Casual

Como o choro no TikTok vende livros

Vídeos feitos principalmente por mulheres – adolescentes e jovens adultas – passaram a dominar um nicho crescente com a hashtag #BookTok, na qual as usuárias recomendam livros

As irmãs Mireille e Elodie (Peter Flude/The New York Times)

As irmãs Mireille e Elodie (Peter Flude/The New York Times)

DS

Daniel Salles

Publicado em 30 de março de 2021 às 09h40.

Última atualização em 30 de março de 2021 às 23h11.

"Mentirosos" foi lançado em 2014. Por isso, quando a autora do livro, E. Lockhart, viu que estava de volta à lista dos mais vendidos em meados do ano passado, ficou encantada. E confusa. "Eu não tinha ideia do que diabo estava acontecendo", disse ela. Seus filhos lhe explicaram a situação: foi por causa do TikTok.

Seu dinheiro está seguro? Aprenda a proteger seu patrimônio

O TikTok, aplicativo conhecido por oferecer vídeos curtos sobre tudo, desde movimentos de dança até dicas de moda, tutoriais de culinária e esquetes engraçadas, não é o local óbvio para o sucesso de um livro. Mas vídeos feitos principalmente por mulheres – adolescentes e jovens adultas – passaram a dominar um nicho crescente com a hashtag #BookTok, na qual as usuárias recomendam livros, registram imagens de si mesmas lendo ou choram abertamente para a câmera por causa de um epílogo emocionalmente intenso.

Esses vídeos estão começando a vender muitos livros, o que tem deixado vários criadores surpresos também. "Quero que as pessoas sintam o que sinto. Na escola, ninguém fala de livros, o que é bem irritante", comentou Mireille Lee, de 15 anos, que começou a @alifeofliterature em fevereiro com sua irmã, Elodie, de 13, e que agora tem quase 200 mil seguidores.

Muitos endereços da Barnes & Noble ao redor dos Estados Unidos criaram mesas Booktok, exibindo títulos como "No Fim, Morrem os Dois", "O Príncipe Cruel", "Uma Vida Pequena" e outros que viralizaram. Não há nenhuma mesa correspondente ao Instagram ou ao Twitter, porque nenhuma plataforma de mídia social parece promover vendas como o TikTok.

"Esses criadores não têm medo de se abrir e mostrar suas emoções com os livros que os fazem chorar, gritar ou ficar tão irritados que os atiram longe. E acabamos vendo vídeos emocionantes de 45 segundos com os quais as pessoas imediatamente se conectam. Não temos esse tipo de venda maluca – quero dizer, dezenas de milhares de cópias por mês – com outras plataformas de rede social", disse Shannon DeVito, diretora de livros da Barnes & Noble.

Selene Velez (Rozette Rago/The New York Times)

As irmãs Lee, que vivem em Brighton, na Inglaterra, começaram a fazer vídeos BookTok durante a pandemia. Muitos de seus posts parecem pequenos trailers de filmes, em que as imagens piscam na tela ao som de uma trilha sonora mal-humorada.

Em "O Príncipe Cruel", você vê a capa do livro, depois uma mulher andando a cavalo, um cálice sangrento, um castelo em uma árvore – cada imagem por uma fração de segundo, com a música "You Should See Me in a Crown", de Billie Eilish, de trilha sonora. Não há necessidade de um alerta de spoiler: a coisa toda acaba em cerca de 12 segundos, deixando você com a sensação do livro, mas com pouca ideia do que acontece nele. O vídeo que criaram para "Mentirosos" foi visto mais de cinco milhões de vezes.

A grande maioria dos vídeos do BookTok faz sucesso organicamente, postada por jovens leitores entusiasmados. Para os editores, foi um choque inesperado: uma indústria que depende das pessoas que se perdem na palavra impressa está recebendo dividendos de um aplicativo digital desenvolvido para um período mínimo de atenção. Agora, os editores tentam se atualizar, entrando em contato com aqueles que têm muitos seguidores para oferecer livros gratuitos ou pagamentos em troca da divulgação de seus títulos. (As irmãs Lee receberam livros de escritores, mas ainda não foram contatadas por editoras nem receberam dinheiro por seus posts.)

Muitos usuários populares do TikTok têm estratégias para maximizar as visualizações. Podem escolher músicas de fundo que já fazem sucesso no aplicativo, por exemplo, usar as análises do TikTok para ver a hora do dia em que suas postagens são mais vistas e tentar postar regularmente. Mas ainda é difícil prever o que vai dar certo.

