Com mesas ocupando as ruas, São Paulo tenta imitar Paris
Um dos efeitos do projeto “Ocupa Rua”, que permite que bares e restaurantes utilizem o asfalto, é tornar a região mais palatável para os pedestres
Guilherme Dearo
Publicado em 12 de agosto de 2020 às 11h28.
Última atualização em 13 de agosto de 2020 às 10h07.
Com as recentes aglomerações próximas a bares no Leblon entaladas na garganta, a prefeitura de São Paulo permitiu que o setor retomasse o atendimento presencial, no dia 6 de julho, só da porta para dentro. Enquanto capitais como Nova York incentivaram o uso do espaço público durante a retomada, como uma forma de diminuir os riscos de disseminação do novo coronavírus, bares e restaurantes paulistas estão vetados — até segunda ordem — de servir um mísero copo d’água na calçada.
Pelas regras em vigor, definidas em conjunto com o governo estadual e replicadas em todos os municípios incluídos na mesma fase do “Plano São Paulo”, o horário de funcionamento não pode passar das 22h. Por dia são no máximo 6 horas de operação, fracionáveis ao sabor de cada estabelecimento — como os governos pretendem coibir eventuais infrações é um mistério.
No dia 5 de agosto, a prefeitura afagou o setor com a aprovação de um projeto-piloto que abre caminho para dias mais flexíveis. Batizado de “Ocupa Rua”, é uma iniciativa da jornalista Alexandra Forbes, do casal de chefs Jefferson e Janaína Rueda, donos d’A Casa do Porco Bar, entre outros negócios, e do escritório de arquitetura Metro, da dupla Gustavo Cedroni e Martin Corullon, que traçou o desenho do projeto.
Envolve um punhado de ruas próximas à Praça da República, a Major Sertório, a General Jardim, a Bento Freitas e a Araújo, endereço de mais de 30 estabelecimentos, entre os quais a hamburgueria Z Deli e o pequeno império gastronômico dos Rueda. Em resumo, as ruas ganharam parklets e delimitações para permitir a disposição, em segurança, de mesas, cadeiras e bancos (as calçadas seguem desocupadas). Jardineiras e árvores frutíferas também estão previstas. Orçado em 450 mil reais, o projeto-piloto está sendo todo custeado pela iniciativa privada com o apoio de marcas como Heineken e Johnnie Walker.
A inspiração veio de bairros badalados de metrópoles como Paris, nos quais os bares, cafés e restaurantes com mesinhas voltadas para a rua, além do ininterrupto fluxo de pedestres, dão uma irresistível e perene sensação de segurança. Mais: os carros não dominam a paisagem. Para uma região como o centro paulistano, que, apesar de inúmeras tentativas, ainda está longe de ser considerado revitalizado e seguro, pode ser o início de uma bem-vinda e necessária transformação.
Em entrevista coletiva, o prefeito Bruno Covas (PSDB) afirmou que a iniciativa não custou nem um real aos cofres públicos, mas que os estabelecimentos envolvidos terão direito a desconto em impostos e que a autorização pode ser suspensa caso o projeto se mostre indesejado. Se der certo, poderá ser replicado em outras áreas da cidade. A conclusão do projeto-piloto está prevista para o fim de agosto e estabelecimentos de Pinheiros, Itaim, Vila Olímpia, Vila Nova Conceição e Higienópolis já se movimentam para replicar a ideia.
O aval para o projeto-piloto enquanto a proibição ao uso de calçadas perdura no resto da cidade acendeu a ira de diversos empresários do ramo. O chef Erick Jacquin, jurado do “Masterchef” e à frente do francês Président, nos Jardins, é um deles. “Eu tinha duas mesas em frente ao restaurante e me pediram para tirar”, reclamou em um vídeo postado em suas redes sociais. “Quiseram me multar em 35 mil reais”. Em outro trecho, questionou: “A lei não é para todo mundo? Porque uma marca de cerveja patrocina pode? Vou votar numa cerveja na próxima vez e não num político”.