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Brasil não pode ter 'beicinho com os EUA', tem que ser prioridade, diz Jorge Viana, da Apex

Em entrevista à EXAME, presidente da Apex pretende fazer do comércio entre os países uma das prioridades da sua agenda neste ano

Jorge Viana, presidente da Apex, durante entrevista ao Macro em Pauta em 2023 (EXAME/Exame)
Luciano Pádua

Editor de Macroeconomia

Publicado em 9 de março de 2024 às 14h13.

Última atualização em 9 de março de 2024 às 14h40.

Em 2023, o Brasil registrou um saldo no comércio exterior de R$ 98 bilhões, um recorde histórico. E a expectativa é que, com o crescimento da produção de petróleo, esses valores se mantenham nos próximos anos. Para o presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), Jorge Vianna, o país está em condições ideais para ampliar sua corrente de comércio global, aliando as vantagens comparativas da produção de commodities e agregando valor aos produtos exportados.

Nessa equação, um país se destaca nos seus planos: os Estados Unidos, que, em sua avaliação, são os "melhores compradores" de produtos brasileiros. "O Brasil não pode ter 'beicinho com os EUA', tem que ter como prioridade pela possibilidade de crescimento no comércio exterior com eles", diz Vianna em entrevista à EXAME.

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Na entrevista, ele também fala dos planos estratégicos para estreitar os laços comerciais com Índia, China, Argentina e, em especial, ampliar o número de empresas exportadoras no país.

Leia a íntegra

A Apex trabalha diariamente com empresas interessadas em entrar no mercado brasileiro. O senhor reparou a diferença de 2023 para cá? Quais são as prioridades?

O comércio exterior é sempre muito vinculado à imagem, especialmente na precificação de produtos. E a imagem do Brasil era péssima na Europa, que tem a grande classe média compradora do mundo —  e lá caíram as vendas. A imagem mudou completamente com a volta da diplomacia presidencial. O presidente Lula abriu portas. Com ajuda inclusive do ministro Carlos Fávaro, da Agricultura, estamos abrindo 90 mercados. Só em janeiro, abrimos também mais de 10 mercados novos. O grande propósito agora é passar para o mundo que o Brasil mudou. O ministro Fernando Haddad também ajudou com a sua política para mostrar que o Brasil é um bom espaço para atração de investimentos. Com a democracia plena, o nosso governo chefiando o G20, tudo cria uma imagem muito positiva que vira a oportunidade para atrair investimento.

Parte dessa estratégia é ampliar o número de empresas que exportam?

Até 2022, o número de empresas no Brasil que trabalhavam com a exportação era em torno de 26.000. A Apex trabalhava até 2022 com 14.000 empresas. O resultado de 2023 é melhor: são 29.000 empresas exportadoras. A Apex saiu de 14.000 para 17.000 empresas.

O presidente Lula cobra uma corrente de comércio de US$ 1 trilhão (hoje em US$ 600 bilhões), correto?

Quando ele assumiu o primeiro mandato, a corrente era de US$ 100 bilhões e saldo negativo entre importação e exportação. Quando saiu, estava em US$ 400 bilhões. Hoje, está um pouco acima de US$ 600 bilhões. Cresceu pouco. Temos que mirar US$ 1 trilhão. Sobre o número de empresas envolvidas, criou-se um clima. O mundo está ávido por alimentos. Se pegarmos o setor de frutas, o Brasil é o terceiro maior produtor, mas é o 23º exportador. Em 2022, o Brasil exportou perto de US$ 900 milhões de frutas. No ano passado, teve um crescimento de 26% e exportamos um pouco mais de US$ 1,2 bilhão. Só não exportamos mais porque o mercado consumidor de fruta é muito grande. Mas abrimos o mercado na Índia para o abacate. Estamos ampliando o número de empresas que exportam. A nossa ideia na Apex é trabalhar com 25.000 empresas.

E a ideia é que as 29.000, hoje o número geral, também aumente?

O Sudeste é o grande exportador. Mas Nordeste e Norte exportam pouco e têm muito potencial. Criamos um programa para atrair compradores para conhecer produtos de empresas que nunca exportaram. Não vamos seguir em uma zona de conforto de só ir às feiras e eventos internacionais. A ideia é avançar a marca Brasil e levar as empresas juntos. O desafio é dar oportunidade para quem tem um produto e pode alcançar mercados internacionais.

Além do agro, o que é prioridade?

Trabalho muito com a ideia da Embraer. O presidente Lula voou de Embraer na Europa, fizemos um evento em Ryad e fomos para Doha e Dubai no avião. O presidente entende que é a expressão da tecnologia, são equipamentos que levam a tecnologia e a história da aviação brasileira para o mundo. Dá para fazer essa associação de ter empresas enormes, um agronegócio muito forte, mas trabalhar a multiplicação de pequenas empresas.

O senhor fala de uma pauta de agregar valor às exportações. Hoje, o maior valor agregado de exportação é para os EUA. Quais os planos da Apex para esse país?

Os governos brasileiros sempre têm algum "senão" com os EUA. Eles têm um jeito de ser que podemos divergir, mas é a maior economia do mundo. É o melhor comprador dos produtos brasileiros, compra manufatura. Estou decidido na Apex de fazer dos EUA uma grande prioridade. O Brasil não pode ter 'beicinho com os EUA', tem que ter como prioridade pela possibilidade de crescimento no comércio exterior com eles.

