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A função mais básica do RH é ouvir as pessoas

Na ânsia de se tornar estratégico, o RH acabou se embaraçando demais, se transformando num gabinete. Agora, a área precisa rever os conceitos e as práticas para resgatar sua função mais básica a de ouvir as pessoas

Seja Simples (Marcelo Spatafora)
DR

Da Redação

Publicado em 29 de novembro de 2013 às 18h32.

São Paulo - Emuma economia interligada, na qual novas empresas e novos mercados nascem (e morrem) a todo instante e o mais forte dos competidores pode surgir em qualquer lugar do mundo, o mínimo que se espera de uma companhia é que ela seja rápida e eficiente. Mas essa não é a regra.

Apenas as 200 maiores organizações globais listadas na revista Forbes perdem, por ano, 237 bilhões de dólares por sua ineficiência, segundo um estudo da Escola de Negócios da Universidade de Warwick, no Reino Unido. Isso indica que, na média, cada uma delas deixou de ganhar 1,2 bilhão de dólares por ano — ou 10,2% da sua receita. O mesmo estudo revelou que cerca de 10% das corporações levam até quatro meses para escrever seu plano anual de negócios em vez de executá-lo. Por que isso acontece?

Na ânsia de parecer competentes, os indivíduos tendem a sofisticar seus trabalhos, exageram na execução de suas tarefas e multiplicam sistemas, etapas e comunicações como uma forma de justificar sua importância no mercado de trabalho competitivo. E, nesse caminho complexo, acabam perdendo um tempo importante: 25% dos gestores, por exemplo, gastam um terço do seu dia escrevendo e-mails.

Esse vício de adotar métodos complexos para se mostrar importante invadiu também — e principalmente — a área de RH. “Em função de querer um papel estratégico, o gestor de RH perdeu a mão e acabou se complicando demais”, diz José Renato Domingues, vice-presidente de recursos humanos para a América do Sul da Novelis, fabricante de laminados de alumínio que tem 1 700 empregados no Brasil.

Seguindo modismos complicados — e muitas vezes inúteis —, o profissional de RH inventou sistemas de avaliação de desempenho, modelos de remuneração e práticas supercomplexas que acabam sobrecarregando toda a organização. A pesquisa da Universidade de Warwick identificou que a equipe de gestão de pessoas dedica menos de 45% de seu tempo em ações realmente valiosas para o negócio.

Na maior parte do tempo, ela fica na sua sala, fazendo coisas irrelevantes, como checar se os formulários da avaliação foram preenchidos. Numa das companhias estudadas pela universidade, o time de RH precisava colher 16 assinaturas antes de aprovar uma contratação.

Na subsidiária brasileira da fabricante de elevadores Otis, o processo de contratação demorava quatro meses. Segundo a diretora de RH para América Latina, Lucilene Scurato, o problema não era a dificuldade de encontrar os candidatos, mas “o processo burocrático”. Na Novelis, a equipe de gestão de pessoas também perdia tempo com tarefas “totalmente fora do escopo”, lembra Domingues. Lá, o time de RH chegou ao extremo de gerenciar médicos, hospitais, consultas e guias do plano de saúde próprio da empresa, batizado de Plano de Saúde Novelis.


Para o professor e consultor David Ulrich, maior autoridade em gestão de pessoas do mundo, a área de RH precisa avaliar melhor onde está investindo seu tempo. “Quando um sistema de RH toma mais tempo do que adiciona valor, é porque ele precisa ser modificado”, disse Ulrich, com exclusividade à VOCÊ RH. Isso não significa que a área de recursos humanos voltará a ser um departamento pessoal.

“O executivo de RH continua criando valor, sendo estratégico”, diz Ulrich. “Mas, hoje, agregar valor é melhorar a eficiência, construir processos e sistemas para economizar, ter controle e fazer mais com menos. É preciso rastrear, monitorar e rever atribuições para que as pessoas façam o que estão comprometidas a fazer.”

O problema é que os gestores de gente consideram questões básicas, como redução de custos e foco no curto prazo, algo chato e burocrático. Foi o que descobriram os consultores da DBM no Brasil ao avaliar os valores pessoais de 473 executivos de recursos humanos .

