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Safra, o último banqueiro raiz

Esses banqueiros à moda antiga tinham um sangue frio ímpar, que os fez conduzir suas entidades mesmo sob uma inflação de 80% ao mês

Joseph Safra: libanês naturalizado brasileiro era o banqueiro mais rico do mundo (Epitácio Pessoa/Divulgação)
BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 11 de dezembro de 2020 às 08h44.

Última atualização em 11 de dezembro de 2020 às 09h44.

Quando comecei no jornalismo, de década de 80, havia uma estirpe de banqueiros totalmente diferente da atual. Alguns eram fundadores de suas instituições, outros herdeiros e, por fim, havia ainda executivos que mandavam muito nas casas bancárias. Foi uma geração moldada pelos solavancos políticos e econômicos do Brasil, que culminaram com a hiperinflação de 30 anos atrás. Estes momentos trouxeram resiliência, flexibilidade e solidez ao sistema financeiro brasileiro, que foi sacudido pelas quebras de algumas joias da coroa, como os extintos Comind, Nacional e Bamerindus.

De todo esse grupo, foi-se ontem o último representante dessa leva de banqueiros raiz, o libanês Joseph Safra – não à toa, considerado o homem mais rico do Brasil. Morto aos 82 anos, Safra era o caçula de uma geração que contou com Olavo Setúbal (Itaú), Amador Aguiar (Bradesco), Aloysio Faria (primeiro Real, depois Alfa), José de Magalhães Pinto (Nacional) e o embaixador Walther Moreira Salles (Unibanco).

Esses financistas viram o sistema inchar, nos anos 90, mas não chegaram a testemunhar a consolidação das instituições que recentemente aconteceu. O único a presenciar tal fenômeno foi o “seu José”, como Safra era conhecido pelos funcionários de sua instituição, fundada pelo pai, Jacob.

O que faz dele alguém diferente dos demais sucessores? Geralmente um herdeiro bem sucedido quebra paradigmas jamais imaginados por seus antepassados e consegue multiplicar sua fortuna pela inovação e adaptação aos novos tempos. Joseph Safra, no entanto, se manteve conectado à tradição de sua família e não patrocinou grandes rupturas dentro de seus negócios. Pelo contrário: herdou o conservadorismo ensinado pelo pai e manteve-se fiel a essa escola até o final.

Esses banqueiros à moda antiga tinham um sangue frio ímpar, que os fez conduzir suas entidades mesmo sob uma inflação de 80 % ao mês. A partir do Plano Real, em 1994, o dragão inflacionário foi domado. Muitos vaticinaram o fim dos bancos por conta de sua dependência da chamada ciranda financeira. Mas essas instituições continuaram de pé, até porque surfaram uma onda de juros bastante altos. Recentemente no ano passado, porém, as taxas começaram a cair e muita gente apostou, mais uma vez, no fechamento dessas entidades bancárias.

Joseph Safra e seus colegas de armas viveram muitas dessas fases. Neste processo, desafios – como o do Plano Collor, que deixou pessoas físicas e jurídicas com pouquíssimo dinheiro nas contas bancárias – foram vencidos e depois superados.

Safra sempre foi um filantropo sensível às causas da comunidade judaica, à qual pertencia, e tinha predileção especial pela culinária francesa. Ao contrário de muitos colegas do ramo financeiro, gostava de uma mesa impecavelmente limpa e era organizado o suficiente para mantê-la quase que imaculada até o final do expediente. Não gostava de computadores e acreditava que seu principal instrumento de trabalho era o telefone, no qual articulava negócios em diversas línguas (era fluente em português, inglês, francês, espanhol, italiano, árabe e hebraico).

A geração de Safra foi marcada por rivalidades entre bancos, executivos de uma mesma instituição e até membros de uma só família. Contudo, apesar de suas diferenças com Edmond, o irmão mais velho, tinha verdadeira adoração por ele. “Ele é mais que um irmão, é quase um pai para mim”, disse aos amigos quando soube da morte de Edmond, em 1999 (teve outro irmão, Moise, falecido em 2014).

Com Joseph Safra se vai um tipo de diferente de banqueiro. Não gostava de sócios e evitava aquisições. Preferia crescer sempre na base do “devagar e sempre” e era obcecado por reduzir os riscos de suas operações. A discrição era algo que estava em seu DNA como a riqueza – a fortuna da família data de mais de 150 anos atrás. Por conta disso, construiu sua casa em meio a um terreno gigantesco no Morumbi. Só que a residência, por ter 11 000 metros quadrados construídos, atraiu holofotes. Depois que a imprensa começou a noticiar o tamanho de sua mansão, “seu José” confidenciou aos mais próximos que estava arrependido de ter erguido um local tão grande.

Seus herdeiros vão dividir uma fortuna superior a R$ 100 bilhões. É dinheiro suficiente para manter a família rica por mais 150 anos – e gastando bastante. Mas o que se espera desta nova geração é a continuidade do que pregava Joseph, que gostava de citar três lições ensinadas pelo pai: “Construa o seu negócio como um navio: sólido para enfrentar tempestades; mantenha alta liquidez; e nunca seja o maior. Os raios atingem primeiro as árvores mais altas da floresta”.

