David Yarrow, fotógrafo que mais vende no mundo, ganha exposição no Brasil
Famoso por fotos de animais de tirar o fôlego, ele estreia mostra na Gabriel Wickbold Gallery; EXAME VIP entrevistou Yarrow: leia a entrevista completa
Guilherme Dearo
Publicado em 21 de agosto de 2019 às 07h30.
Última atualização em 21 de agosto de 2019 às 08h31.
São Paulo - As fotografias de animais do escocês David Yarrow não são fotografias quaisquer. Os animais impressionam pela beleza e pela proximidade. Em belos contrastes e tons de cinza, olhamos o tigre olho a olho. Estamos no solo, na altura dos animais, a observar seus passos. Yarrow monta estratégias cuidadosas para chegar tão perto assim. Nada de depender da sorte ou se apoiar integralmente nas lentes teleobjetivas, causando impessoalidade e frieza.
Yarrow ficou famoso em 1986 quando, ainda um jovem em início de carreira apaixonado por futebol, fotografou Diego Maradona segurando o troféu da Argentina na Copa do México. A imagem se tornou icônica. Mas ele acabou optando por uma vida no mundo das finanças, trabalhando com hedge funds. Um ramo lucrativo, sem dúvida. Mas aos 48 anos, há cinco anos, Yarrow decidiu se dedicar em tempo integral à fotografia fine art.
Logo vieram as impressionantes imagens de leões, ursos polares e elefantes africanos. Os animais se aproximam do ser humano, aparecem humanizados sob sua ótica. A beleza é magnética. Não à toa, atraíram entusiastas dispostos a pagar caro.
Hoje, Yarrow é cobiçado por galerias ao redor do mundo. Suas fotos preto-e-branco atraem compradores que pagam entre US$ 75 mil e US$ 110 mil. Números impressionantes. Em Londres, cidade onde reside, Yarrow é representado pela galeria Maddox. Ela chega a vender 9 milhões de libras em obras dele por ano.
Ele também já fotografou para campanhas publicitárias de grandes marcas de luxo, como Tag Heuer, UBS e Land Rover.
O próximo livro com as fotografias de Yarrow chega em setembro. Com seleção de 150 das melhores imagens feitas nos últimos dois anos nos seis continentes, o livro traz prefácio de Tom Brady.
O escocês esteve em São Paulo nessa semana para a abertura de sua exposição na Gabriel Wickbold Gallery. Suas imagens também estarão na SP-Arte/Foto, que abre para o público hoje (21), no Shopping JK Iguatemi. Inclusive, a SP-Arte/Foto incluiu as questões ambientais em uma lista de quatro tendências da fotografia contemporânea. O trabalho de Yarrow é urgente como nunca.
EXAME VIP entrevistou Yarrow, que falou sobre sua carreira, seus próximos projetos e sobre o papel da fotografia e da arte diante da destruição do meio-ambiente.
Confira:
EXAME - Suas fotografias batem recordes de preço em leilões e são cobiçadas por galerias e colecionadores de todo o mundo. Além da óbvia beleza delas, seu poder estético e técnico, o que você acha que fascina tanto o público, que apela para os sentimentos?
DAVID YARROW - Preço é apenas uma questão de oferta e demanda. Se imprimo cem cópias em vez de doze, os preços serão menores. A demanda existe enquanto a marca tem consistência e integridade e enquanto as imagens, no seu íntimo, possuem emoção, gritam por atenção. A proximidade que o espectador sente é parte do apelo das minhas fotografias.
Há uma "mágica", um magnetismo em ver animais tão de perto, eles são "humanizados", de certa maneira... Por que nós seres humanos nos identificamos com isso?
Se eu fotografo uma bela mulher, eu ficarei a uma curta distância dela. Por que teria de ser diferente com outros temas, como os animais? A distância diminui a emoção. Deve ter algo a ver com os olhos. Os olhos são a janela da alma, seja um humano ou um leão. Eu raramente faço uma fotografia que não tenha os olhos focados. Para mim, ser um bom fotógrafo tem a ver com ter um tema forte na sua frente, na mira da sua lente.