Segundo a pesquisa, os executivos concentram seus valores em questões nobres, como transformação, compaixão e consciência social, e ignoram assuntos simples, mas fundamentais, como melhoria de processos, saúde financeira e valor ao acionista. “Valor é aquilo que é importante para nós, e tomamos nossas decisões baseados nisso”, explica Claudio Garcia, presidente da consultoria na América Latina e no Brasil. “E, quando o RH tira da sua lista de valores coisas básicas, ele mostra que, numa tomada de decisão, deixará isso de lado.”

Deixando de lado o fundamental, o RH nunca se concretizará como um verdadeiro líder estratégico. Afinal, como diz Joaquim Patto, especialista em recursos humanos da consultoria Mercer: “Não adianta ter um vaso de flores na sala se a pia da cozinha está entupida”. Traduzindo na linguagem corporativa, de nada serve querer transformar a sociedade se a equipe demora uma semana para programar as férias de um colaborador.

Chegou a hora de a área de RH simplificar, melhorar processos, sistemas e conceitos. A seguir, as orientações de professores, consultores e gestores de pessoas que já começaram a sua jornada rumo ao básico.

Processos e sistema

Na avaliação de Anderson Sant’Anna, professor de organizações e comportamento organizacional da Fundação Dom Cabral, a área de RH está muito segmentada em subprocessos e sistemas, o que acaba gerando mais subprocessos e sistemas desintegrados. Como integrá-los? “Criando um eixo comum, transversal, que ligue a estratégia à ação”, diz o professor.


Foi o que fizeram os profissionais de recursos humanos da Novelis e da Otis ao redesenhar os procedimentos e estipular um tempo de resposta para cada ação. “O mapeamento de processos formaliza o funcionamento da área e define o papel de cada um”, destaca Domingues, da Novelis, que depois da revisão reduziu em 20% as etapas do setor. Em paralelo, a Novelis e a Otis também redesenharam a estrutura da área de pessoas e separaram as atividades operacionais e repetitivas das estratégicas e de relacionamento com os negócios, ganhando assim eficiência.

No caso da Otis, o tempo para preencher uma vaga operacional caiu de quatro meses para 35 dias. “Antes, muita gente se envolvia na contratação e o profissional de RH dependia da agenda do requisitante para definir o perfil da vaga e entrevistar os candidatos”, diz Lucilene Scurato. Agora, por definição, apenas três pessoas entrevistarão os candidatos, sendo que para cada tipo de vaga os gestores já foram pré-escolhidos e avisados.

Hoje, o time de RH consegue admitir 30 colaboradores por mês — antes, não passavam de cinco ou seis. Lucilene também trocou o velho software de folha de pagamento, que exigia o trabalho de cinco profissionais, que frequentemente viravam a noite processando os benefícios dos 2 100 empregados da empresa.

novo software é controlado por um fornecedor terceirizado, que cuida da folha de pagamento, de férias, rescisão, homologação, plano de saúde e outros benefícios. Com isso, ninguém mais passa a noite trabalhando. E a própria diretora, que antes saía do trabalho às 21 horas, deixa a empresa às 18h30.

O tempo extra liberou sua equipe para estudar se aqueles são realmente os melhores benefícios que a Otis pode oferecer, estruturar o primeiro programa de estágio da companhia e até pensar em uma academia de líderes. Temas, de fato, estratégicos.

“Quanto mais informatiza suas tarefas, mais tempo livre os líderes ganham para interagir com suas equipes”, acredita Henrique Szapiro, vice-presidente de recursos humanos do Citi. Por isso, ele e outros colegas da área estão revendo seus sistemas de gestão. Marcelo Nóbrega, diretor de RH para América Latina da Reckitt Benckiser, fabricante de produtos de limpeza, já chegou lá. Ele substituiu dois sistemas de avaliação de desempenho (um para gestores e outro para o grupo operacional) por um terceiro, unificando as populações.


Dos mais de três anos que Nóbrega viveu nos Estados Unidos, primeiro estudando e depois trabalhando, ele trouxe a busca constante pela simplicidade. De tempos em tempos ele conversa com sua equipe para analisar o que estão fazendo de valor, o que podem terceirizar ou descartar.