"Ideias que surgem em 30 segundos, essas se dão muito bem, e aquelas nas quais trabalho por dias ou horas fracassam. Mas os vídeos mais populares são sobre os livros que fazem chorar. Se você chora diante da câmera, as visualizações aumentam", relatou Pauline Juan, estudante que, aos 25 anos, diz que se sente "um pouco velha" para as meninas do BookTok.

As preferências do BookTok são livros que venderam bem assim que foram publicados, e alguns são vencedores de prêmios, como "A Canção de Aquiles", que ganhou o prestigiado Prêmio Orange de Ficção em 2012. O romance reconta o mito grego de Aquiles como um romance entre ele e seu companheiro Pátroclo. Não tem um desfecho feliz.

"Ei, este é meu primeiro dia lendo 'A Canção de Aquiles'", Ayman Chaudhary, jovem de 20 anos em Chicago, postou no TikTok, segurando o livro ao lado de seu hijab padrão Burberry e com o rosto sorridente. "E esta sou eu terminando!", ela grita para a câmera, enquanto as legendas na tela descrevem "lamentos e gritos dramáticos". O vídeo, que foi visto mais de 150 mil vezes, dura cerca de sete segundos.

A hashtag #songofachilles tem 19 milhões de visualizações no TikTok. "Eu gostaria de poder enviar chocolate a todos!", comemorou Madeline Miller, a autora do livro.

Publicado em 2012, "A Canção de Aquiles" vendeu bem, mas não tão bem quanto está vendendo agora. De acordo com o NPD BookScan, que monitora cópias impressas de livros vendidos na maioria das livrarias dos EUA, está vendendo cerca de dez mil cópias por semana, quase nove vezes mais do que quando ganhou o Prêmio Orange. É o terceiro na lista de best-sellers de ficção do "The New York Times".

Miriam Parker, vice-presidente e editora associada da Ecco, que lançou "A Canção de Aquiles", contou que a empresa viu um pico de vendas em nove de agosto, mas não conseguia descobrir o porquê. Por fim, encontrou um vídeo no TikTok chamado "books that will make you sob" (livros que vão fazer você chorar), publicado em oito de agosto por @moongirlreads_. Hoje, esse vídeo, que também inclui "Mentirosos", foi visto quase seis milhões de vezes.

As irmãs Mireille e Elodie (Peter Flude)

Miller, que se descreveu como "pouco funcional no Twitter", informou que não conhecia os vídeos do TikTok até que sua editora lhe mostrou. "Fiquei sem palavras, no bom sentido. Existe algo melhor para um escritor do que ver seu trabalho sendo levado a sério?"

A jovem por trás de @moongirlreads_ é Selene Velez, de 18 anos, da área de Los Angeles, que entrou no TikTok no ano passado, enquanto terminava o ensino médio pelo Zoom. Ela disse que fez o vídeo porque um seguidor pediu recomendações de histórias que fazem chorar.

Velez, que tem mais de 130 mil seguidores no TikTok, disse que os editores agora enviam seus livros gratuitamente, antes que cheguem às lojas, para que ela possa postar sobre eles, e começou a fazer vídeos pelos quais também recebe dos editores. Ela e cerca de duas dúzias de outros criadores do BookTok mantêm um bate-papo no Instagram sobre quais editores se aproximaram deles e quanto estão cobrando. As taxas variam de algumas centenas a alguns milhares de dólares por post.

John Adamo, chefe de marketing da Random House Children's Books, contou que agora trabalha com cerca de cem usuários do TikTok. Segundo ele, uma vez que um título decola nessa plataforma, a máquina da editora já está por trás: grandes varejistas podem oferecer descontos, a editora pode começar a publicar anúncios e, se um livro se tornar um best-seller, isso também leva a mais vendas. "No entanto, sem o TikTok, não estaríamos falando sobre isso."

Acompanhe tudo sobre:ComportamentoLivrosTikTok

Mais de Casual

Como a Loewe se tornou a marca de luxo mais desejada do mundo

Corona Cero cria espaço exclusivo para transmissão dos Jogos Olímpicos no coração financeiro de SP

Clima olímpico: conheça oito receitas clássicas francesas e onde encontrá-las em São Paulo

Os 5 melhores filmes e séries para maratonar no fim de semana

Mais na Exame