A destruição do nosso planeta está em curso. Aquecimento global, poluição, destruição das florestas (em especial as florestas tropicais e a Amazônia). Uma grande onda de extinção de espécies, causada pela ação humana, está em desenvolvimento. Dada essa urgência, qual você acha que seja a coisa mais urgente a ser fotografada atualmente? Alguma espécie, algum lugar do planeta?
O primeiro grande animal a ser extinto será um animal africano. Não será o urso polar. A população africana está crescendo em um ritmo muito mais acelerado que a temperatura no Ártico. O leão é o mais vulnerável ali. Há somente 16 mil restantes, 5% da população de 100 anos atrás. Eles estão muito vulneráveis, perdendo cada vez mais seu território para a população africana, que está explodindo.
Qual o papel que a fotografia pode ter na luta para mudar políticas e pensamentos, de modo a aumentar a proteção aos animais e aos ecossistemas ameaçados? Geralmente, pensamos que somente através de medidas políticas e econômicas e divulgação científica que podemos atingir esse objetivo. A fotografia, a arte, tem poder nesse jogo?
É difícil de medir. Mas estamos na era da fotografia, assim como estamos na era do Instagram e das redes sociais. Mais fotos são tiradas em dois dias que em toda a história da fotografia. As coisas viralizam, se movem muito rápido. A revolta que se espalhou pelos EUA quando aquele dentista americano matou o leão Cecil [em 2015, Walter Palmer caçou e matou Cecil no Zimbábue, que vivia protegido num parque nacional e era estudado pela Universidade de Oxford] não teria acontecido sem imagens e sem redes sociais.
A arte tem o papel de trazer atenção e urgência aos lares das pessoas. Arte também gera dinheiro e hoje pouca coisa acontece sem dinheiro. Quero que minhas fotografias provoquem uma reação emotiva e lembrem as pessoas que dividimos o planeta com criaturas absurdamente belas e que nós as estamos matando.
Vamos falar do Sebastião Salgado, um dos maiores fotógrafos da atualidade. Com o livro "Gênesis", ele, como você, explorou a vida selvagem e as zonas remotas e intocadas do nosso planeta. Você pensa que esse "tema", projetos como esse, estão ficando mais urgentes, estão começando a ressoar mais fortemente nos fotógrafos? Veremos uma tendência nesse sentido, em torno das fotos de natureza?
Tenho um imenso respeito por Salgado e algumas de suas imagens permanecerão icônicas por gerações: a foto na estação de trem em Mumbai, os mineradores da Serra Pelada. "Gênesis" é um grande livro e, no meu próximo livro, que sai em setembro, fui incitado pela consistência de Salgado na busca por excelência. Não deixamos nada para trás na hora de fazer nossos livros, não deixamos nada afetar nossa criatividade, nossa autenticidade. Há uma necessidade de subir o nível do que é novo, único. Salgado entendeu isso e espero que eu tenha entendido isso também, ao meu modo.
Você conhece o trabalho de algum fotógrafo brasileiro contemporâneo dedicado à natureza e à vida selvagem? Temos o grande Araquém Alcântara, por exemplo.
Vi o trabalho dele com os as panteras no Pantanal, fiquei muito admirado. Mas sempre lembro que não sou um fotógrafo de vida selvagem. Sou simplesmente fotógrafo.
Você tem algum plano de fotografar na Amazônia brasileira? Qual o seu próximo grande projeto?
Meus próximos grandes projetos serão com os elefantes na África. Tenho sempre uma ideia clara na minha mente do que procuro com um projeto, sei exatamente onde ir e quando ir. Como Ansel Adams disse, "algumas pessoas tiram fotografia e outras as fazem". Eu faço uma fotografia. Desde o "dia 1" há na minha cabeça um processo para pensar na imagem que quero fazer.
Do seu livro "Encounters", tem algum episódio em especial que se lembra?
Sucesso é 99% de falha e estou sempre falhando. Eu me lembro de uma fotografia no deserto da Namíbia, estava tentando fotografar um guepardo. Estava para dar certo. Então o guepardo viu um coelho. E foi embora, foi o fim da imagem. Lição: animais não entendem inglês e não podem ser dirigidos.
Entre tirar a icônica foto de Diego Maradona na Copa de 86 e começar a trabalhar e tempo integral como fotógrafo, você trabalhou com hedge funds. Por que e como tomou a decisão de encerrar a carreira no mundo das finanças e começar a se dedicar exclusivamente à fotografia?
