Após polêmica em 2019, Porta dos Fundos fará novo especial de Natal
No ano passado, a sede do grupo foi atacada com coquetel molotov após levar ao ar um programa no qual Jesus se relacionava com outro homem
Estadão Conteúdo
Publicado em 19 de março de 2020 às 12h05.
Já é Natal para os integrantes do Porta dos Fundos - um dos mais festejados grupos brasileiros de humor do streaming, o elenco já se prepara para escrever o roteiro do especial natalino. E, neste ano, será uma edição diferenciada.
"Agora, esse programa ganhou outra proporção", conta ao jornal O Estado de S. Paulo o humorista Fábio Porchat, um dos expoentes do grupo que, por causa do novo coronavírus, mudou sua rotina: as conversas acontecem agora de forma virtual, cada um em sua casa.
O motivo desse maior interesse pelo especial ainda está fresco na memória: no ano passado, madrugada do dia 24 de dezembro, a sede da produtora do Porta foi atacada por coquetéis molotov. Felizmente não houve vítimas (um vigia estava no local) e o fogo não se tornou em incêndio.
Foi a mais agressiva reação ao especial de Natal de 2019, exibido pela Netflix e intitulado A Primeira Tentação de Cristo: o fato de retratar Jesus como um homossexual que se envolve com Lúcifer, além de mostrar a relação de Deus com Maria como uma traição a José, foi encarado com repúdio por grupos religiosos e movimentos conservadores, que conseguiram censurar o programa na Justiça do Rio.
Enquanto os outros membros do grupo estavam no Brasil, Porchat encontrava-se em Los Angeles, onde fazia um curso. "Eu acompanhava a distância e, por causa do fuso horário, quando eu acordava, já era início de tarde aqui e as conversas já estavam a mil."
O humorista conta que a sensação, mesmo a quilômetros de distância, foi idêntica à sofrida por outros grupos confrontados com violência. "O que passamos, acredito, é semelhante ao apuro passado pelos umbandistas, cujos terreiros foram invadidos por intolerantes religiosos, no ano passado", comenta.
Porchat conta que o episódio acabou fortalecendo o grupo. "Decidimos mudar de sede: não mais em uma casa, mas no 10.º andar de um edifício comercial. Teremos espaço para mais pessoas trabalhando, o que significa mais projetos." E, melhor de tudo, os patrocinadores não fugiram, depois do problema no final do ano. "O especial de Natal deste ano já tem patrocínio garantido."
A expectativa sobre o episódio será tamanha que o grupo ainda não sabe se o programa vai ser veiculado novamente por uma empresa de streaming (no caso, a Netflix) ou se pelo canal do Porta dos Fundos. Porchat não adianta sobre qual caminho vai percorrer esse especial ("Ainda estamos rascunhando as ideias", justifica), mas a linha de raciocínio continua a mesma.
"Refletimos sobre o que se passa no País no momento", explica Porchat, lembrando que o processo segue um ritual: são escritos em média 15 roteiros, até que surja o definitivo.
Nesse momento, o humor praticamente rompe qualquer barreira. "Acreditamos que podemos fazer piada com tudo e com todos - as pessoas deveriam aprender a rir. Pregamos a liberdade de expressão, dentro da lei", afirma. Nada fica de fora, portanto? "Só a piada ruim." Porchat, como os demais membros do Porta dos Fundos, defende uma atuação irrestrita, independente das reações contrárias.
"Nossa liberdade é inegociável. Não dá para negociar com terrorista. A gente já imaginou Jesus de todas as formas possíveis, acho que inclusive gay, mas o que mudou foi o País, não foi a gente. Esse mesmo especial de Natal, se tivesse sido lançado há um ou dois anos, não teria tido nada disso", disse Gregório Duvivier, em entrevista à agência de notícias France Presse, em janeiro.
"Mas estou com a impressão de que, nesse caso, a maioria está com a gente. Essa onda conservadora barulhenta sabe tacar coquetel molotov, tacar fogo, gritar, mas não é majoritária, é uma minoria barulhenta."
A pandemia do coronavírus e a consequente rotina mais espartana que deve ser adotada por todo brasileiro modificaram logicamente a rotina de Porchat. E de forma radical, afinal, ele retornou com dois programas semanais que apresenta no canal GNT: o Papo de Segunda, em que se reúne com Emicida, Chico Bosco e João Vicente para debater assuntos da atualidade, e o Que História é Essa, Porchat?, no qual propõe a famosos e pessoas anônimas compartilharem experiências inesquecíveis, engraçadas e até mesmo assustadoras.
O segundo programa é gravado e, como nem todos episódios da segunda temporada foram rodados, Porchat negocia com o canal quando poderão ser retomadas as gravações, uma vez que o cronograma foi suspenso por causa da precaução contra o coronavírus.
A pandemia, aliás, não deixou o grupo do Porta dos Fundos de braços cruzados - além do Especial de Natal, eles mantêm a programação normal dos esquetes inéditos, que continuam subindo no YouTube aos sábados, terças e quintas-feiras, a partir das 11h.
Apesar de ser um tema delicado, especialmente quando aumentar o número de óbitos, o coronavírus também não vai escapar do olhar irônico do grupo. "Podemos e devemos rir das adversidades", pondera Porchat. "Não podemos é desinformar ou causar pânico. Rir do coronavírus pode fazer com que as pessoas amoleçam um pouco o coração diante de tamanha dificuldade. Humor é feito para lembrarmos dos problemas, mas também para esquecermos."
Concurso. Outra função a que os rapazes do Porta estão se dedicando em casa é encontrar um novo participante. Para isso, foi organizado um reality show intitulado Futuro Ex-Porta. Esquisito? Porchat explica: "Queremos alguém tão bom que logo ele (ou ela) vai nos abandonar e se transformar em um ex-Porta dos Fundos", diverte-se.
O processo já começou - mais de 700 pessoas já se inscreveram no site do grupo e enviaram um vídeo interpretando um roteiro que está disponível no link. A data limite é 31 de março. Depois disso, quando a situação amenizar, Porchat e elenco do Porta vão viajar para as cidades onde vivem os 20 candidatos previamente selecionados e levá-los para o Rio de Janeiro.
Lá, todos participarão de desafios de atuação e provas ao estilo "Porta dos Fundos" até que finalmente surja o novo integrante. "Dei uma espionada em alguns candidatos e vi dois com bom potencial", conta Porchat, apontando as qualidades mais benéficas. "A pessoa tem que ser naturalmente engraçada, apresentar uma graça sincera."
É preciso também saber enfrentar as críticas, especialmente as ruidosas. "Afinal, quem mais detesta é mais barulhento", comenta Porchat. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.