Trombose? Risco de vacina da covid-19 é menor que de anticoncepcional
Após ocorrência de casos raros de trombose associados à vacina da AstraZeneca e investigação sobre o mesmo efeito com a Johnson & Johnson, médicos alertam que o risco é extremamente baixo
Carolina Riveira
Publicado em 13 de abril de 2021 às 16h59.
Última atualização em 14 de abril de 2021 às 10h03.
Tomar a vacina contra o coronavírus pode levar a risco de trombose? Não mais do que usar pílulas anticoncepcionais, fumar cigarros ou ser internado com covid-19.
É o que reforçam pesquisadores após a FDA, agência reguladora americana, recomendar a paralisação temporária da aplicação da vacina da Johnson & Johnson enquanto investiga seis casos de trombose entre milhões de vacinados. A pausa foi feita por precaução, segundo a agência, e de modo a informar os médicos sobre como tratar esses casos específicos.
Os números apresentados até agora mostram que a vacina é segura e os casos de coágulo sanguíneo, muito raros.
À EXAME, o professor Amesh Adalja, do Center for Health Security da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, aponta que o risco é menor do que o de desenvolver trombose ao fazer uso de anticoncepcional oral e, sobretudo, menor do que o risco de ter uma forma grave da covid-19, o que a vacina previne.
No caso da vacina da Johnson & Johnson, foram encontrados 6 casos após quase 7 milhões de doses administradas, isto é, menos de 1 caso por milhão ou taxa de 0,0001%. Para a vacina da AstraZeneca, a ocorrência foi de 1 caso a cada 250.000, ou taxa de 0,0004%.
"Com a vacina da J&J, estamos falando sobre 6 casos de mais de 6 milhões de doses administradas. Este é realmente um risco minúsculo e empalidece em comparação com outros riscos de coágulo sanguíneo, como anticoncepcionais orais ou a própria covid. Grande parte da mesma análise pode ser aplicada à vacina AstraZeneca também", diz Adalja, que estuda assuntos relacionados à segurança em saúde.
Os casos de trombose têm especificidades diversas, de modo que não são necessariamente comparáveis entre si os casos relativos a anticoncepcionais e os vistos com a vacina. Mas os números sobre a ocorrência nas populações colocam o tema em perspectiva.
Um estudo referência nos EUA mostrou que a ocorrência de trombose entre adolescentes fazendo uso de pílula anticoncepcional tem taxa de até 0,05%.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aponta também que mulheres usando alguns tipos de medicamento anticoncepcional têm um risco de 4 a 6 vezes maior de desenvolver tromboembolismo venoso do que as que não usam o remédio.
O tema é conhecido entre o público feminino que faz uso dos medicamentos, e a relação entre riscos de trombose e os anticoncepcionais orais é estudada desde os anos 1960, sobretudo nas últimas décadas. No entanto, o risco é matematicamente muito menor do que o de uma gravidez indesejada caso não se faça uso de contraceptivo, segundo os estudos.
Em outra frente, para pessoas fumantes (homens e mulheres), a taxa de ocorrência de trombose associada ao risco de fumar é de 1.763 casos por milhão, isto é, cerca de 0,18%, também muito maior do que os números mostram até agora sobre as vacinas.
Assim, em meio ao risco das variantes do coronavírus e à alta em casos que voltou a ocorrer no mundo -- e em especial em países como o Brasil --, a presença das vacinas se torna ainda mais urgente, dizem especialistas.
"É preciso ter em perspectiva que é algo raríssimo, que com certeza o seu risco pegando covid é maior", disse à EXAME a epidemiologista Denise Garrett, ex-integrante do Centro de Controle de Doenças (CDC) do Departamento de Saúde dos Estados Unidos e atual vice-presidente do Sabin Vaccine Institute.
Estudo do Winton Centre for Risk and Evidence Communication, da Universidade de Cambridge, mostrou que o risco de internação por covid-19 no Reino Unido é muito maior do que o risco de aparecimento de trombose relacionada à vacina sobretudo se a exposição ao vírus for média ou alta, o que é especialmente o caso de locais com momento de alta nos contágios ou de pessoas que não podem se isolar.
"Uma complicação é que enquanto o risco de dano pela vacina é de 'uma vez', o risco de dano pela covid-19 é diário: toda vez que você sai e encontra outras pessoas, está exposto à chance de pegar", diz Alexandra Freeman, diretora executiva do Winton Centre.
"Se não há outra vacina disponível, então quantos dias você teria de esperar por uma alternativa? Quais riscos teria de correr para esperar?", questiona, afirmando que esses fatores precisam ser levados em conta para discutir o risco individual de não se vacinar. "Há riscos associados às vacinas, mas assim como há para qualquer intervenção médica."
No Brasil, por exemplo, a taxa de mortalidade da covid-19 beira os 3%, muito acima da taxa de ocorrência de coágulos, sendo ainda maior para os mais velhos. São problemas também as sequelas que têm perdurado mesmo depois que o paciente se recupera da doença, como perda da capacidade respiratória.
"Todas as vacinas têm um cálculo de risco-benefício", aponta Adalja, da Johns Hopkins. "Em meio a uma pandemia que ainda está matando a uma taxa muito alta, as vacinas J&J e AstraZeneca são seguras e eficazes e muito favorecidas no cálculo de risco-benefício."
A própria ocorrência de coágulos sanguíneos e trombose venosa é relativamente comum na população mundial, muito antes das vacinas. Nos Estados Unidos, a estimativa é que sejam 1 ou 2 casos a cada 1.000 habitantes (até 900.000 por ano), segundo estudo usado como referência pelo CDC.
Já entre os infectados com covid-19 que terminam sendo hospitalizados, a taxa de trombose é de 16,5%, segundo mostrou estudo com pacientes. Apesar disso, pelos estudos até agora, não está claro se há relação direta entre a covid-19 e a ocorrência de trombose.
No comunicado desta terça-feira, os reguladores nos EUA deram também recomendações sobre como médicos devem tratar os pacientes que apresentarem casos raros relacionados à vacina (somente a J&J está sendo usada no país, ao lado das vacinas de Pfizer e Moderna).
Por ora, no caso da J&J, a própria relação entre os casos de trombose e a vacinação não está confirmada. O CDC fará reunião nesta quarta-feira, 14, para discutir o tema. No caso da AstraZeneca, a EMA, reguladora europeia, confirmou que os coágulos são um raro efeito colateral da vacina, mas seguiu recomendando a vacinação por afirmar que os "benefícios superam muito os riscos".
Pelas evidências existentes até agora, os casos se mostram mais comuns em mulheres e jovens. Nos EUA, por exemplo, todos os seis casos foram em mulheres entre 18 e 48 anos. Essas evidências, que ainda serão melhor estudadas, fizeram alguns países europeus passarem a usar a vacina da AstraZeneca apenas em pessoas acima de 60 anos.
Para Garrett, do Sabin, esse tipo de alerta mostra a seriedade dos reguladores com relação às vacinas. "O fato de estarem investigando é um ponto a favor das agências reguladoras, mostra que estão sendo transparentes e isso significa que a população pode ficar absolutamente segura quanto à seriedade dos estudos", diz.
Com o Brasil reportando mais de 4.000 mortes diárias por covid-19 e o país em sua pior fase da pandemia, a professora Alicia Kowaltowski, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, reforça: "Os riscos são muito baixos, e os benefícios imensos. Eu tomaria a vacina J&J (ou qualquer outra disponível) de olhos fechados."