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Quando comecei no jornalismo, de década de 80, havia uma estirpe de banqueiros totalmente diferente da atual. Alguns eram fundadores de suas instituições, outros herdeiros e, por fim, havia ainda executivos que mandavam muito nas casas bancárias. Foi uma geração moldada pelos solavancos políticos e econômicos do Brasil, que culminaram com a hiperinflação de 30 anos atrás. Estes momentos trouxeram resiliência, flexibilidade e solidez ao sistema financeiro brasileiro, que foi sacudido pelas quebras de algumas joias da coroa, como os extintos Comind, Nacional e Bamerindus.

De todo esse grupo, foi-se ontem o último representante dessa leva de banqueiros raiz, o libanês Joseph Safra – não à toa, considerado o homem mais rico do Brasil. Morto aos 82 anos, Safra era o caçula de uma geração que contou com Olavo Setúbal (Itaú), Amador Aguiar (Bradesco), Aloysio Faria (primeiro Real, depois Alfa), José de Magalhães Pinto (Nacional) e o embaixador Walther Moreira Salles (Unibanco).

Esses financistas viram o sistema inchar, nos anos 90, mas não chegaram a testemunhar a consolidação das instituições que recentemente aconteceu. O único a presenciar tal fenômeno foi o “seu José”, como Safra era conhecido pelos funcionários de sua instituição, fundada pelo pai, Jacob.

O que faz dele alguém diferente dos demais sucessores? Geralmente um herdeiro bem sucedido quebra paradigmas jamais imaginados por seus antepassados e consegue multiplicar sua fortuna pela inovação e adaptação aos novos tempos. Joseph Safra, no entanto, se manteve conectado à tradição de sua família e não patrocinou grandes rupturas dentro de seus negócios. Pelo contrário: herdou o conservadorismo ensinado pelo pai e manteve-se fiel a essa escola até o final.

Esses banqueiros à moda antiga tinham um sangue frio ímpar, que os fez conduzir suas entidades mesmo sob uma inflação de 80 % ao mês. A partir do Plano Real, em 1994, o dragão inflacionário foi domado. Muitos vaticinaram o fim dos bancos por conta de sua dependência da chamada ciranda financeira. Mas essas instituições continuaram de pé, até porque surfaram uma onda de juros bastante altos. Recentemente no ano passado, porém, as taxas começaram a cair e muita gente apostou, mais uma vez, no fechamento dessas entidades bancárias.

Joseph Safra e seus colegas de armas viveram muitas dessas fases. Neste processo, desafios – como o do Plano Collor, que deixou pessoas físicas e jurídicas com pouquíssimo dinheiro nas contas bancárias – foram vencidos e depois superados.

Safra sempre foi um filantropo sensível às causas da comunidade judaica, à qual pertencia, e tinha predileção especial pela culinária francesa. Ao contrário de muitos colegas do ramo financeiro, gostava de uma mesa impecavelmente limpa e era organizado o suficiente para mantê-la quase que imaculada até o final do expediente. Não gostava de computadores e acreditava que seu principal instrumento de trabalho era o telefone, no qual articulava negócios em diversas línguas (era fluente em português, inglês, francês, espanhol, italiano, árabe e hebraico).

A geração de Safra foi marcada por rivalidades entre bancos, executivos de uma mesma instituição e até membros de uma só família. Contudo, apesar de suas diferenças com Edmond, o irmão mais velho, tinha verdadeira adoração por ele. “Ele é mais que um irmão, é quase um pai para mim”, disse aos amigos quando soube da morte de Edmond, em 1999 (teve outro irmão, Moise, falecido em 2014).

Com Joseph Safra se vai um tipo de diferente de banqueiro. Não gostava de sócios e evitava aquisições. Preferia crescer sempre na base do “devagar e sempre” e era obcecado por reduzir os riscos de suas operações. A discrição era algo que estava em seu DNA como a riqueza – a fortuna da família data de mais de 150 anos atrás. Por conta disso, construiu sua casa em meio a um terreno gigantesco no Morumbi. Só que a residência, por ter 11 000 metros quadrados construídos, atraiu holofotes. Depois que a imprensa começou a noticiar o tamanho de sua mansão, “seu José” confidenciou aos mais próximos que estava arrependido de ter erguido um local tão grande.

Seus herdeiros vão dividir uma fortuna superior a R$ 100 bilhões. É dinheiro suficiente para manter a família rica por mais 150 anos – e gastando bastante. Mas o que se espera desta nova geração é a continuidade do que pregava Joseph, que gostava de citar três lições ensinadas pelo pai: “Construa o seu negócio como um navio: sólido para enfrentar tempestades; mantenha alta liquidez; e nunca seja o maior. Os raios atingem primeiro as árvores mais altas da floresta”.

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