Os caminhos para a gestão eficiente
"Crise" faz parte do dicionário dos empreendedores brasileiros e, de vez em quando, a palavra é elevada à segunda potência, com os sobressaltos da economia global. Apesar dos tempos instáveis, algumas empresas têm encontrado caminhos para inovar e crescer.
São estratégias que passam por verticalização das cadeias produtivas, melhores usos das matérias-primas e diversificação de portfólio. Na segunda edição do programa Empresas com Melhor Gestão, introduzido no Brasil no ano passado, a Deloitte listou 12 companhias com práticas estruturadas que têm contribuído para impulsionar os negócios.
Globalmente, o projeto foi lançado há 29 anos e hoje é realizado em 46 países. Ao longo desse tempo, reconheceu mais de 1300 companhias, sendo 54% delas familiares.
O modelo nasceu como a proposta de analisar, a partir de alguns conceitos, o percurso que as empresas de capital fechado têm feito para adotar boas práticas. A premissa é simples: a partir de um certo tamanho, as companhias precisam de uma nova postura, com a criação de estruturas para fomentar a expansão do negócio de forma sustentável.
Para entender como as empresas estão evoluindo, a consultoria trabalha com quatro linhas de análise: estratégia e ESG; capacidade e inovação; cultura e compromisso; governança e finanças.
A participação na iniciativa é por convite e, além da disposição em compartilhar as informações, as empresas precisam atender a determinados critérios. Entre eles:
- Receita superior a 100 milhões de reais
- Ter balanço auditado nos últimos três anos
- Não pode ser listada (capital aberto) no Brasil e/ou fora do país
- Não ser regulada pelo BACEN
Neste ano, o estudo começou com 104 empresas no radar. Após uma fase preliminar de apuração e averiguação, 73 passaram pelo crivo da consultoria e receberam o convite. Ao longo processo, 18 chegaram à fase I, número que foi reduzido a 16 na etapa subsequente.
A avaliação final, com análise por um júri que contou com a participação da Singularity University e do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), fechou a lista contemplando 12 empresas.
Entre elas:
- A produtora de biodiesel BSBios, de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul
- A empresa do mercado sucroenergético Cocal, de Paraguaçu Paulista, São Paulo
- A varejista Gazin, de Douradina, no Paraná
- A empresa de processamento e distribuição de alimentos Masterboi, de Recife, Pernambuco
- A fabricante de alimentos Santa Helena, de Ribeirão Preto, São Paulo
- A produtora de carne de frango São Salvador Alimentos, de Itaberaí, Goiás
- A produtora de café 3Corações, de Fortaleza, no Ceará
As outras cinco também estiveram na edição de estreia do programa no ano passado: a cadeia de restaurantes Coco Bambu, de Fortaleza; a rede de drogarias Nissei, de Curitiba; a indústria de cosméticos e produtos farmacêuticos Farmax, de Divinópolis, Minas Gerais; e as cooperativas Agrária, de Guarapuava, e Cocamar, Maringá, dois municípios do Paraná.
As 18 participantes que avançaram até as fases finais recebem um relatório da consultoria com a análise das práticas de gestão e pontos de melhorias. E, as 12 escolhidas, um selo de reconhecimento.
Sócio da Deloitte e responsável por liderar o projeto no Brasil, Fabio Carneiro diz que nestas duas edições chama a atenção em cada história o nível de resiliência dos executivos e o grau de empreendedorismo das companhias.
“Tem umas histórias de gente que veio do nada, montou empresa e está na segunda, terceira geração da família”, afirma.
A EXAME entrevistou algumas dessas companhias para conhecer a história e as práticas que têm adotado em suas estrategias de expansão.
Governança - oxigenando a operação
O Brasil vive de planos e em um desses nasceu a Cocal, em 1980, em Paraguaçu Paulista. Com a introdução do programa Proálcool, em 1975, pelo governo federal como uma estratégia para diminuir a dependência do petróleo, o empresário Carlos Arruda Garms decidiu entrar no setor e produzir etanol.
De lá para cá, a história da Cocal é marcada pelo uso cada vez mais no detalhe sobre o que a cana-de-açúcar pode oferecer. Nos anos 90, entrou na cadeia de produção do açúcar e, uma década depois na geração de energia elétrica, a partir do bagaço da cana.
A movimentação mais recente foi a construção de uma planta de biogás, com investimento de R$ 150 milhões, na área industrial de Narandiba, no interior de São Paulo. Com produção a partir de dois resíduos da cana-de-açúcar - a vinhaça e torta de filtro -, o item pode ser transformado em energia elétrica ou biometano, uma alternativa sustentável para substituir o diesel e GNV.
