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Coletivo lucrativo: o coworking onde todos ganham

Um novo tipo de coworking, financiado por grandes empresas e que só abriga startups selecionadas, vem surgindo no Brasil. E todo mundo ganha

Crédito: Divulgação

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Sobram em São Paulo, hoje, espaços de coworking, aqueles ambientes de trabalho coletivo onde startups e profissionais independentes alugam um lugar numa mesa e contam com uma boa conexão à internet para interagir com o mundo real e tentar tirar seus projetos das sombras. Há centenas de instalações desse tipo bem estruturadas, com preços e qualidade de serviços razoáveis. O problema é que, apesar de aproximarem várias empresas nascentes, elas não facilitam a integração de iniciativas nem criam oportunidades internas de negócios. Para suprir essa limitação, um novo tipo de coworking, financiado por grandes empresas e que só abriga startups pré-selecionadas, começa a surgir em São Paulo. Mais do que empreendimento imobiliário que se sustenta com aluguéis, ele serve como um canal de aproximação de jovens empreendedores com fundos de investimento de capital de risco e com multinacionais e corporações brasileiras, que podem, de um dia para o outro, ajudar o projeto a decolar. Tratam-se de espaços colaborativos com intensa programação de eventos – e que servem para expor startups promissoras ao mercado.

A primeira iniciativa para a criação desse tipo de espaço foi tomada pelo Banco Itaú e pelo fundo de investimento de capital de risco Redpoint e.Ventures, que, em meados de 2015, se associaram para fundar o Cubo, instalado em um prédio de cinco andares na Vila Olímpia. Tanto o banco quanto o fundo pensavam em criar um espaço de coworking de maneira independente e, apesar das motivações diferentes, se encontraram no mesmo objetivo: chegar mais perto da cultura das startups e colocar o empreendedorismo num patamar mais elevado. Para o Redpoint, que tem iniciativas semelhantes em outras partes do mundo, como o Tech Temple, na China, e cuja atividade principal é encontrar startups para apoiar, o Cubo é um campo de oportunidades de investimentos e aquisições. Para o Itaú, é uma forma de se aproximar de um mundo desconhecido e distante do seu gigantismo e descobrir novas formas de fazer negócios. O Cubo conta ainda com o apoio de dez fortes patrocinadores, incluindo Accenture, Ambev, Gerdau, Microsoft e Saint Gobain.

Nesses novos espaços, talentos e produtos se integram numa rede ágil e criativa, que costuma dar rápidos resultados econômicos

“Queremos ser um mediador isento entre as startups e as grandes empresas, diminuir a distância e ajudar os dois lados a conversar”, diz o CEO do Cubo, Flávio Pripas, egresso do mercado financeiro e empreendedor responsável pela criação do Fashion.me, outrora o maior site de moda do país. Segundo ele, para a grande empresa, entender o funcionamento de uma startup significa se aproximar do risco, enxergar o mundo de uma maneira diferente e repensar processos e velocidade de projetos; para as startups, representa um caminho de desenvolvimento tecnológico e de melhoria da governança e da estrutura interna. Em um ano, mais de 100 contratos foram assinados entre grandes empresas e as residentes no Cubo, uma fundação sem fins lucrativos.

De modo geral, todas as startups instaladas no Cubo estão num estágio intermediário de evolução e já têm clientes, como é o caso da Looqbox, um sistema de busca de informações corporativas, e da Cerensa, ferramenta para medição de emissões de gases do efeito estufa. Para se instalar no espaço, as empresas pagam cerca de 1 000 reais por mês por um lugar para cada funcionário. Circulam hoje, por ali, cerca de 600 pessoas por dia, entre residentes e visitantes. Em seu primeiro ano de existência, o Cubo abrigou quase 800 eventos que receberam 30 mil pessoas. As 58 startups do local, selecionadas entre mais de 700 candidatas, geraram 650 postos de trabalho e receberam 42 milhões de reais de investimentos de anjos ou de capital de risco. Algumas começaram com uma equipe de duas pessoas e, um ano depois, passaram a mais de 20. Outras saíram porque ficaram grandes demais e duas faliram.

