Em ano de choques, mercado perdeu o rumo nas projeções
Segundo especialistas, as projeções do mercado não levaram em conta a gravidade da recessão e o impacto sobre a inflação, por isso tantas distorções
Estadão Conteúdo
Publicado em 27 de dezembro de 2016 às 10h56.
São Paulo - O crescimento que era ruim ficou muito pior. A inflação deu inesperado repique, mas despencou. O dólar que era para explodir, no fim, cedeu. A Selic, a taxa básica de juros não caiu o esperado.
Em outras palavras, nas expectativas de analistas de mercado, apuradas semanalmente pelo Boletim Focus , do Banco Central (BC), indicadores importantes iniciaram o ano de um jeito e terminaram do outro, alguns oscilando no meio do caminho como exame cardíaco de quem corre na esteira.
Nesta segunda-feira, 26, o BC divulgou o último Focus do ano, mostrando que a tarefa de prever cenários para indicadores, que nunca é fácil, foi mais complicada do que o usual em 2016. Consultores e economistas dão um desconto para as várias mudanças de rotas que aparecem no Focus ao longo do ano.
"Quando 2016 começou, a incerteza era brutal e ninguém contemplava a mudança de governo: Joaquim Levy tinha acabado de deixar o Ministério da Fazenda, era impossível saber para onde iria a política econômica e Dilma perdia força política", diz Silvio Campos, analista de macroeconomia e de política da Tendências Consultoria Integrada.
Segundo Campos, isso explica porque, lá no começo de 2016, o previsto era que o dólar terminasse o ano em R$ 4,35 - praticamente R$ 1 ou 30% acima da cotação de R$ 3,37, que consta do último relatório do ano - mesmo com a eleição de Donald Trump, para a presidência dos Estados Unidos, que coloca pressão sobre a moeda americana.
Também não dava para prever, justifica ele, a seca severa, que fez de 2016 o ano da inflação do feijão e do leite. Assim, lhe parece razoável que, por volta de setembro, o mercado tenha previsto que a inflação encerraria o ano em 7,3% - bem longe dos 6,4% que constam no último relatório do ano e coloca a inflação abaixo do teto da meta, 6,5%.
"Temos de considerar que 2016 foi o ano dos choques: choque da política, o choque de preços por causa da seca e choque recessivo", diz Campos.
Excesso
Para alguns, no entanto, houve excessos no meio do caminho, em especial no que se refere as expectativas de recuperação do Produto Interno Bruto (PIB).
O pior, avaliam, é que esse otimismo contribuiu, por tabela, para distorcer projeções de inflação e da Selic. "Após o impeachment, houve excesso de otimismo em relação à capacidade de recuperação da economia e esse otimismo afetou não apenas as expectativas de 2016, mas também as de 2017" diz Evandro Buccini, economista da gestora Rio Bravo Investimentos.
Alguns chegaram a prever alta de 2% no PIB do ano que vem. Agora, já há analistas estimando zero ou mesmo nova retração do PIB em 2017. No último Focus do ano, a estimativa é queda de 3,49% nesta ano e de crescimento de 0,5% em 2017.
O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros foi um dos maiores críticos desse "excesso de otimismo". Passou os últimos meses chamando a atenção para o conservadorismo do mercado e do Banco Central em relação à queda da taxa básica de juros, a Selic. No começo do ano, o mercado previa Selic de 15,25%. No meio do ano, chegou a prevê cerca de 12%. Mas o BC decidiu fazer cortes mais graduais e ela termina em 13,75%.
"Todas as projeções do mercado e até as do BC não levaram em conta, adequadamente, a gravidade da recessão e seu impacto sobre a inflação, por isso, de setembro para cá, vemos uma queda acentuada e inexplicável na expectativa de inflação. Erraram feio e a economia não conseguiu o alívio que precisava", diz Mendonça.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.