O processo ainda gera o CO2 food grade, recurso usado em indústria de alimentos e bedidas. E os componentes usados da cadeia, a vinhaça e a torta de filtro, voltam para o campo como biofertilizantes.
Uma estratégia de inovação que procura agregar mais valor à cana-de-açúcar, chamada na Cocal de “Benção de Deus”, e construir uma cadeia de circularidade. Para colocar o projeto de pé, a empresa foi buscar referências e tecnologias fora do país.
“A tecnologia é e a produção são coisas que estão na vanguarda. Além disso, você tem que ter toda a estrutura de investimento na gestão e nas pessoas porque são tecnologias que a gente também não conhecia, não era o nosso core”, afirma Ruben Guimarães, diretor de Gente e Gestão da Cocal. Uma nova planta de biogás está em construção em Paraguaçu Paulista, onde tudo começou.
Executivo na companhia há mais de nove anos, Guimarães é também uma testemunha das transformações pelas quais a Cocal tem passado. Os controladores, os quatro irmãos filhos do fundador da companhia, decidiram sair da gestão da empresa em 2015, optando pela contratação de profissionais de mercado e ocupando posições no conselho de administração e comitês.
A estratégia ajudou a oxigenar e acelerar o negócio, que tem apresentado um ritmo de crescimento médio no faturamento anual de 17,8% nos últimos 5 anos. Na safra 2022/2023, a Cocal está encerrando com R$ 2,5 bilhões, tendo como principais produtos o açúcar, vendido no mercado externo, e o etanol, respectivamente.
Em paralelo ao desenvolvimento das inovações, a empresa tem investido para criar os canais de o escoamento dos produtos - algumas vezes em parceria com outras companhias. Com a GasBrasiliano, fez o gasoduto de biometano que leva o combustível até Presidente Prudente e cidades próximas. E a Raízen é parceira na distribuição da energia gerada a partir do biogás.
Para os próximos anos, o direcionamento é de reforçar o ritmo do negócio. “O nosso planejamento estratégico até 2026 fala muito sobre inovação, ESG, sustentabilidade do negócio e gestão contemporânea”, diz Guimarães. Entre os objetivos, novas oportunidades de mercado e investir para aumentar a produtividade agrícola da cana de açúcar por hectare.
Cultura e Inovação - de grão em grão
Principal empresa de biodiesel do país, a BSBios realizou a primeira exportação em escala comercial do biocombustível do Brasil aos Estados Unidos no início deste mês. Mais um passo na estratégia de inovação da companhia, também pioneira no comércio do produto com a União Europeia em 2012.
Criada em 2005 pelo empresário Erasmo Carlos Battistella na cidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, a empresa produz biodiesel a partir do uso de oleaginosas, gorduras animais e óleos reciclados. A expansão foi rápida ao longo dos anos, em parte pela parceria com a Petrobras Biocombustível, com a qual manteve sociedade entre 2009 e 2020.
A empresa opera a partir de unidades em Passo Fundo (RS) e Marialva (PR) e também na Suiça, onde mantém uma unidade de produção. O país também funciona como um hub para acelerar a expansão internacional, um processo que tem recebido mais impulso desde a saída da Petrobras do negócio. Hoje, 10% do faturamento vem da exportação.
Foi a partir deste cenário que a BSBios anunciou a aquisição do Complexo Industrial La Paloma, empresa de esmagamento de soja e produção de biodiesel no Paraguai no começo do ano. No país vizinho, conduz ainda o projeto de construção da biorrefinaria Omega Green, que será responsável por produzir biocombustíveis avançados, como diesel verde, bioquerosene de aviação e a nafta verde.
Em outra frente de investimentos, anunciou na construção de uma usina de etanol com cereais de inverno como o trigo e a triticale, usando variantes que não são adequadas ao consumo humano. A unidade, que receberá recursos de mais de R$ 300 milhões, fica em Passo Fundo e terá a capacidade instalada de 220 milhões de litros de etanol e 155 milhões de toneladas por ano de farelo para a cadeia de proteína animal.
As movimentações mostram o apetite da companhia para atuar em um mercado novo e dinâmico como o de biocombustíveis, de acordo com Battistella. “Nós temos uma busca diária por inovação em todas as áreas porque o mercado é extremamente competitivo e nós temos excelentes companhias como concorrentes”. Atualmente, a companhia tem uma capacidade de produzir 948,6 milhões de litros de biodiesel por ano.
