Como o Marco das Garantias pode melhorar o poder de compra do brasileiro e sua relação com dinheiro
Mudança será revolução para o mercado de crédito e vai deixar tomador como protagonista
Colunista
Publicado em 9 de outubro de 2023 às 18h07.
O brasileiro guarda nas paredes da sua casa ou no carro na garagem um estoque gigante de dinheiro que deveria estar circulando na economia. São recursos represados por uma legislação antiquada, que impede o cidadão de utilizar o patrimônio que construiu ao longo de toda a vida como ativo financeiro e inviabiliza o acesso a recursos que, por terem um custo mais barato, seriam capazes de solucionar problemas estruturais da economia cotidiana, como superendividamento, necessidade de aumento de capital de giro ou falta de capital para empreender.
A modernização da lei proposta pelo Marco das Garantias , como ficou conhecido o PL 4.188/2021, visa justamente a endereçar essa questão e a facilitar a utilização de bens, como imóveis ou automóveis, como garantia na tomada de crédito. O potencial é tanto que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o projeto “revoluciona o crédito no Brasil”.
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A explicação é de natureza matemática e o exemplo está no próprio mercado de crédito atual. O juro médio cobrado num financiamento imobiliário, segundo dados do Banco Central, é, em média, de 11,5% ao ano atualmente. Já no crédito pessoal, ao excluir a casa como garantia do financiamento, o custo do empréstimo ultrapassa os 90% ao ano.
A situação atinge números assustadores quando se pensa em crédito rotativo. A taxa dessa modalidade no cartão de crédito é superior a 400% ao ano, tanto que passou a ser alvo da Câmara dos Deputados, com a aprovação de um projeto de lei para limitar os juros.
É desnecessário repetir que multiplicar por quatro ou cinco vezes a dívida de alguém em apenas um ano a torna impagável e inviabiliza o mercado de crédito. Pior ainda quando se olha para os dados da Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor: 86,6% das famílias brasileiras têm dívidas justamente no cartão de crédito.
O Marco das Garantias tem potencial para corrigir essa distorção, aproximando o custo do crédito dos níveis mais baixos praticados no mercado. A principal evolução, baseada na experiência de outros mercados, como o americano, é a de permitir que um mesmo bem seja utilizado como garantia em mais de uma operação de crédito e por mais de uma instituição, dando aos brasileiros a possibilidade de usar o próprio patrimônio como aliado na organização financeira.
Não há mais a obrigação de se quitar um empréstimo anterior para acessar mais recursos. As novas regras permitirão que se utilize a fração do bem (ativo) que não está em uso como garantia em outro empréstimo para acessar novos créditos. Um imóvel avaliado em R$ 600 mil, por exemplo, poderá ser utilizado para três operações diferentes de R$ 200 mil, em momentos diferentes e até em instituições diferentes.
Para se ter uma ideia do potencial do mercado de crédito com garantias. Havia 74 milhões de imóveis residenciais no Brasil em 2022, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua. Já no caso de automóveis, de acordo com o IBGE, no mesmo ano, eram mais de 60 milhões de carros.
O Marco de Garantias é mais uma etapa de um processo de modernização do mercado que, além das mudanças legais e regulatórias, é impactado por uma agenda de melhoria de acesso ao crédito. Recentemente, conseguimos no Banco Central a aprovação de uma nova instituição financeira com a premissa de trazer para o Brasil uma modalidade de crédito inédita: um rotativo com garantia imobiliária, inspirado em um produto de sucesso nos Estados Unidos e no Canadá, o chamado Heloc (Home Equity Line of Credit).
Por causa da garantia imobiliária, oferecemos linhas de crédito rotativo até 90% mais baratas que as praticadas atualmente nas principais modalidades de rotativo existentes no país. No nosso plano de negócios, estimamos em meio trilhão de reais o mercado para o nosso produto.
As experiências fora do Brasil demonstram o impacto sistêmico que a modalidade pode oferecer. No Canadá, no início dos anos 2000, o governo do país aprovou medidas de modernização de legislação de créditos com garantia, a exemplo do que o Brasil tenta fazer neste momento.
Em pouco mais de dez anos, diante das mudanças, a modalidade com garantia já respondia por mais de 30% do mercado de crédito canadense. Apenas 15% dos recursos financiados no país ficaram nas mãos de empresas de cartão de crédito.
No período de consolidação da nova modalidade, uma fatia de 26% dos recursos oriundos de crédito com garantia no Canadá foi destinada para a consolidação de dívidas mais caras. Outros 40% foram dirigidos para o aumento do consumo e para a reforma de casas e 34%, para investimentos.
Num mercado como o brasileiro, em que pelejamos com modalidades de crédito com taxas de juros na casa dos três dígitos, a expectativa é de que a massificação do crédito com garantia seja ainda mais impactante, com capacidade de promover de fato uma “revolução” na forma de lidar com o passivo no país.