“As conversas são importantes porque o profissional de RH não tem o costume de dizer ‘não’, vai fazendo as coisas e, quando vê, criou um monstro”, diz o executivo. Num desses momentos de reflexão, ele percebeu que sua equipe passava uma semana escrevendo um relatório de dez páginas para o time global de RH — e ninguém lia.

Graças ao novo software e seu foco no simples, o relatório passou a ter apenas três páginas, escritas por uma pessoa, num único dia.

Políticas e práticas

Depois de simplificar processos e sistemas, é hora de o executivo de recursos humanos rever conceitos e práticas que foram adotados ao longo dos anos e já não servem mais para o presente. Afinal, retenção e carreira têm hoje o mesmo significado que tinham no passado? Para o diretor da Reckitt, não. “As pessoas não vivem mais em função do trabalho”, acredita. Hoje a vida pessoal tem um peso maior nas tomadas de decisões, e os empregados procuram um trabalho que se ajuste aos seus critérios.

Nessa linha, um funcionário pode mudar de emprego só porque tem vontade de trabalhar em outro segmento ou de assumir novos desafios. Admitindo que essa mudança é normal, os executivos de RH devem parar de inventar fórmulas malucas de retenção de pessoas. “A retenção será na base da conversa entre liderado e líder, que terá a capacidade de entender os desejos da equipe”, ressalta Nóbrega. Simples assim.

O mesmo vale para o conceito de carreira. Uma forma de as corporações se livrarem do emaranhado de práticas adotadas nesse quesito é reduzir os níveis hierárquicos. “Com isso, o título de um cargo perderá a importância”, acredita Gilberto Lara Nogueira, diretor de recursos humanos do Grupo Votorantim.

“No conceito básico de carreira, os funcionários serão avaliados (e recompensados) pela contribuição que dão à empresa.” E isso ditará a importância do trabalho executado pelo indivíduo, e a própria importância da pessoa para a companhia.“Aqueles que mais contribuírem serão os mais valorizados”, conclui Nogueira.


Essa linha de pensamento derruba os atuais modelos complexos de avaliação de desempenho e remuneração, usados por muitos gestores de pessoas. O RH, na opinião de Domingues, da Novelis, exagerou em criar planilhas multidimensionais de critérios, que levam em conta a produção do indivíduo, a produção da equipe, o comportamento de um e de outro, entre outras análises, complicando uma fórmula bastante simples: se o funcionário merece, ele recebe aumento e ponto final.

Pode ser acima ou abaixo da inflação, dentro ou fora do quadrante do mercado, mas está sempre ligado ao mérito. Isso é voltar ao básico.

Por causa dessa visão, Domingues reformulou o modelo de remuneração variável dos vendedores da Novelis no Brasil. Hoje, a companhia fabrica basicamente alumínio laminado para latinhas. Porém, neste ano expandirá seu portfólio de produtos, vendendo de carroceria de caminhão ao papel-alumínio usado nas cozinhas residenciais.

A fábrica de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, passará a produzir 600 000 toneladas de alumínio a partir de outubro deste ano, tornando-se a maior fábrica desse tipo no Hemisfério Sul, e a maior do mundo da Novelis. A empresa terá mais vendedores, saltando de 27 para 35 profissionais.

Até então, eles recebiam o salário variável conforme seu desempenho avaliado por nove indicadores — itens como produção da fábrica, qualidade da logística e do serviço. “Eram indicadores nada relacionados com a tarefa do comercial, e isso não os incentivava a vender”, diz Domingues. Neste ano, ele tirou todas essas escalas e vai avaliar e recompensar a equipe de vendas tendo como base apenas dois indicadores: volume de negócios e margem de lucro. “A ideia é dar foco e remunerá-los por aquilo que realmente importa.”

Com essas alterações, Domingues e os outros executivos ganharam tempo para desempenhar uma tarefa que desapareceu de suas agendas: ouvir as pessoas.


RH volta ao básico

Estar perto dos funcionários e ouvi-los era o exercício mais importante do profissional de recursos humanos. Com o passar dos anos e para provar que são executivos de negócios, esses profissionais simplesmente deixaram de lado a essência de sua função. Não “perdem mais tempo com conversas” e muitos já não conhecem seu próprio público. “No dicionário, antigamente ‘recursos humanos’ era descrito como a área de relações industriais; o profissional era o facilitador entre as equipes de trabalho e o empregador”, lembra José Renato Domingues, da Novelis.

