Soja: história da semente apresentou oportunidade para dissecar a forma como países se desenvolvem das economias agrárias até as mais industrializadas (Scott Olson/Getty Images/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 1 de agosto de 2018 às 16h45.
Quando o Brasil teve maior prosperidade nos anos 2000, grandes grupos de trabalhadores agrícolas deixaram as fazendas e foram trabalhar no setor industrial, que assim apresenta rápido crescimento.
Mas o que se passava? As novas oportunidades econômicas atraíram os trabalhadores das fazendas ou foram as mudanças na agricultura que levaram à industrialização? Jacopo Ponticelli, professor adjunto de finanças da Kellogg School, juntamente com Bruno Caprettini, da Universidade de Zurique, e Paula Bustos, do Centro de Estudos Monetários e Financeiros da Espanha, suspeitavam que o mistério tinha a ver com a soja.
Em 2003, o Brasil legalizou a revolucionária semente de soja Roundup Ready, de fabricação da Monsanto. A semente (chamada de “Soja Maradona” na América do Sul, o nome do famoso e ágil jogador de futebol Diego Maradona) foi geneticamente modificada para apresentar resistência a herbicidas.
Até então, não era possível aos agricultores controlar as ervas daninhas com a ampla aplicação de herbicidas sem matar também suas plantações. Assim, no início de cada estação de plantio, eles limpavam seus campos para remover as ervas daninhas em um processo trabalhoso. Uma semente resistente a herbicidas faria com que os agricultores pudessem plantar sem precisar realizar a limpeza a cada ano, possibilitando dessa forma produzir a mesma quantidade de soja com menos da metade do trabalho. Isso, por sua vez, significava que as fazendas precisavam de um número muito menor de trabalhadores para realizar o serviço.
Para Ponticelli, a história da semente de soja apresentou uma oportunidade para dissecar a forma como os países se desenvolvem das economias agrárias até as mais industrializadas.
“Queríamos testar a teoria de que um aumento na produtividade agrícola pode dar início a este processo", diz ele.
Em dois artigos, Ponticelli e os coautores descrevem como as empresas em todo o Brasil colheram os benefícios dessa semente revolucionária. No primeiro artigo, os pesquisadores descobriram que a semente liberava os trabalhadores rurais para outros empregos, permitindo que o setor industrial do Brasil crescesse. No segundo, os pesquisadores descobriram que a semente ajudou os agricultores a colocar mais dinheiro no banco, o que levou os centros urbanos a terem acesso a crédito a menor custo, permitindo que os bancos financiassem um maior número de empresas no setor de manufatura e serviços.
Ponticelli diz que a pesquisa não só lança uma nova luz sobre como as economias se desenvolvem, mas também desafia a crença generalizada de que a canalização de recursos para a agricultura sufoca o crescimento e a inovação. De fato, a história do Brasil sugere que os solavancos na produtividade agrícola podem repercutir por toda a economia, não apenas fortalecendo o setor manufatureiro, mas também direcionando novo capital para os centros urbanos onde novos setores tendem a se desenvolver.
"Se pensarmos que o setor manufatureiro desempenha um papel fundamental para o crescimento econômico no longo prazo, pelo fato de que nele se concentra a maioria das patentes, pesquisa e desenvolvimento e inovação, então as novas tecnologias agrícolas não são necessariamente más notícias", diz ele.
A transformação ocorrida no Brasil do trabalho agrícola para a indústria não é novidade; é um padrão que se desenvolve nas economias em crescimento, tendo exemplos desde a Inglaterra durante a Revolução Industrial até a China moderna. Os economistas oferecem duas explicações concorrentes dos motivos, o que Ponticelli chama de teorias de “atração” e “expulsão”.
Na teoria da "atração", uma economia em crescimento aumenta a renda, o que significa que os consumidores podem comprar mais produtos manufaturados. É necessária mais mão-de-obra industrial para atender a essa nova demanda, de forma que o setor industrial “atrai” os trabalhadores da agricultura com a promessa de salários mais altos.
Na teoria da "expulsão", no entanto, a mudança começa quando uma nova tecnologia torna os trabalhadores agrícolas mais produtivos. Como é necessário menos trabalho para produzir a mesma quantidade de alimentos, os trabalhadores rurais são “expulsos” da agricultura e precisam encontrar empregos no setor industrial.
O caso do Brasil apresentou uma excelente oportunidade para identificar qual teoria se materializou. Entre 2000 e 2010, a economia do Brasil cresceu mais de 40%, grande parte graças ao rápido crescimento do setor manufatureiro. Se o aumento da produtividade agrícola levasse à industrialização, então as regiões produtoras de soja deveriam apresentar índices mais elevados de sua força de trabalho passando para outros setores após a introdução das sementes Roundup Ready, pois os trabalhadores das fazendas de soja seriam liberados para realizar outro tipo de trabalho. Se, em vez disso, foi a industrialização que “atraiu” trabalhadores de outros setores, então não deveria haver diferenças significativas entre os padrões de migração entre as regiões produtoras de soja e outras regiões.
Os pesquisadores usaram dados sobre o clima e as características do solo para determinar a quantidade adicional de soja que cada região do Brasil ganharia com a semente Roundup Ready. Em seguida, usando dados do censo, analisaram como a força de trabalho de cada região mudou nos sete anos após a aprovação da semente.