Aos 14 anos, vivendo em Glasglow, Escócia, futebol era tudo para mim. Era meu pensamento principal dia após dia. Futebol era sobre o que queria ler, o que queria ver na TV, o que queria fotografar com minha pequena câmera. Não tinha talento algum, mas era uma obsessão registrar com minha câmera as partidas. Aos poucos, a câmera começou a ser meu pensamento principal. Aos 16 anos em diante, já estava bem confortável com uma câmera na mão.
Em 1896, fui para a Copa do Mundo no México. Ali fiz grandes amizades. Estava cercado de pessoas que eram mais capazes do que eu. E até hoje encorajo qualquer um a ser sempre a pessoa menos qualificada numa sala. Eu sofri naquele Copa, mas a imagem que tirei de Diego Maradona salvou a viagem. Logo, apareceram novos trabalhos. Wimbledon, a Olimpíada de 1988. Eu estava ficando melhor.
Aos 22 anos, tive que fazer uma escolha: aceitar um emprego na que hoje é a Getty Images ou entrar para um banco de investimentos em Londres. Uma combinação de influência familiar e muita pressão me levaram a escolher a carreira em finanças. Mas é justo dizer que senti que fotografia esportiva não era meu verdadeiro chamado, afinal de contas. Nessa época eu estava incomodado com o fato de que as pessoas estavam tirando sempre a mesma foto. Então, por um tempo, ter uma câmera na mão era apenas para momentos de lazer.
Oito anos atrás, quando estava começando a trabalhar mais com animais, como os elefantes africanos, fui tomar um chá com o então presidente do Tate Modern de Londres. Um homem de inegável conhecimento sobre a história da arte e arte contemporânea. Sem hesitar, ele me disse que um gênero artístico que o deixava totalmente impassível, "frio", era a fotografia de vida selvagem. Eu ri. Ele completou: "Porque é tudo muito literal!".
E isso foi o que transformou sua carreira?
Nunca esquecerei esse comentário. Muitos podem discordar dele, mas sua voz carrega autoridade e há uma certa verdade, uma substância no que ele disse. Ele não virou presidente do Tate à toa. A partir disso, meu trabalho tomou um rumo para rebater o que ele disse, resolver o problema das imagens "muito literais". Minha primeira medida foi abraçar a grande máxima de Robert Capa [fotógrafo húngaro, um dos mais famosos do mundo, co-fundador da agência Magnum] sobre estar próximo do que você quer fotografar. Quanto mais próxima a câmera, mais imersiva e evocativa a imagem será.
Minha segunda medida foi decidir que eu ia fazer fotografias, não tirá-las. Eu preparo meu trabalho antes de ir a campo, penso na exata imagem que quero fazer antes de estar lá. Penso em como atingir o que formo na mente. Isso não acaba com toda a espontaneidade da fotografia, mas ajuda a clarificar suas ideias. É a partir disso, se eu for bem sucedido ou não, é que vou ver minha fotografia ganhando espaço no campo da arte ou a verei apenas como uma imagem qualquer em meio a tantas outras.
O que é preciso para fazer uma fotografia na natureza? Como se planejar?
Fazer uma fotografia na natureza requer um conhecimento prévio do local e do comportamento do animal naquele local. Logo, quanto mais experiência de campo, melhor. Não é fácil fazer uma fotografia boa em um lugar que você nunca visitou antes. A única vantagem de ficar velho é poder fazer melhores imagens.
David Yarrow em São Paulo
Na Gabriel Wickbold Studio & Gallery
De 19 de agosto a 18 de setembro
De segunda à sexta das 10h às 18h; sábados das 11h às 17h
Rua Lourenço de Almeida, 167, Vila Nova Conceição, São Paulo
Grátis
Na SP-Arte/Foto 2019
No estande da GWS Gallery
21 a 25 de agosto
Quarta, 21 de agosto: 17h–21h
Quinta a sábado, 22 a 24 de agosto: 14h–21h
Domingo, 25 de agosto: 14h–20h
Shopping JK Iguatemi, 3º piso
Av. Presidente Juscelino Kubitschek, 2041 - São Paulo
Grátis