Cientista tem que falar com público, diz brasileira que mapeou coronavírus
Ester Sabino afirmou que ficou surpresa com o tamanho da repercussão que teve sua pesquisa com o novo coronavírus
Agência Brasil
Publicado em 10 de março de 2020 às 08h47.
Última atualização em 10 de março de 2020 às 08h48.
Ex-diretora do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo e uma das coordenadoras do grupo brasileiro responsável pelo sequenciamento genético do coronavírus , Ester Sabino passou por várias áreas em 30 anos de carreira. “As minhas linhas de pequisa são bastante divergentes”, diz. O ponto em comum em todos os trabalhos é a busca pelo suporte material adequado para conseguir bons resultados. “Ciência não se faz sem recursos”, afirma.
Por isso, em vez de seguir com foco em uma especialização, a pesquisadora optou por guiar a carreira pelas necessidades apresentadas de tempos em tempos, traduzidas em disponibilidade de dinheiro nacional ou estrangeiro. “Aqui no Brasil, eu acho que a gente muda muito de acordo com o recurso. Eu faço pesquisa sob demanda. Então, muitas vezes, trabalho com assuntos muito diferentes. Porque, se é uma oportunidade de ter o recurso para fazer, eu vou estudar”, explica.
Do HIV à zika
Foi assim que no início da década de 1990 Ester começou desenvolvendo pesquisas relacionadas ao HIV. “Era onde tinha mais recursos para trabalhar. Inclusive, a bolsa com que fui para os Estados Unidos era americana, focada em HIV. Eu gostava de vírus, queria trabalhar com vírus, foi quando consegui”, conta.
Do HIV, a pesquisadora passou a atuar com doenças transmissíveis pelo sangue, seguindo para o caminho dos estudos sobre doenças tropicais na USP, com uma investigação sobre Doença de Chagas. Tornou-se diretora do instituto, quando começaram a se abrir portas por causa de nova epidemia de uma doença que também pode ser transmitida pelo sangue, apesar do principal vetor, assim como a Chagas, ser um inseto: a zika.
“Quando teve a epidemia de zika surgiram muitas oportunidades e recursos de fora para fazer pesquisa. Como a gente no instituto tem dificuldade em conseguir recursos, fui atrás. Eu já era diretora, tinha uma equipe trabalhando com essa questão. Com isso, conseguimos alguns recursos de fora”, explica sobre os rumos de sua carreira.
O sequenciamento do genoma do coronavírus foi feito em uma estrutura que estava preparada para investigar doenças transmitidas por mosquitos, como a zika, a dengue e a febre amarela. Dessa vez, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além da parceria com instituições do Reino Unido. A repercussão dos primeiros resultados da pesquisa surpreendeu a pesquisadora. A equipe conseguiu fazer o mapeamento genético do vírus em apenas 48 horas, enquanto a média mundial é de cerca de 15 dias.
Repercussão inesperada
“Eu confesso que foi mais do que eu imaginava. Talvez tivesse alguma notícia no jornal. Mas não imaginei que tivesse a repercussão que teve”, comenta Ester sobre as manchetes direcionadas ao trabalho. “Na carreira científica, tenho outros trabalhos muito mais interessantes”, acrescenta.
Ela explica que mesmo sendo um bom resultado, é somente o começo do trabalho. “Esse aqui é um pedacinho. Vão ser necessários pesquisadores do mundo inteiro para tentar combater essa doença”, ressalta.
Ao observar um trabalho cientificamente pequeno, em comparação com outros feitos durante sua carreira, ganhar tanto destaque, Ester passou a refletir sobre como divulgar o desenvolvimento de pesquisas. “O que eu percebo é que o cientista tem que começar a aprender a falar com o público. E a gente tem que fazer com que o público se interesse por ciência e o jovem se interesse pelo cientista”, destaca.
Divulgação da ciência
O interesse pela ciência pode fazer cientistas amanhã, mostra o exemplo de Ingra Morales Claro, uma das doutorandas que compõe o grupo de pesquisa responsável pelo sequenciamento do coronavírus. “Eu sempre quis a área de pesquisa. Desde pequena eu falava que queria ser cientista”, conta sobre como escolheu o curso de biomedicina, graduação que concluiu em 2015 na Universidade Federal de Alfenas.
Ingra chegou a trabalhar na iniciativa privada, mas assim que pôde se candidatou a uma vaga de aprimoramento na Faculdade de Medicina da USP. Entrou no grupo coordenado pela professora Ester, onde conseguiu publicações em revistas científicas importantes. Assim, foi aprovada para fazer um doutorado sem passar pela etapa do mestrado.
A pesquisa é sobre o uso da tecnologia nanopore, o scanner com poros em escala nanométrica – um milímetro por milhão – usado no sequenciamento do vírus. Para desenvolver o trabalho passou uma temporada na Universidade de Birmingham, para onde deve voltar para mais um ano de estudos nos próximos meses. “O meu projeto lá era desenvolver uma tecnologia mais barata, menos complexa e mais rápida, utilizando a tecnologia nanopore”, resume.
Para Ingra, a repercussão vem em boa hora, ajuda a população e o Poder Público a entenderem a importância do investimento em ciência. “É muito bom isso para a gente mostrar que tem incentivo da Fapesp e tem pesquisadores muito bons aqui”, ressalta.