Google Campus

Case: Nama
Até 2015, o empresário paulistano Rodrigo Scotti, 30 anos, desenvolvia seu sistema baseado em inteligência artificial no porão de casa. Incomodava-se com a exposição de sua propriedade intelectual e com o barulho dos coworkings. A percepção começou a mudar quando migrou a Nama para o Cubo, em 2015. Notou que havia muito networking e conseguiu um cliente de peso, a consultoria Accenture. Depois, passou na seleção do Google Campus. Mudou mais uma vez de endereço. “Perdi o preconceito”, diz. “E mantive um membro da equipe no Cubo.” Fundada em 2014, a Nama oferece uma solução de atendimento com robôs e dá respostas automáticas através de vários serviços de chat simulando conversas entre humanos. “Nossos robôs entendem nuances do que o cliente escreve, inclusive os regionalismos”, afirma Rodrigo. A Nama já recebeu cinco rodadas de investimentos-anjo (não revela valores) e foi selecionada, em maio, no programa do governo paulista Pitch Gov SP, que busca startups de tecnologia que contribuam para a melhoria do serviço público.

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O espaço do Google

Há cinco meses, outro desses ambientes colaborativos foi inaugurado no bairro do Paraíso, em São Paulo: o Google Campus, que se parece com o Cubo, mas tem algumas peculiaridades. Uma delas é pertencer ao Google – e deixar isso bem claro no nome. Outra é ser um espaço público. Além de estar aberto para as startups residentes que passam por um processo de seleção e não pagam aluguel para usufruir dos benefícios, também recebe qualquer pessoa que faça inscrição gratuita no site do campus e queira frequentar o local, especificamente os dois últimos andares, onde há um café e dezenas de cadeiras confortáveis, com acesso à internet. Como acontece no Cubo, há cursos, seminários e serviços de mentoria para os participantes do coworking adquirirem conhecimento para levar seus negócios adiante.

A criação desse tipo de arranjo é uma tendência mundial

A comunidade de cadastrados do espaço já supera 52 mil pessoas, o que faz dele o segundo maior campus do Google no mundo, atrás do de Londres, que existe desde 2012. Além dos dois, a empresa tem instalações semelhantes em Madri, Varsóvia, Tel Aviv e Seul, e prepara a inauguração de seu sétimo coworking em Berlim, que deve ser aberto no fim deste ano. Considerado pelo Google como um produto físico, da mesma categoria do You Tube Space, que também acaba de ganhar um centro de operações no bairro do Bom Retiro, o Campus é um ambiente de empreendedorismo, sem objetivos de lucro, para o qual a empresa consegue atrair projetos inovadores de tecnologia que poderão, eventualmente, contribuir para seu próprio negócio. “O Campus é uma vitrine de startups, principalmente para o próprio Google”, afirma o CEO André Barrence.

Diferentemente do Cubo, as empresas do coworking do Google têm prazo para permanecer como residentes: seis meses, prorrogáveis para um ano. Quinze delas ocupam as 100 posições de trabalho no local, entre as quais a Nama, plataforma que usa robôs para atendimento ao cliente através de serviços de mensagem como SMS, Messenger ou Telegram, e a New Hope Ecotech, que conecta recicladores com geradores de resíduos que precisam compensar o passivo ambiental com créditos de carbono. “A velocidade é um atributo do ambiente empreendedor”, diz Barrence. “Nosso objetivo é ajudar as empresas a crescer para que sigam seu caminho.” Em dezembro, foi aberta a inscrição para a segunda geração de residentes. O Google não divulga valores dos investimentos recebidos pelas empresas.

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Cubo

Case: Looqbox
Foi trabalhando na rede de supermercados St Marche, onde cuidava de inteligência do varejo, que o físico paraense Rodrigo Murta, 35 anos, percebeu a dificuldade dos usuários do sistema interno de análise e monitoramento de informações da empresa em obter rapidamente informações de que necessitavam. E passou a buscar uma solução tecnológica mais ágil, desenvolvendo um sistema de busca corporativa com uso de linguagem natural, que considera ambiguidades e imprecisões da escrita. Chegou ao LooqBox, que funciona numa interface parecida com a do Google e traz respostas diretas e imediatas. O sistema continua em uso no St Marche e vem sendo testado por outras 18 empresas, incluindo Mercedes-Benz, Pão de Açúcar e Banco Itaú. É um modelo de teste remunerado, que já garante faturamento. Até o ano passado, Rodrigo e o irmão Daniel, 25, trabalhavam sozinhos na própria casa. Em janeiro entraram no Cubo. “De uma hora para outra, passamos a ter contato com as maiores empresas do país”, afirma. “O Cubo foi a chancela para nos aproximarmos de potenciais grandes clientes.”

