Pesquisadores estudaram proteínas do veneno da cobra Jararacuçu. (Instituto Butantã/Getty Images)
'A diferença entre o remédio e o veneno é a dose' é uma máxima que por pouca vezes se distanciou da realidade. E um novo reforço neste sentido vem de uma pesquisa realizada por cientistas do Instituto de Química (IQ) da Unesp, em Araraquara, que identificou na peçonha da cobra brasileira Jararacuçu um peptídeo (pedaço de proteína) capaz de conter a reprodução do novo coronavírus.
Para se obter tal resultado, os pesquisadores se debruçaram em analises laboratoriais que mostravam o contato entre a molécula extraída do veneno do réptil com as células de macacos contaminados com o vírus. A conclusão foi de que, com a ação da substância, a capacidade do vírus de se multiplicar era reduzida em 75%.
A confirmação da descoberta foi publicada na última semana na revista científica internacional Molecules, em um estudo preliminar.
“Nós encontramos um peptídeo que não é tóxico para as células, mas que inibe a replicação do vírus. Com isso, se o composto virar um remédio no futuro, o organismo ganharia tempo para agir e criar os anticorpos necessários, já que o vírus estaria com sua velocidade de infecção comprometida e não avançaria no organismo”, explica Eduardo Maffud Cilli, professor do IQ e um dos autores do trabalho.
O pedaço de proteína encontrado na Jararacuçu é uma molécula que interage e bloqueia a PLPro, uma das enzimas do coronavírus responsáveis por sua multiplicação nas células. Esta enzima é compartilhada entre todas as variantes do coronavírus, fator que garante a eficácia do método contra diferentes mutações do vírus.
Segundo relatou a assessoria de imprensa da Unesp, a ideia de investigar o potencial do veneno da serpente surgiu quando, recentemente, cientistas do Instituto de Química da Unesp descobriram que o peptídeo da cobra tinha atividade antibacteriana, o que os motivou a realizar novos testes para avaliar se ele também poderia agir em partículas virais. Os efeitos não foram tão elevados na primeira análise, mas após algumas modificações na estrutura química da molécula sintetizada, a capacidade antiviral subiu para 75% de bloqueio de reprodução.
Nos próximos passos do estudo os especialistas irão avaliar a eficiência de diferentes dosagens da molécula, bem como se ela pode exercer outras funções na célula, como a de proteção, evitando até mesmo que o vírus a invada. Após o fim desses testes, o objetivo é que a pesquisa avance para a etapa pré-clínica, em que será estudada a eficácia do peptídeo para tratar animais infectados pelo novo coronavírus.
“Nossos resultados são promissores e representam um recurso valioso na exploração de novas moléculas para a descoberta e desenvolvimento de fármacos contra a infecção por coronavírus”, afirma Cilli.