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Todo romantismo da dona do cocker Flush

A poeta inglesa Elizabeth Barrett Browning, que fugiu da reclusão para se casar, retratou em “Sonetos da Portuguesa” seu romance epistolar com o marido

Leitora de sonetistas e de Lord Byron, Elizabeth recupera os temas autobiográficos, que esmoreciam com o fim do romantismo (Wikimedia Commons)
DR

Da Redação

Publicado em 15 de dezembro de 2011 às 09h23.

São Paulo - Em meados do século 19, nascia na Inglaterra o cocker spaniel dourado Flush. Depois eternizado como o sensível protagonista que dá nome a um livro de Virginia Woolf, o cachorrinho já em vida prestou-se a importante papel. Foi companhia da poeta Elizabeth Barrett Browning (1806-1861) e cúmplice de sua fuga para a ensolarada Itália com o marido, Robert Browning (1812-1889).

Se o romance de Virginia usa o ponto de vista do cão para descrever os ambientes e os restritivos costumes da era vitoriana, na vida real Flush se tornou personagem das cartas trocadas entre os amantes. Aconchegado ao pé de Elizabeth em sua alcova de Londres, que Virginia compara a uma “cripta incrustrada de mofo, escorregadia de limo, exalando cheiros acres de apodrecimento e de antiguidade”, o mascote testemunhou uma das mais românticas histórias de amor registradas pela literatura.

Pouco lida hoje no Brasil, Elizabeth foi um dos principais nomes da poesia vitoriana, contemporânea dos romancistas Charles Dickens, Lewis Carroll e das irmãs Brontë. Ainda adolescente, escreveu e traduziu poemas e, em 1844, depois de publicar versos em periódicos, lançou uma coletânea de suas produções.

Em janeiro do ano seguinte, cumpria sua rotina intelectual – sempre reclusa, em resguardo motivado por doenças misteriosas e baques emocionais sucessivos – quando um remetente desconhecido lhe endereçou uma carta. Robert Browning, também poeta, seis anos mais jovem do que ela, escreveu: “Amo seus versos com todo o meu coração (...) e amo você igualmente”.

Primeira das centenas de cartas que ambos compartilhariam, a missiva de Browning se derrama em uma paixão que tomaria conta também de Elizabeth. Mais do que transmitir o amor dos poetas, as correspondências o constroem e alimentam com palavras; estimulam Elizabeth a tal ponto que, mesmo proibida pelo pai viúvo de se casar, ela marca encontros clandestinos com Browning. Em poucos meses, casa-se em segredo e foge com ele para a Itália.


A reclusão, as cartas e a fuga valeriam apenas um rodapé biográfico caso Elizabeth não tivesse feito dessa aventura romântica sua obra mais atemporal. Sonetos da Portuguesa, que ela publica três anos depois do casamento, registra em 44 poemas cada momento do relacionamento dos Browning – “...o da recusa inicial da amada, o do contágio do amor que se propaga (...) e o do coroamento glorioso do encontro”, descreve o tradutor Leonardo Fróes em posfácio da edição lançada recentemente pela Rocco.

Temperamento romântico

Leitora de sonetistas e de Lord Byron, Elizabeth recupera os temas autobiográficos, que esmoreciam com o fim do romantismo, e os encaixa nos sonetos. Também inverte a posição comum da mulher amada: de objeto de contemplação, passa a ser o eu lírico feminino que ativamente deseja seu amado.

“Meu palpite é de que ela era muito forte e tinha um temperamento romântico”, arrisca Fróes, apoiado não só nas desventuras biográficas de Elizabeth mas também nos Sonetos e no progressista romance em verso Aurora Leigh (1857), sobre uma mulher que busca firmar sua independência.

O recato vitoriano, no entanto, a leva a optar pelo título ambíguo Sonetos da Portuguesa: seria a própria Elizabeth a “portuguesa” que assinava os versos ou ela atuava apenas como tradutora da misteriosa poeta lusa? Diante da história da fuga amplamente conhecida pela sociedade londrina, o enigma mal se sustenta. Elizabeth passa a ser constantemente reeditada em língua inglesa. Seu soneto mais famoso, cujo primeiro verso dá título a esta reportagem, ilustra cartões de Valentine’s Day (ou Dia dos Namorados) nos Estados Unidos.

