Ciência

Lockdown funciona? O que diz a ciência sobre as medidas de distaciamento social

Com novas variantes e superlotação de UTIs, o assunto do lockdown vem à tona em diversos países, mas seria ele essencial para combater o coronavírus?

Lockdown: a intervenção é considerada importante para a diminuição da transmissão do coronavírus (Westend61/Getty Images)

Lockdown: a intervenção é considerada importante para a diminuição da transmissão do coronavírus (Westend61/Getty Images)

LP

Laura Pancini

Publicado em 24 de fevereiro de 2021 às 13h13.

Última atualização em 25 de fevereiro de 2021 às 12h48.

A onda de novas infecções novo coronavírus aumentou as discussões em torno da necessidade de um lockdown em mais cidades brasileiras. O protocolo de distanciamento se difere da conhecida "quarentena", com saída liberada apenas para atividades essenciais, por um controle ainda mais rígido do movimentação de pessoas nas cidades. Ele é uma intervenção considerada importante para a diminuição da transmissão do vírus Sars-CoV-2, mas será que a ciência o vê como essencial?

No Brasil, a superlotação de UTIs em diversos estados está levando ao decreto de bloqueios em algumas cidades. O governador de São Paulo, João Doria, decretou um “lockdown noturno” por todo o estado, com o fechamento dos comércios das 23h até às 5h da manhã, com o intuito de reduzir o número de internações que atingiram nesta semana o maior número desde o início da pandemia.

A cidade de Araraquara, no interior paulista, já decretou o próprio bloqueio durante esta semana, com a proibição da circulação de pessoas e veículos em vias públicas. A decisão foi tomada devido ao colapso nas redes pública e privada de saúde no município. Segundo balanço da administração municipal, todos os leitos de enfermaria e UTI destinados ao atendimento de pacientes com covid-19 estão 100% ocupados.

Campinas, em São Paulo, e os estados Rio Grande do Sul e Paraíba também estão enfrentando lotações nos leitos de UTIs, mas adotando medidas restritivas de isolamento social, como o fechamento dos comércios das 22 até às 5h, ao invés do lockdown definitivo.

O lockdown funciona?

Um estudo do International Journal of Infectious Diseases analisou as medidas de 190 países entre 23 de janeiro e 13 de abril de 2020, durante a primeira onda da covid-19 pelo mundo. Ele levou em consideração quatro tipos de intervenções não-farmacêuticas (NPI, na sua sigla em inglês) para a redução do coronavírus: o uso obrigatório de máscara em público; isolamento social ou quarentena; distanciamento social e restrição na mobilidade urbana.

Qualquer intervenção realizada isoladamente levou a uma redução significativa na transmissão do coronavírus: máscaras (-15,14%); quarentena (-11,40%); distanciamento social (-42,94%) e mobilidade urbana (-9,26%).

Porém, as intervenções mais efetivas foram aquelas feitas com mais de um NPI, especialmente as que incluíram distanciamento social, prática recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) desde o início da pandemia. Já a intervenção mais comum nos países analisados foi a restrição na mobilidade urbana. 

Levando em consideração apenas a quarentena, houve uma diminuição de 10,6% na transmissão da covid-19. Quando combinada com outros NPIs, a redução se intensifica: -17,83% com restrição ao transporte público, -38.58% com distanciamento social e -54.12% juntando os três.

Com a adição do último NPI, máscara obrigatória, o número chega a -62.81% na redução no número de novas infecções. “As combinações com mais tipos de NPIs pareceram estar associadas a uma maior diminuição na transmissão da covid-19”, conclui o estudo. 

Apesar dos dados comprovarem a eficácia de uma ou mais intervenções não-farmacêuticas, o conceito de “quarentena” aplicado em alguns países, inclusive no Brasil, se difere do lockdown. Enquanto o último implica obrigatoriedade, a quarentena seria uma recomendação, o que leva a um menor impacto na taxa de transmissão.

Um segundo estudo, publicado pela revista Science, analisa mais a fundo o impacto do lockdown definitivo em 41 países durante a primeira onda da pandemia. Ele analisou os seguintes NPIs: limitar reuniões a 1.000 pessoas ou menos (-23% de redução das infecções); limitar a 100 pessoas ou menos (-34%); limitar a 10 pessoas ou menos (-42%); fechar alguns negócios (-18%); fechar a maioria dos negócios não essenciais (-27%); fechar escolas e universidades (-38%).

Já o lockdown foi analisado como um efeito adicional sobre todos os outros NPIs, partindo da ideia de que o decreto já engloba as outras restrições mencionadas. Sua diminuição na transmissão, portanto, foi “apenas” -13%.

“Nós descobrimos que emitir um pedido de permanência em casa teve um pequeno efeito quando um país já havia fechado instituições educacionais e negócios não essenciais e havia proibido reuniões”, explicam os pesquisadores. “Sempre que os países introduziram pedidos de permanência em casa, eles essencialmente sempre implementaram, ou já haviam implementado, todos os outros NPIs neste estudo.”

A eficácia do lockdown é indiscutível. Na Nova Zelândia, a paralisação nacional no início da pandemia eliminou amplamente a transmissão local. Algumas cidades do país já estão até realizando festivais de música e shows, e qualquer caso de coronavírus confirmado pode levar a um lockdown. Na última semana, por exemplo, três novos casos com a variante do Reino Unido foram confirmados e a cidade de Auckland foi proibida de sair para atividades não essenciais.

Porém, como mostra o estudo, a aplicação de outras intervenções antes da definição do lockdown podem deixar seu impacto pouco distinguível dos demais. Independentemente, qualquer forma de distanciamento social, além de uso de máscara e álcool gel, pode reduzir a transmissão, evitar a lotação das UTIs e são recomendadas por cientistas no Brasil e afora.

 

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