Um bolo começa a queimar no forno. O cheiro, que antes seria o suficiente para Adrielly Faccioli, 27 anos de idade, levantar para ver o que estava acontecendo, hoje em dia se tornou praticamente impossível de perceber --- tudo por causa das sequelas que a infecção pelo novo coronavírus deixou em sua vida.
Diagnosticada com covid-19 em agosto do ano passado, Faccioli começou a sentir os primeiros sintomas, como a tosse seca, calafrios durante a noite e uma leve falta de ar. Em pouco tempo, eles escalaram para uma falta de olfato e de paladar, sintomas comuns em pacientes infectados pela covid-19. Sintomas que não passaram até hoje, mesmo quase seis meses após a infecção.
“Álcool em gel, amaciante de roupas, meu perfume favorito, desodorante, entre outros produtos, agora têm um cheiro em comum, desagradável e característico que não se assemelha a outros que já senti. Pães, leite em pó, batata, vinho, café… todos têm um gosto ruim, totalmente descaracterizado do que de fato é, perderam seu sabor”, afirma Faccioli, moradora de Osasco, na Grande São Paulo.
O mesmo aconteceu com a designer paulistana Giovanna Zancope, de 22 anos. Diagnosticada em dezembro, Zancope até o momento não voltou a sentir o sabor e os cheiros, que foram alterados significativamente. “Consigo sentir o fundo dos aromas quando chegam muito perto do nariz. Já sobre o paladar, dá para saber quando os alimentos são bem salgados ou bem doces, mas nenhum tem gosto próprio. Não consigo mais distinguir o que é”, diz.
O pai de Zancope, que também teve covid-19 na mesma época, se recuperou de todos os sintomas no mesmo período que ela. Nem ela e tampouco Faccioli foram internadas por conta do Sars-CoV-2 (nome científico do vírus da covid-19), e tiveram apenas um quadro leve da doença.

Fátima Pereira: aos 58 anos de idade, ela ainda não se recuperou totalmente do quadro moderado de covid-19 (Germano Lüders/Exame)
A perda do olfato e do paladar não são os únicos efeitos silenciosos causados pela covid-19. Em um grupo no Facebook, Thaís Arievillo, afirmou que sua pele “nunca mais foi a mesma" depois de se recuperar da doença. “A sensação que eu tenho é que em maio (mês em que adoeci), eu dormi e acordei em um corpo que não é meu”, escreveu ela.
Arievillo faz parte de um grupo pequeno que apresentou outras sequelas. Entre elas estão a confusão mental, a anemia e problemas gastrointestinais. Segundo ela, entre os meses de setembro e agosto, sentia até dificuldade em se lembrar de palavras simples, como “cachorro”.
Mais de metade dos pacientes, hospitalizados ou não, relataram fadiga 10 semanas após o diagnóstico inicial, e quase um terço não voltou ao trabalho por problemas causados pela "covid-19 longa".
Outro estudo mostra que, em casos leves da doença, pelo menos um sintoma pode durar até 18 semanas. Uma pesquisa feita na China mostra que pelo menos 3/4 dos pacientes que foram hospitalizados e tiveram alta ainda experienciavam algum tipo de sintoma seis meses depois de ficarem doentes.
A situação não parece ser tão rara quanto o esperado.
Hanna Farias, de 43 anos de idade, foi internada no início de dezembro do ano passado com um quadro grave de covid-19. O que começou com dores fortes na cabeça e no rosto levou a uma internação de uma semana no hospital, com o uso de oxigênio para reduzir os efeitos da infecção no pulmão.
“Confesso que foram os piores dias da minha vida. Passava o dia todo com medicamento na veia e isolada sem poder ter companhia. Os médicos até cogitaram me entubar se a minha saturação não melhorasse, mas deu tudo certo”, diz. Depois de recuperada, Farias continuou a sentir dores de cabeça diárias e falta de ar --- que seguem até hoje.
Luciano Romão, de 50 anos de idade, diagnosticado no final do ano, se sente mais cansado do que se sentia antes de contrair a covid-19. Também sente dores no corpo frequentes. “Pelo que percebo, isso vai demorar para passar, parece-me que essa doença não segue um protocolo, seus sintomas dependem de cada um”, afirma.
Em sua família, diversas pessoas foram infectadas pelo vírus, com idades diferentes, como a sua neta de seis anos, fora do grupo de risco, que apresentou febre alta.
Dores de estômago, de cabeça e no corpo, falta de ar e voz rouca: esses foram os sintomas iniciais que Fátima Pereira, de 58 anos de idade, sentiu quando começou a desconfiar que tinha sido infectada pela covid-19. Além de todos os indícios comuns da doença, Pereira sentiu muita irritação durante os dias que a doença esteve ativa em seu organismo. "Perdi o olfato, o paladar, senti muita dor no corpo, e eu não podia ouvir a voz de ninguém que já me sentia irritada. Levantar da cama e ir até o banheiro já me cansava muito", diz.
A febre, algumas dores e a rouquidão sumiram cinco dias depois do diagnóstico – a irritação, a dor no peito e o cansaço, não. Segundo Pereira, seu médico afirmou que as sequelas "são normais" e que elas devem desaparecer "em até seis meses". "Curar-se da covid é um alívio, mas o martírio não acaba quando recebemos o exame informando que não estamos mais com o vírus no corpo. Lidar com as sequelas todos os dias, sem saber quando vamos, de fato, sarar, é muito angustiante", afirma.
Uma estimativa realizada no Reino Unido aponta que aproximadamente 10% dos indivíduos que tiveram covid-19 experienciaram sintomas prolongados.
A média de seis meses não se aplicou para Arievillo, que foi diagnosticada em maio. Tampouco parece ser verdade para Faccioli. Ambas estão na casa dos 20 anos e não tinham nenhuma comorbidade que poderia agravar o quadro do novo coronavírus.
Uma estimativa realizada no Reino Unido aponta que aproximadamente 10% dos indivíduos que tiveram covid-19 experienciaram sintomas prolongados. Pesquisadores escreveram no Morbidity and Mortality Weekly Report, relatório publicado pelo Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos, que o estado inicial de saúde das pessoas não foi recuperado de duas a três semanas após o diagnóstico inicial da doença. Segundo eles, quanto mais velhos, mais chances os pacientes têm de afirmar que a saúde não voltou ao normal. Um quarto dos jovens entre 18 e 34 anos afirmam o mesmo. Isso mostra que as consequências acontecem apesar da idade, gênero e nível de gravidade.