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São Paulo - Em meados do século 19, nascia na Inglaterra o cocker spaniel dourado Flush. Depois eternizado como o sensível protagonista que dá nome a um livro de Virginia Woolf, o cachorrinho já em vida prestou-se a importante papel. Foi companhia da poeta Elizabeth Barrett Browning (1806-1861) e cúmplice de sua fuga para a ensolarada Itália com o marido, Robert Browning (1812-1889).

Se o romance de Virginia usa o ponto de vista do cão para descrever os ambientes e os restritivos costumes da era vitoriana, na vida real Flush se tornou personagem das cartas trocadas entre os amantes. Aconchegado ao pé de Elizabeth em sua alcova de Londres, que Virginia compara a uma “cripta incrustrada de mofo, escorregadia de limo, exalando cheiros acres de apodrecimento e de antiguidade”, o mascote testemunhou uma das mais românticas histórias de amor registradas pela literatura.

Pouco lida hoje no Brasil, Elizabeth foi um dos principais nomes da poesia vitoriana, contemporânea dos romancistas Charles Dickens, Lewis Carroll e das irmãs Brontë. Ainda adolescente, escreveu e traduziu poemas e, em 1844, depois de publicar versos em periódicos, lançou uma coletânea de suas produções.

Em janeiro do ano seguinte, cumpria sua rotina intelectual – sempre reclusa, em resguardo motivado por doenças misteriosas e baques emocionais sucessivos – quando um remetente desconhecido lhe endereçou uma carta. Robert Browning, também poeta, seis anos mais jovem do que ela, escreveu: “Amo seus versos com todo o meu coração (...) e amo você igualmente”.

Primeira das centenas de cartas que ambos compartilhariam, a missiva de Browning se derrama em uma paixão que tomaria conta também de Elizabeth. Mais do que transmitir o amor dos poetas, as correspondências o constroem e alimentam com palavras; estimulam Elizabeth a tal ponto que, mesmo proibida pelo pai viúvo de se casar, ela marca encontros clandestinos com Browning. Em poucos meses, casa-se em segredo e foge com ele para a Itália.


A reclusão, as cartas e a fuga valeriam apenas um rodapé biográfico caso Elizabeth não tivesse feito dessa aventura romântica sua obra mais atemporal. Sonetos da Portuguesa, que ela publica três anos depois do casamento, registra em 44 poemas cada momento do relacionamento dos Browning – “...o da recusa inicial da amada, o do contágio do amor que se propaga (...) e o do coroamento glorioso do encontro”, descreve o tradutor Leonardo Fróes em posfácio da edição lançada recentemente pela Rocco.

Temperamento romântico

Leitora de sonetistas e de Lord Byron, Elizabeth recupera os temas autobiográficos, que esmoreciam com o fim do romantismo, e os encaixa nos sonetos. Também inverte a posição comum da mulher amada: de objeto de contemplação, passa a ser o eu lírico feminino que ativamente deseja seu amado.

“Meu palpite é de que ela era muito forte e tinha um temperamento romântico”, arrisca Fróes, apoiado não só nas desventuras biográficas de Elizabeth mas também nos Sonetos e no progressista romance em verso Aurora Leigh (1857), sobre uma mulher que busca firmar sua independência.

O recato vitoriano, no entanto, a leva a optar pelo título ambíguo Sonetos da Portuguesa: seria a própria Elizabeth a “portuguesa” que assinava os versos ou ela atuava apenas como tradutora da misteriosa poeta lusa? Diante da história da fuga amplamente conhecida pela sociedade londrina, o enigma mal se sustenta. Elizabeth passa a ser constantemente reeditada em língua inglesa. Seu soneto mais famoso, cujo primeiro verso dá título a esta reportagem, ilustra cartões de Valentine’s Day (ou Dia dos Namorados) nos Estados Unidos.

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