaço seja estendido. O problema não são apenas os R$ 30 bilhões, mas a porta aberta que traria um problemaço mais à frente.

Para ele, mesmo que o governo volte atrás, como fez na terça-feira ao cancelar o anúncio oficial do novo programa, o estrago já está feito.

Para o gestor de renda variável da Infinity Asset, Fernando Siqueira, as negociações sobre uma possível revisão do teto também são vistas como negativas para o mercado. De qualquer forma, quebra-se a regra fiscal vigente sem que os investidores saibam ao certo o que entrará no lugar.

— O que eles estão fazendo agora é dizer que isso (o teto) acabou, porque você fica criando mecanismos para não cumprir e não se sabe o que vai ficar no lugar. A regra é essa. Mudar nesse momento é a tentativa de gastar mais em um momento perto das eleições. A ideia é que o Ministério da Economia perdeu a batalha e parece que não está fazendo mais esforço para manter a regra do teto. Essa foi a pior sensação.

Para ele, a fala de Bolsonaro sobre o pagamento de uma “ajuda” aos caminhoneiros apenas reforça a sinalização de descompromisso com as contas públicas.

— Então, no fundo você está tentando empurrar o problema com a barriga. Dado que todo esse desequilíbrio também gera pressão para aumento de preço de combustíveis. Você não está resolvendo a raiz do problema, mas fazendo remendo.

Além dos já conhecidos problemas domésticos, os ativos enfrentam um pregão com a percepção de risco mais forte no exterior.

A situação da gigante do setor imobiliário chinês Evergrande voltou a pesar nos mercados nesta quinta-feira, prejudicando negócios na Ásia e na Europa. A imobiliária cancelou a venda de sua subsidiária e está perto de um calote oficial, que deve ocorrrer no fim de semana.

A incorporadora ainda acrescentou que as vendas de imóveis despencaram cerca de 97% durante a temporada de pico de compra de casas, piorando sua crise de liquidez às vésperas do vencimento do prazo final para o pagamento de títulos em dólar, o que pode levar a empresa a um calote oficial.

Expectativas para 2022 são contaminadas

Para Pedrosa, os investidores já estão precificando que a falta de preocupação com as questões fiscais deve levar o Banco Central (BC) a elevar juros mais à frente para conter o avanço inflacionário. Isso é refletido no avanço das curvas futuras.

— Se vier mais gasto público, é um estímulo fiscal que acaba sendo financiado via inflação e o BC hoje tem o mandato de combater com os juros.

Siqueira também avalia que a situação atual pode contaminar as perspectivas para a economia no próximo ano

— Você cria uma espiral negativa, porque o cenário fiscal vai piorar, os juros vão aumentar e isso vai fazer com que a atividade econômica piore. E para o mercado financeiro, isso também é ruim, pois os juros altos vão fazer com que as pessoas resgatem dinheiro.

Para o gestor da Infinity Asset, as perspectivas para o Ibovespa devem seguir negativas para os próximos meses, com os ativos podendo ser reprecificados.

— Essa quebra da política fiscal não estava no preço o que faz com que os ativos tenham que ser reprecificados para esse novo contexto.

Licença para furar o teto

Guedes confirmou que o Auxílio Brasil de R$ 400 deverá ser pago em parte fora do teto de gastos, regra que impede o crescimento das despesas da União acima da inflação.

O ministro disse que o governo deve pedir o que chamou de “waiver” (suspensão da regra) para gastar mais de maneira temporária. Ele confirmou que esse “waiver” seria de "pouco mais" de R$ 30 bilhões fora do teto.

Outra possibilidade levantada seria a revisão da regra prevista. Guedes falou em "sincronização de despesas", que pode ser a revisão do índice de correção do teto (hoje o IPCA).

Na terça-feira de manhã, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o programa seria feito sem 'furar o teto'.

A possibilidade de rompimento do teto eleva as preocupações com as já deterioradas contas públicas. E em um ambiente de risco mais alto, a tendência é que o fluxo de saída de dólares aumente.

Um maior risco fiscal também pode elevar a pressão inflacionária, fazendo com que o Banco Central (BC) tenha que elevar mais juros.

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