Resgatando o principal papel da área, no final de outubro de 2011 Domingues criou o programa Diálogo Aberto, no qual pelo menos uma vez por semana vai às fábricas e aos escritórios falar informalmente com os colaboradores. Certa vez, o pessoal da fábrica de Pindamonhangaba reclamou da desorganização e do calor do ambiente de trabalho. “Algo simples, básico e que impacta na produtividade”, destaca Domingues. Depois da reunião, a equipe de limpeza aumentou a frequência no lugar, os desenhos técnicos foram organizados em uma biblioteca e a compra do novo ar-condicionado foi aprovada.

Contudo, mesmo com tempo a mais para estar perto das pessoas, o executivo de RH não tem braços para estender a todos os lugares. Por isso, seu papel é preparar os líderes para que eles se tornem os verdadeiros facilitadores das relações trabalhistas. “O RH não é um líder de gente”, ressalta Nogueira, do Grupo Votorantim. “Seu papel é preparar outros para serem líderes de gente.” O gestor de pessoas, acredita, precisa parar de se esconder atrás das avaliações 360 graus — uma ferramenta que, em sua opinião, tira a responsabilidade de quem deveria ser capaz de tomar uma decisão sozinho — e resgatar o seu poder de dar feedback.

Como diz Domingues, da Novelis:

“O gestor de RH deve chegar diretamente para um líder e dizer: ‘Senta aqui, porque você fez isso mal’.”. Seguindo esse princípio, ele virou coach de quatro executivos seniores da corporação. As conversas acontecem duas vezes por semana e duram até uma hora e meia. “Agora tenho gente quase todo o dia na minha sala.” Outra mudança: antes, sua agenda era consumida por reuniões administrativas e de comitês. Hoje, elas estão restritas a 10% de seu tempo. Isso porque Domingues priorizou sua participação na reunião da diretoria — e deixou as demais para serem decididas pela sua equipe.


Cultura da simplicidade

Com mais tempo para circular entre as pessoas, os executivos da Novelis e da Votorantim também assumiram outra questão básica, e não menos importante — a de zeladores da cultura corporativa.

A Novelis, no ano passado, criou um mapa cultural com elementos que espera ver nas atitudes dos empregados, e Domingues incentivou os líderes a repetir constantemente os valores em práticas diárias. O One Novelis, que trata a corporação como única, integrada, global, é um dos valores importantes.

Para dar força a ele, as metas da América Latina, por exemplo, passaram a ser definidas com a colaboração de pessoas da Europa e da Ásia. Outro valor de destaque no mapa é segurança. Por isso, mesmo em uma convenção, os gestores começam a palestra indicando onde estão as saídas de emergência e os extintores. “Para ser simples, é fundamental ter claro o que você quer e o tipo de organização que busca; são os valores que darão essa cara à companhia”, diz Gilberto Lara Nogueira, diretor de RH do Grupo Votorantim.

Em 2011, o grupo convidou 1 000 pessoas para ajudar na formação da cultura corporativa. No fim, destacaram sete princípios que valem para todos os funcionários das 150 fábricas, todos muito básicos: seja pragmático; vá direto ao ponto; tenha coragem para dizer o que pensa; aja com simplicidade; fale direta e abertamente. O diretor de RH já vê os valores sendo tratados no dia a dia, e a cultura deu espaço a discussões que antes não aconteciam — como a do novo conceito de carreira.

Rever processos, sistemas e práticas, e até treinar os gestores, é importante para reduzir o grau de complexidade da corporação. Entretanto, apenas com essas mudanças a simplificação será temporária e a complexidade voltará com o tempo. Segundo os professores da Universidade de Warwick, apenas a criação de uma cultura da simplicidade é capaz de transformar as pessoas.

Quando o executivo de RH reforça princípios básicos, que ressaltam a importância da simplicidade, ele mostra como as pessoas devem agir. Assim, quando elas começarem um novo relatório, ou tiverem a ideia de um novo processo, vão parar e analisar como isso gera valor aos negócios — ou se estão apenas complicando para parecerem importantes.