O que descobriram parece apoiar a teoria da "expulsão".
“As áreas mais propensas a adotar essa tecnologia experimentam uma diminuição na parcela de pessoas que trabalham na agricultura e um aumento na parcela de pessoas que trabalham na indústria”, diz Ponticelli, “o que sugere que as pessoas estão saindo de um setor e entrando em outros”.
A soja Roundup Ready não apenas reduziu as despesas gerais dos agricultores, mas também aumentou o valor da terra. O resultado? "Muitos desses agricultores ficaram mais ricos", diz Ponticelli.
À medida que os fazendeiros depositavam sua riqueza recém-descoberta em poupança e contas-correntes, subitamente os bancos tinham mais dinheiro disponível, permitindo conceder mais empréstimos para ajudar as empresas a crescer - “outra forma pela qual a produtividade agrícola pode gerar desenvolvimento”, explica Ponticelli.
Mas, diferentemente da mão de obra, o dinheiro percorre longas distâncias com facilidade, e Ponticelli se perguntou para onde se destinavam essas novas reservas de capital. Para descobrir isso, ele se juntou a Bustos e Gabriel Garber, economista do Banco Central do Brasil.
Os autores obtiveram dados detalhados do Banco Central sobre depósitos em cada agência bancária no Brasil, transferências de recursos entre agências bancárias e os históricos de empréstimos de todas as empresas brasileiras. Com essa riqueza de dados, os pesquisadores puderam rastrear cuidadosamente os lucros das regiões produtoras de soja ao fluírem para diversas empresas em todo o país.
Eles descobriram que apenas uma pequena parcela dos empréstimos permaneceu nas comunidades rurais. Para cada real adicional dos lucros da soja que os agricultores depositavam, apenas 0,5% voltava como empréstimo para as empresas agrícolas. Enquanto isso, 48% de cada real foi destinado às empresas no setor de serviços e 40% para empresas de manufatura, sendo que ambas têm maior probabilidade de estarem localizadas em áreas urbanas.
Ponticelli explica a lógica por trás desse padrão: “Pense em uma agência bancária em uma área rural que recebe um número crescente de depósitos devido a todos esses agricultores ricos, mas sem muitas oportunidades de investimento", diz ele. Enquanto isso, uma agência no centro de São Paulo pode estar cercada de empresas de tecnologia e manufatura, mas sem dinheiro suficiente para financiá-las. "Então, é possível ver como possa haver um fluxo de capital das áreas rurais para as áreas urbanas".
Mas esse fluxo desinibido de capital entre os locais (o que os economistas chamam de “integração financeira”) não beneficia a todos os atuantes igualmente. Ponticelli destaca que as empresas rurais também gostariam de obter crédito barato.
"A integração financeira pode ser ótima se você for o recebedor", diz ele. "Mas pode não ser tão bom se você está em um local que canaliza recursos para o sistema, mas não recebe muito de volta".
Os economistas há tempos acreditam que a especialização na agricultura tende a impedir que países atinjam todo o seu potencial.
“Sabemos que muitos transbordos de conhecimento, muita inovação, não vêm do setor agrícola”, diz Ponticelli. “Eles vêm da manufatura. Por exemplo, a Apple é uma empresa manufatureira”.
A nova pesquisa contraria esse ponto de vista tradicional ao mostrar que a produtividade agrícola pode empurrar novos trabalhadores e novos capitais para setores mais inovadores.
No entanto, Ponticelli faz uma advertência importante: em um artigo ainda não publicado, com Bustos e Joan Monras, do Centro de Estudos Monetários e Financeiros da Espanha, e Juan Manuel Castro Vincenzi, da Princeton University, ele analisa mais a fundo o destino dos trabalhadores deslocados das fazendas de soja. Sua descoberta é que muitos deles acabam em empregos na indústria com salários relativamente baixos e não qualificados, e não em indústrias de ponta onde a pesquisa e a inovação geralmente se encontra
Além disso, Ponticelli adverte que nem todo aumento da produtividade agrícola leva à industrialização.
Por exemplo, na década de 1980, os produtores brasileiros de milho encontraram formas de agregar uma segunda safra no ano. No entanto, Ponticelli, Caprettini e Bustos acham que, como o método usava mão-de-obra muito intensiva, os produtores de milho não foram expulsos para o setor industrial. As áreas produtoras de milho "na verdade experimentaram um aumento na parcela de pessoas que trabalhavam na agricultura e uma redução na participação de pessoas atuando na indústria", diz Ponticelli.
Para Ponticelli, as histórias contrastantes do milho e da soja demonstram um ponto importante: “Não há uma única resposta que diga que mais produtividade na agricultura é ruim porque nos prende a esse setor menos inovador'”, diz ele. "Isso realmente depende do tipo de nova tecnologia que se é adotada".
A pesquisa cheia de nuances ocorre em um momento crucial, quando o uso da soja Roundup Ready e outras sementes geneticamente modificadas conquistaram o seu espaço em todo o mundo. Apesar da controvérsia sobre o impacto ambiental das sementes, o uso de culturas biotecnológicas foi aprovado em toda a América do Sul, China e Índia.
“A próxima fronteira provavelmente será a África Subsaariana", diz ele. “Tentar entender quais são as consequências dessas novas tecnologias na industrialização será muito importante para o futuro”.
Texto originalmente publicado no site da Kellogg School of Management.