A estratégia é impulsionada a partir do desenvolvimento de uma cultura com foco no longo prazo e que tem investimento na formação e na retenção de talentos e no desenvolvimento de lideranças dentro de casa.
“Nós estamos num processo de crescimento dentro do Brasil, mas também de internacionalização da empresa e esse processo acontece por causa das pessoas que nos ajudam diariamente a vencer o desafios, tomar decisões corretas e avançar nesse processo”, afirma.
Em 2022, a BSBios encerrou com faturamento de R$ 9,6 bilhões, alta de 9% em relação ao ano anterior. Para este ano, a expectativa é de crescer em torno de 6%.
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Inovação - R$ 200 milhões para alimentar novos processos
Foi da parceria entre o genro e o sogro que sugeriu um negócio que movimentou mais de 3,2 bilhões de reais em 2022. A São Salvador Alimentos nasceu em Itaberaí, no interior do estado de Goiás, há mais de 30 anos oferecendo produtos alimentícios oriundos do frango.
A ave continua sendo o carro-chefe da companhia, que tem no estado de Goiás e no Distrito Federal os principais destinos no mercado interno com 77% do consumo em 2022. A operação está ancorada em duas marcas, a Super Frango e a Boua, uma bandeira guarda-chuva para produtos feitos a partir de vegetais, peixes, linguiças e cortes suínos.
Como estratégia para crescer na região, a São Salvador optou por trabalhar com varejos pequenos como restaurante, bares, mercearias e empórios, responsáveis pelo faturamento de 80% do negócio interno. Grandes redes como Assai e Atacadão ficam com um volume menor e geram em torno de 20%.
Além disso, a companhia tem na exportação outro importante ativo, origem de 30% da receita. Os seus produtos in natura chegam a mais de 75 destinos e têm em países asiáticos e europeus os principais mercados.
Um avanço e tanto para uma história que começou com uma granja em 1971, fundada por Carlos Vieira, o sogro de Zé Garrote - ou José Carlos Garrote de Souza –, que entraria para o negócio quando uma década depois. Juntos, criaram Abatedouro São Salvador Ltda, semente para o lançamento em 1991 do que é hoje a companhia.
Ao longo do tempo, a companhia foi verticalizando boa parte da cadeia produtiva, com unidades de rações, grãos e incubatório para aves, além de granjas parceiras. Um caminho para ter dentro de casa uma parte expressiva do que precisa e reduzir os custos. Diariamente, a São Salvador abate mais de 400 mil animais.
Em paralelo, investe cada vez mais em inovação para conectar todas as pontas da cadeia. Em 2023, deve colocar na rua mais de 200 milhões em investimentos na estrutura, de acordo com números de Leopoldo Viriato Saboya, CFO da companhia.
“A gente inova muito em processos, buscando o que pode ser automatizado e tem um número relativamente grande de engenheiros de automação buscando aquele conceito da indústria 4.0 real”, afirma.
Entre os exemplos de projetos em curso, está o desenvolvimento de uma tecnologia de fabricação de nuggets sem fritura e ainda, em MVP, uma solução para captar melhor as informações sobre os lotes de aves e planejamento do momento mais adequado para o abate.
O ganho de musculatura ao longo dos anos mira um passo maior no território nacional. A São Salvador tem o desejo de abrir o capital há alguns anos. O lançamento da oferta quase veio no início de 2021, mas a segunda onda de Covid-19 impediu. Com o mercado mais travado economicamente, a empresa resolveu esperar. “Quando o mercado voltar e se fizer sentido, a gente vai continuar”, diz Saboya.
Compromisso - rumo aos 10 bilhões de reais
Mais conhecido do público final, o Grupo 3 Corações conta com um portfólio de mais de 30 marcas e se prepara para atingir a marca de 10 bilhões em faturamento bruto ao longo de 2023. Em 2022, o valor em 9,7 bilhões de reais, alta de 43% em relação ao exercício anterior.
Os números são resultados de uma estratégica mais arrojada de crescimento e aquisições a partir dos anos 2000. Antes, o ritmo da empresa criada em 1959 por João Alves de Lima, em São Miguel, cidade no interior do Rio Grande do Norte, era outro. Tanto que a primeira expansão ocorreu apenas em 1990, com a fábrica em Eusébio, no Ceará, já sob o comando dos filhos que assumiram a operação em 1984.