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São Paulo - Emuma economia interligada, na qual novas empresas e novos mercados nascem (e morrem) a todo instante e o mais forte dos competidores pode surgir em qualquer lugar do mundo, o mínimo que se espera de uma companhia é que ela seja rápida e eficiente. Mas essa não é a regra.

Apenas as 200 maiores organizações globais listadas na revista Forbes perdem, por ano, 237 bilhões de dólares por sua ineficiência, segundo um estudo da Escola de Negócios da Universidade de Warwick, no Reino Unido. Isso indica que, na média, cada uma delas deixou de ganhar 1,2 bilhão de dólares por ano — ou 10,2% da sua receita. O mesmo estudo revelou que cerca de 10% das corporações levam até quatro meses para escrever seu plano anual de negócios em vez de executá-lo. Por que isso acontece?

Na ânsia de parecer competentes, os indivíduos tendem a sofisticar seus trabalhos, exageram na execução de suas tarefas e multiplicam sistemas, etapas e comunicações como uma forma de justificar sua importância no mercado de trabalho competitivo. E, nesse caminho complexo, acabam perdendo um tempo importante: 25% dos gestores, por exemplo, gastam um terço do seu dia escrevendo e-mails.

Esse vício de adotar métodos complexos para se mostrar importante invadiu também — e principalmente — a área de RH. “Em função de querer um papel estratégico, o gestor de RH perdeu a mão e acabou se complicando demais”, diz José Renato Domingues, vice-presidente de recursos humanos para a América do Sul da Novelis, fabricante de laminados de alumínio que tem 1 700 empregados no Brasil.

Seguindo modismos complicados — e muitas vezes inúteis —, o profissional de RH inventou sistemas de avaliação de desempenho, modelos de remuneração e práticas supercomplexas que acabam sobrecarregando toda a organização. A pesquisa da Universidade de Warwick identificou que a equipe de gestão de pessoas dedica menos de 45% de seu tempo em ações realmente valiosas para o negócio.

Na maior parte do tempo, ela fica na sua sala, fazendo coisas irrelevantes, como checar se os formulários da avaliação foram preenchidos. Numa das companhias estudadas pela universidade, o time de RH precisava colher 16 assinaturas antes de aprovar uma contratação.

Na subsidiária brasileira da fabricante de elevadores Otis, o processo de contratação demorava quatro meses. Segundo a diretora de RH para América Latina, Lucilene Scurato, o problema não era a dificuldade de encontrar os candidatos, mas “o processo burocrático”. Na Novelis, a equipe de gestão de pessoas também perdia tempo com tarefas “totalmente fora do escopo”, lembra Domingues. Lá, o time de RH chegou ao extremo de gerenciar médicos, hospitais, consultas e guias do plano de saúde próprio da empresa, batizado de Plano de Saúde Novelis.


Para o professor e consultor David Ulrich, maior autoridade em gestão de pessoas do mundo, a área de RH precisa avaliar melhor onde está investindo seu tempo. “Quando um sistema de RH toma mais tempo do que adiciona valor, é porque ele precisa ser modificado”, disse Ulrich, com exclusividade à VOCÊ RH. Isso não significa que a área de recursos humanos voltará a ser um departamento pessoal.

“O executivo de RH continua criando valor, sendo estratégico”, diz Ulrich. “Mas, hoje, agregar valor é melhorar a eficiência, construir processos e sistemas para economizar, ter controle e fazer mais com menos. É preciso rastrear, monitorar e rever atribuições para que as pessoas façam o que estão comprometidas a fazer.”

O problema é que os gestores de gente consideram questões básicas, como redução de custos e foco no curto prazo, algo chato e burocrático. Foi o que descobriram os consultores da DBM no Brasil ao avaliar os valores pessoais de 473 executivos de recursos humanos .

Segundo a pesquisa, os executivos concentram seus valores em questões nobres, como transformação, compaixão e consciência social, e ignoram assuntos simples, mas fundamentais, como melhoria de processos, saúde financeira e valor ao acionista. “Valor é aquilo que é importante para nós, e tomamos nossas decisões baseados nisso”, explica Claudio Garcia, presidente da consultoria na América Latina e no Brasil. “E, quando o RH tira da sua lista de valores coisas básicas, ele mostra que, numa tomada de decisão, deixará isso de lado.”

