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Com Congresso hostil, mercado esboça blindagem a Haddad

Lira e Pacheco abraçam causas do empresariado e travam agenda da arrecadação

 ( Hollie Adams/Bloomberg/Getty Images)
( Hollie Adams/Bloomberg/Getty Images)

Fernando Haddad depende do aval do mercado para enfrentar o núcleo desenvolvimentista do PT, assim como os agentes financeiros precisam dele no cargo para travar a guinada na política econômica no biênio em que Lula tentará pavimentar o percurso de uma reeleição.

Esse casamento de interesses começou frio na transição de governo, foi apimentado com a célere aprovação do arcabouço fiscal, mas exige "DRs" regulares. No momento de mais aguda fragilidade do ministro, é chegada a hora de rediscutir a relação mirando, sobretudo, a redução de danos.

Se é quase impossível produzir consensos entre a agenda econômica do Planalto e a da Faria Lima, que sejam colocadas na mesa as hipóteses de mínima convergência para controle dos gastos públicos.

É nesse contexto que vem sendo esboçada uma operação de blindagem ao ministro desde que o titular da Fazenda sofreu, nesta semana, o que Brasília apelidou de "atropelamento político" com sucessivas derrotas dentro da Esplanada e no Congresso Nacional.

A senha foi dada pela cirúrgica declaração de Haddad, nesta quinta-feira, prometendo uma “ampla, geral e irrestrita revisão de despesas”.

Em situações normais de temperatura e pressão, a frase seria recebida como bravata nas mesas de operações de fundos e bancos. O que se viu, contudo, foi um esforço substantivo e estratégico dos operadores do mercado para endossá-la como antídoto para uma degradação mais acentuada do câmbio e dos ativos.

Se não há mais paixão no relacionamento mercado-Haddad, a tendência é de que o enlace seja regado pelo pragmatismo. O mercado sabe que a pauta lulista é estimular o investimento público e vê Haddad isolado e sem forças para deter o ímpeto expansionista que prevalece no Planalto.

Ocorre que as alternativas disponíveis ao ministro no comando da pasta são vistas como um passaporte para o descalabro fiscal.

Diante do quadro, a avaliação geral é a de que defender Haddad é a única opção factível, ainda que as mensagens direcionadas para o corte de gastos, sobretudo os de natureza social como saúde e educação, sejam meros subterfúgios para driblar a crise de confiança em curso.

Onde pega

O combo de reveses legislativos e fritura palaciana ao chefe da equipe econômica é alimentado pelo presidente Lula, que insiste na retórica em defesa do ajuste fiscal pela arrecadação, amplamente questionada pelos parlamentares e pelo empresariado.

Se Lula não protege como deveria seu ministro da Fazenda e prefere arbitrar contendas ideológicas com a esquerda sem macular sua base social, os bombeiros de sempre se apresentam para a tarefa.

O que se vê hoje na Esplanada dos Ministérios é uma força-tarefa informal para minimizar as falas estridentes do presidente e brecar o azedume geral dos fundamentos macroeconômicos.

Aliados de Haddad, como a ministra Simone Tebet (Planejamento) e o vice-presidente Geraldo Alckmin, se unem a titulares do primeiro escalão de partidos que gravitam na base governista numa espécie de corrente de solidariedade a Haddad. Até o discreto Renan Filho, um dos expoentes do MDB do Nordeste, resolveu abandonar o silêncio obsequioso para advogar a causa haddadista.

Causa e efeito

O problema adicional para Haddad é que, na reta final de seus mandatos, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, principais dirigentes do Congresso Nacional, escolheram um lado.

Ambos abraçaram as causas do empresariado para criar um foco de resistência às medidas gestadas pela administração Lula 3, reduzindo a já apertada margem de atuação do presidente.

Nas últimas semanas, os exemplos dessa conduta se proliferam.

Lira operou com desenvoltura os interesses do varejo brasileiro ao impor ao Executivo a chamada "taxação das comprinhas", que Lula terá possivelmente de sancionar, arcando com o ônus político da medida.

O deputado, que lidera o centrão, ajudou a inserir em convergente projeto pró-indústria automotiva um "aditivo" estranho ao escopo da propositura original, o que garantiu aprovação simbólica em ritual que durou 15 segundos em plenário.

Pacheco, por sua vez, atuou com vigor para derrotar o governo na agenda da reoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia e agora tomou a decisão de devolver a MP do PIS/Cofins, que deflagrou uma rebelião contra Lula no setor produtivo.

Na liturgia dos poderes da capital, a devolução de Medidas Provisórias significa um sinal amarelo para a governabilidade. Não se trata de um gesto comum –ao contrário, é a sexta negativa feita pelo Legislativo desde a redemocratização.

E dá exata dimensão do eco que os protestos de expoentes do PIB nacional encontram num Congresso de maioria oposicionista.

No vácuo da articulação política lulista, o setor privado procura com assiduidade cada vez maior os próceres do Congresso: planos de saúde, empresas varejistas e segmentos agora impactados pela regulamentação da reforma tributária não hesitam em buscar em Lira e Pacheco a interlocução necessária para atendimentos de suas demandas.

A resistência do parlamento só é possível porque o governo perdeu a autonomia na execução orçamentária e as emendas, que eram historicamente o principal instrumento de formação de maioria no presidencialismo de coalizão, deixaram de ser pagas de forma discricionária pelo Executivo.

Cada parlamentar tem assegurada sua cota de recursos para fazer política nas bases eleitorais, independentemente do apoio ou não às pautas governistas. E mais: a ocupação de cargos na Esplanada dos Ministérios, antes alvo da cobiça dos partidos, deixou de ser atrativa para a classe política em razão do fortalecimento dos órgãos de controle e da minguante fatia de verbas de uso livre pelas pastas.

Os superpoderes conferidos ao Congresso desde 2015, pouco antes do impeachment de Dilma, fazem com que as vagas mais cobiçadas da dinâmica política no país hoje sejam as de presidente da Câmara e do Senado, pois nessas cadeiras é que se decide a alocação de recursos federais, as prioridades de políticas públicas, além dos temas inerentes à regulação e à tributação.

No limite

Lula, habituado a ter fluida relação com o Legislativo nas suas primeiras gestões, ainda não se conectou ao novo mecanismo de construção de maioria e se nega a ser um "semipresidente", condição aceita, por razões distintas, pelos imediatos sucessores de Dilma Roussef –Michel Temer e Jair Bolsonaro.

A consequência objetiva, para além da angústia do núcleo duro palaciano, é o esvaziamento de Haddad. O ministro vinha se capitalizando politicamente com a estreita relação com os congressistas no primeiro ano da terceira gestão lulista, mas tem ouvido deles que a conhecida "sociedade" com o Executivo nos gastos não se reproduzirá na obtenção de novas fontes de receita para o cumprimento das regras fiscais.