Além da conexão com potenciais investidores, uma das vantagens do local é sua integração com outras operações do Google e as possibilidades imediatas de intercâmbio nacional e internacional. A finalidade declarada de lá é ser uma plataforma de conexão global. No mês passado, por exemplo, startups brasileiras participavam de um evento sobre segurança, o Cyber Security, em Tel Aviv, com patrocínio do campus. Quem é membro do espaço em São Paulo pode entrar com seu crachá em qualquer outro campus do mundo. “Só nos instalamos em lugares com grande potencial e criamos condições de longo prazo para estimular o ecossistema de startups. Somos pacientes com resultados, mas impacientes com o progresso das empresas”, afirma.

Negócio imobiliário

Embora seja um projeto tipicamente imobiliário, que se remunera pelo aluguel dos locais de trabalho e serviços de apoio aos residentes, o Plug amadureceu de uma maneira orientada para o empreendedorismo de startups e, desde cedo, atraiu companhias de grande potencial para suas instalações. Criado em 2012, quando o coworking ainda era novidade na cidade, nasceu com espaços coletivos, mas também com salas fechadas para garantir a privacidade acústica, um dos problemas apontados nesse tipo de ambiente. Recebe mais de 500 pessoas por dia em suas quatro unidades (duas em São Paulo, uma em Belo Horizonte e uma em Boston, nos EUA). Criou-se no Plug uma rotina parecida com a do Cubo e do Google Campus, em que há uma intensa atividade cotidiana. Tornaram-se frequentes visitas de representantes de grandes empresas interessados em descobrir oportunidades.

Plug

Case: Beecâmbio
O economista Fernando Pavani, 33 anos, atuava no mercado financeiro quando, conversando com a mãe que trabalhava em uma agência de turismo, percebeu que as casas de câmbio não investiam em tecnologias on-line nem se comunicavam com o cliente. Começou a desenvolver o conceito de um site de compra de moeda estrangeira que virou o BeeCâmbio. Lançado no início de 2014, posicionou-se como um intermediário entre o cliente e as corretoras e se remunera com comissão sobre vendas. Oferece 23 moedas estrangeiras, entrega o dinheiro em casa e faturou
1 milhão de reais em 2015. Antes de chegar ao Plug, em julho último, dividia uma pequena casa com as parceiras do grupo e-Genius, que reúne quatro outras startups. Todas mudaram juntas e hoje ocupam 80 lugares no coworking. A BeeCâmbio tinha um equipe de sete pessoas, agora conta com 30. “Fiquei surpreso com o dinamismo do ambiente e com as possibilidades de intercâmbio”, diz Fernando.

Ali está baseado o escritório em São Paulo da espanhola Cabify, concorrente do Uber – outra empresa que, ao chegar no Brasil, se instalou no Plug. Startups interessantes e inovadoras, como a BeeCâmbio, um portal de venda de moeda estrangeira, e o Easy Carros, aplicativo de delivery de serviços automotivos, operam no coworking. “Recebemos, todas as semanas, 200 cadastros novos de pessoas que querem utilizar nosso espaço”, diz Jorge Pacheco, CEO e fundador do Plug. “E, ao longo do ano, promovemos mais de 400 eventos para os residentes.” Para ficar no local, as empresas pagam cerca de 900 reais por mês por pessoa e não têm prazo de permanência nem limites definidos de lugares. O bom desempenho e a afinidade de interesses, além da preferência por um prestador de serviço nacional, fez com que o Cubo contratasse o Plug para cuidar de sua gestão imobiliária, o que mostra sua especialidade em coworking e a possibilidade de replicar esse novo ambiente de negócios com startups em muitos outros prédios da cidade.

Para o sócio-fundador da Redpoint e.Ventures, Anderson Thees, a criação desses arranjos é uma tendência mundial, principalmente no modelo estabelecido pelo Google Campus, em que o coworking é dedicado a uma grande marca de tecnologia. “Todas as grandes empresas globais, incluindo bancos, seguradoras e montadoras, estão querendo se aproximar de startups”, diz Thees. Prova evidente disso é a proliferação de iniciativas de criação de braços financeiros para bancar projetos de risco, os Corporate Ventures. Mais cedo ou mais tarde, boa parte do dinheiro desses fundos acaba sendo direcionada para investimentos em startups e até para aquisições. Segundo Thees, cerca de 1,6 mil grandes corporações já criaram fundos assim para se aproximar de empresas inovadoras que pensam fora da curva. No Brasil, pelo menos 130 seguem o mesmo caminho, incluindo Porto Seguro, Cetip e AES Eletropaulo. O que não falta, afinal, é oportunidade para as startups florescerem. E o mercado inteiro conspira para abrir mais espaço para elas.

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