Deixando de lado o fundamental, o RH nunca se concretizará como um verdadeiro líder estratégico. Afinal, como diz Joaquim Patto, especialista em recursos humanos da consultoria Mercer: “Não adianta ter um vaso de flores na sala se a pia da cozinha está entupida”. Traduzindo na linguagem corporativa, de nada serve querer transformar a sociedade se a equipe demora uma semana para programar as férias de um colaborador.

Chegou a hora de a área de RH simplificar, melhorar processos, sistemas e conceitos. A seguir, as orientações de professores, consultores e gestores de pessoas que já começaram a sua jornada rumo ao básico.

Processos e sistema

Na avaliação de Anderson Sant’Anna, professor de organizações e comportamento organizacional da Fundação Dom Cabral, a área de RH está muito segmentada em subprocessos e sistemas, o que acaba gerando mais subprocessos e sistemas desintegrados. Como integrá-los? “Criando um eixo comum, transversal, que ligue a estratégia à ação”, diz o professor.


Foi o que fizeram os profissionais de recursos humanos da Novelis e da Otis ao redesenhar os procedimentos e estipular um tempo de resposta para cada ação. “O mapeamento de processos formaliza o funcionamento da área e define o papel de cada um”, destaca Domingues, da Novelis, que depois da revisão reduziu em 20% as etapas do setor. Em paralelo, a Novelis e a Otis também redesenharam a estrutura da área de pessoas e separaram as atividades operacionais e repetitivas das estratégicas e de relacionamento com os negócios, ganhando assim eficiência.

No caso da Otis, o tempo para preencher uma vaga operacional caiu de quatro meses para 35 dias. “Antes, muita gente se envolvia na contratação e o profissional de RH dependia da agenda do requisitante para definir o perfil da vaga e entrevistar os candidatos”, diz Lucilene Scurato. Agora, por definição, apenas três pessoas entrevistarão os candidatos, sendo que para cada tipo de vaga os gestores já foram pré-escolhidos e avisados.

Hoje, o time de RH consegue admitir 30 colaboradores por mês — antes, não passavam de cinco ou seis. Lucilene também trocou o velho software de folha de pagamento, que exigia o trabalho de cinco profissionais, que frequentemente viravam a noite processando os benefícios dos 2 100 empregados da empresa.

novo software é controlado por um fornecedor terceirizado, que cuida da folha de pagamento, de férias, rescisão, homologação, plano de saúde e outros benefícios. Com isso, ninguém mais passa a noite trabalhando. E a própria diretora, que antes saía do trabalho às 21 horas, deixa a empresa às 18h30.

O tempo extra liberou sua equipe para estudar se aqueles são realmente os melhores benefícios que a Otis pode oferecer, estruturar o primeiro programa de estágio da companhia e até pensar em uma academia de líderes. Temas, de fato, estratégicos.

“Quanto mais informatiza suas tarefas, mais tempo livre os líderes ganham para interagir com suas equipes”, acredita Henrique Szapiro, vice-presidente de recursos humanos do Citi. Por isso, ele e outros colegas da área estão revendo seus sistemas de gestão. Marcelo Nóbrega, diretor de RH para América Latina da Reckitt Benckiser, fabricante de produtos de limpeza, já chegou lá. Ele substituiu dois sistemas de avaliação de desempenho (um para gestores e outro para o grupo operacional) por um terceiro, unificando as populações.


Dos mais de três anos que Nóbrega viveu nos Estados Unidos, primeiro estudando e depois trabalhando, ele trouxe a busca constante pela simplicidade. De tempos em tempos ele conversa com sua equipe para analisar o que estão fazendo de valor, o que podem terceirizar ou descartar.

“As conversas são importantes porque o profissional de RH não tem o costume de dizer ‘não’, vai fazendo as coisas e, quando vê, criou um monstro”, diz o executivo. Num desses momentos de reflexão, ele percebeu que sua equipe passava uma semana escrevendo um relatório de dez páginas para o time global de RH — e ninguém lia.

Graças ao novo software e seu foco no simples, o relatório passou a ter apenas três páginas, escritas por uma pessoa, num único dia.