E quais os planos?

Em março, faremos um encontro, combinado com a embaixadora do Brasil nos EUA, Maria Luiza Viotti, e com todos os consulados e adidos. Nesses encontros, discutimos quais oportunidades com quem está lá. A partir daí montamos uma estratégia para ampliar o comércio. Vamos lançar em breve o mapa de atração de investimento e oportunidades entre Brasil e EUA. O mesmo estamos fazendo com a Índia e China — e já tínhamos feito no ano passado com a União Europeia.

O que o senhor pode adiantar desse documento?

Os EUA procuram diminuir a dependência com a China, principalmente depois da pandemia. Quem se beneficia muito com isso é o México. E o Brasil não pode ficar ausente. No ano passado, o comércio com os EUA teve uma uma queda de 1,5%. Mas conseguimos ter US$ 36 bilhões de exportação. Muito disso tem alto valor agregado. É estratégico estarmos mais fortes nos EUA, apoiarmos diferentes setores da nossa economia para oferecer produtos que eles precisam. Vamos reforçar o trabalho da Apex e a intenção é levar o ministro Haddad ainda neste semestre para deixar muito claras as oportunidades que o Brasil tem para atrair investimentos e as oportunidades que o Brasil tem de bons produtos para os EUA.

Parte do PT, o partido do senhor, costuma não ser favorável a essa ideia. É uma contradição dentro do partido?

Temos que separar um pouco o que é a nossa opinião sobre o jeito americano de país dos negócios. Uso sempre a relação entre Taiwan e China. São inimigos, mas têm a melhor relação comercial do mundo. Taiwan é um grande fornecedor para a área de tecnologia da China, e tem um saldo comercial de dezenas de bilhões de dólares. Quando falo dos EUA, é um ótimo comprador. Não podemos deixar o México sozinho.

O senhor citou a Índia e um convite para o presidente do grupo Tata. Qual a estratégia para estreitar os laços comerciais?

Estamos fazendo o mapa de atração de investimento e vamos lançar esse ano. Primeiro, temos que tentar abrir mercado para nossos produtos. Abrimos para o abacate, por exemplo. O maior comércio que temos com eles são óleos. Dá para fazer um trabalho. Estamos esperançosos com a área do etanol. Foi feito um acordo nessa área. Podemos ter um crescimento exponencial, seja na área do biocombustível, seja na área do etanol, em um país que tem quase 1,5 bilhão de habitantes.

Outro grande parceiro comercial do país é a Argentina. Atrapalha em alguma coisa o comportamento do novo presidente Javier Milei?

A Argentina foi o primeiro país que o presidente Lula visitou e o primeiro encontro empresarial que fizemos. Espero que as oportunidades comerciais históricas se preservem — e até ajude a criar um ambiente melhor entre os dois governos. A Argentina tem uma relação comercial muito forte, boa para ela e boa para o Brasil. Ela também tem uma relação muito forte com a China. Mesmo tendo havido uma queda no governo passado de quase 40% do comércio Brasil-Argentina, é a melhor matriz de exportação por causa dovalor agregado e saindo de São Paulo.

O senhor também mencionou a China, o maior parceiro comercial brasileiro. Qual a estratégia?

No caso da China, devemos abrir mercados para frigoríficos para ampliar o comércio. No governo do presidente Lula, podemos ter também investimentos chineses em algumas áreas. Eles estão na África, em vários lugares e deixaram de fazer investimentos do tamanho que poderiam estar fazendo aqui no Brasil. Não tenho dúvida que o PAC e a ideia de incorporar mais de 40 milhões de hectares de pasto degradado, e até mesmo para restauração florestal, são um belas oportunidades de investimentos. Vários países têm interesse.

Como quem?

É o caso dos fundos do mundo árabe. O presidente Lula fez questão de ir nos Emirados Árabes, na Arábia Saudita e no Qatar. Não tenho dúvida que isso significa investimentos que vão chegar. Estava junto com o presidente e ouvi seja do emir [do Qatar], seja do príncipe herdeiro que diziam que voltariam a ter investimentos no no Brasil. Eles têm insegurança alimentar e o Brasil pode suprir isso. Se incorporarmos mais 40 milhões de hectares... Usamos da nossa produção agrícola 20 milhões de hectares só para atender o mercado chinês. Se incorporarmos mais 40 milhões de hectares, temos condição de abastecer mais duas vezes a demanda da China. Aí, provavelmente passaríamos a Europa em produção.

E o acordo UE-Mercosul?

Não vamos desistir. Apostamos na imagem do Brasil. Convidei o Aloysio Nunes, ex-chanceler e ex-senador, para trabalhar a imagem do Brasil junto ao parlamento europeu. Fazer com que a Europa veja que o governo do Brasil mudou, que não é mais sinônimo de desmatamento, de invasão de terras indígenas. Ao contrário. Com o trabalho da ministra Marina Silva, conseguimos mudar completamente o curso em áreas essenciais para a imagem do país, especialmente na Europa. O que estava contaminando era o crescimento do desmatamento e as invasões em áreas indígenas. Com isso resolvido, o Brasil pode chegar com mais autoridade ainda.

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