Um bom exemplo é que até 1996 a empresa tinha uma única marca, a Santa Clara. A primeira aquisição foi do Café Kimimo, forte no mercado potiguar, um dos marcos no redesenho da estratégia.
“A década de 90 foi, de fato, a preparação do ambiente organizacional para a expansão que iniciou-se a partir dos anos 2000 e vem acontecendo até hoje”, afirma Pedro Lima, presidente Grupo 3corações.
Com marcas como a homônima 3 Corações, Santa Clara, Pimpinela, Kimimo, Letícia, Fino Grão, Itamaraty, Iguaçu e Cruzeiro, o conglomerado detém posições de destaque no mercado nacional.
De acordo com dados da Nielsen, lidera na categoria café torrado e moído com 32% de participação e em cappuccino 60%. Em café solúvel, fica com o segundo lugar, próximo a 35%.
Na divisão de receita, 70% vêm da comercialização café torrado e moído. Os 30% restantes estão distribuídos entre os demais produtos da casa. Nesta conta, entra também o resultado com o mercado externo, representando entre 6% e 7% do faturamento da holding, com a compra de café verde e ainda itens industrializados.
A trajetória tem sido potencializada pelo investimento na verticalização da cadeia, elemento-chave na expansão do grupo. “Temos uma plataforma comercial e de logística com estrutura própria desde a compra de grãos de café verde, passando pela industrialização, comercialização e distribuição do produto”. A área, inclusive, deve receber novos investimentos neste ano e passar por ampliação.
Na pesquisa da Deloitte, o grupo se destaca também na área de cultura e compromisso, dimensão que contemplam a forma como desenvolve a relações internas com os mais de 9 mil funcionários. “Queremos também ampliar o impacto positivo em toda a cadeia produtiva do café e fazer a diferença”, diz.
Estratégia e ESG - De um mercado público para o mundo
A história de Masterboi tem origem no mercado público de Afogados, no Recife. Nelson Bezerra começou aos 16 anos vendendo carnes em box. Anos depois, aos 18, chegou a irmã Guilhermina. Vindo de uma família simples de Gonçalves Ferreira, distrito da cidade de Caruaru, aprenderam o ofício com o pai que viajava à capital para comercializar as carnes.
Do box, migraram para uma casa e hoje comandam uma empresa que faturou 2,8 bilhões de reais em 2022, um crescimento de quase 30% em relação ao ano anterior. Da venda de carne bovina, o negócio nascido em 2000 tem incrementado as estratégias ano a ano. O portfólio conta com 800 itens e inclui de espetinhos, carne de sol, charqueados, aves, suínos, embutidos, laticínios, ovinos a pescados, crustáceos e vegetais.
“Quando começamos a ampliar o leque de clientes, percebemos uma demanda e necessidade do mercado para aumentar o nosso mix de produtos. Foi fluindo naturalmente. E aí entra o aspecto comercial e a visão de Nelson. Ele nunca disse que não tinha, e sim que estava para chegar”, afirma Andrea Geraldi, gestora financeira na Masterboi.
Para manter o crescimento, a empresa conta com três frigoríficos, distribuídos por Pará, Tocantins e Pernambuco, o mais recente e inaugurado no ano passado.
As unidades são as responsáveis por fornecer os produtos que atendem tanto o mercado doméstico - seja com marcas próprias seja como private label -, quanto o internacional. A marca está habilitada a vender para mais 40 países e 20% da receita é oriunda da exportação.
Com uma cadeia quase totalmente alimentada por terceiros - 99% dos animais são comprados de criadores rurais -, a empresa teve que estruturar um plano rígido de ESG. “Tem pessoas que falam com bastante propriedade sobre as três siglas. Mas, mais importante que falar, é a prática, é fazer. É o que está na nossa essência”, afirma Guilhermina Bezerra.
Hoje, a Masterboi desenvolve ações em 16 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os ODS. Também assinou termos de compromisso sobre a não aquisição de gado oriundo de áreas de desmatamento e investiu em sistema de reaproveitamento hídrico de 100%.
“Não só fazemos o tratamento dos efluentes, mas esses efluentes também estão em um sistema de fertirrigação e são devolvidos para a terra onde o gado está pastando”, diz Sandra Catchpole, coordenadora de ESG e Compliance da empresa.
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Créditos
Marcos Bonfim
Repórter de Negócios
Formado em jornalismo pela PUC-SP e com pós em Política e Relações Internacionais pela FESPSP, escreve sobre negócios desde 2022. Acumula passagens por veículos como Meio & Mensagem, Propmark e UOL