Políticas e práticas

Depois de simplificar processos e sistemas, é hora de o executivo de recursos humanos rever conceitos e práticas que foram adotados ao longo dos anos e já não servem mais para o presente. Afinal, retenção e carreira têm hoje o mesmo significado que tinham no passado? Para o diretor da Reckitt, não. “As pessoas não vivem mais em função do trabalho”, acredita. Hoje a vida pessoal tem um peso maior nas tomadas de decisões, e os empregados procuram um trabalho que se ajuste aos seus critérios.

Nessa linha, um funcionário pode mudar de emprego só porque tem vontade de trabalhar em outro segmento ou de assumir novos desafios. Admitindo que essa mudança é normal, os executivos de RH devem parar de inventar fórmulas malucas de retenção de pessoas. “A retenção será na base da conversa entre liderado e líder, que terá a capacidade de entender os desejos da equipe”, ressalta Nóbrega. Simples assim.

O mesmo vale para o conceito de carreira. Uma forma de as corporações se livrarem do emaranhado de práticas adotadas nesse quesito é reduzir os níveis hierárquicos. “Com isso, o título de um cargo perderá a importância”, acredita Gilberto Lara Nogueira, diretor de recursos humanos do Grupo Votorantim.

“No conceito básico de carreira, os funcionários serão avaliados (e recompensados) pela contribuição que dão à empresa.” E isso ditará a importância do trabalho executado pelo indivíduo, e a própria importância da pessoa para a companhia.“Aqueles que mais contribuírem serão os mais valorizados”, conclui Nogueira.


Essa linha de pensamento derruba os atuais modelos complexos de avaliação de desempenho e remuneração, usados por muitos gestores de pessoas. O RH, na opinião de Domingues, da Novelis, exagerou em criar planilhas multidimensionais de critérios, que levam em conta a produção do indivíduo, a produção da equipe, o comportamento de um e de outro, entre outras análises, complicando uma fórmula bastante simples: se o funcionário merece, ele recebe aumento e ponto final.

Pode ser acima ou abaixo da inflação, dentro ou fora do quadrante do mercado, mas está sempre ligado ao mérito. Isso é voltar ao básico.

Por causa dessa visão, Domingues reformulou o modelo de remuneração variável dos vendedores da Novelis no Brasil. Hoje, a companhia fabrica basicamente alumínio laminado para latinhas. Porém, neste ano expandirá seu portfólio de produtos, vendendo de carroceria de caminhão ao papel-alumínio usado nas cozinhas residenciais.

A fábrica de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, passará a produzir 600 000 toneladas de alumínio a partir de outubro deste ano, tornando-se a maior fábrica desse tipo no Hemisfério Sul, e a maior do mundo da Novelis. A empresa terá mais vendedores, saltando de 27 para 35 profissionais.

Até então, eles recebiam o salário variável conforme seu desempenho avaliado por nove indicadores — itens como produção da fábrica, qualidade da logística e do serviço. “Eram indicadores nada relacionados com a tarefa do comercial, e isso não os incentivava a vender”, diz Domingues. Neste ano, ele tirou todas essas escalas e vai avaliar e recompensar a equipe de vendas tendo como base apenas dois indicadores: volume de negócios e margem de lucro. “A ideia é dar foco e remunerá-los por aquilo que realmente importa.”

Com essas alterações, Domingues e os outros executivos ganharam tempo para desempenhar uma tarefa que desapareceu de suas agendas: ouvir as pessoas.


RH volta ao básico

Estar perto dos funcionários e ouvi-los era o exercício mais importante do profissional de recursos humanos. Com o passar dos anos e para provar que são executivos de negócios, esses profissionais simplesmente deixaram de lado a essência de sua função. Não “perdem mais tempo com conversas” e muitos já não conhecem seu próprio público. “No dicionário, antigamente ‘recursos humanos’ era descrito como a área de relações industriais; o profissional era o facilitador entre as equipes de trabalho e o empregador”, lembra José Renato Domingues, da Novelis.

Resgatando o principal papel da área, no final de outubro de 2011 Domingues criou o programa Diálogo Aberto, no qual pelo menos uma vez por semana vai às fábricas e aos escritórios falar informalmente com os colaboradores. Certa vez, o pessoal da fábrica de Pindamonhangaba reclamou da desorganização e do calor do ambiente de trabalho. “Algo simples, básico e que impacta na produtividade”, destaca Domingues. Depois da reunião, a equipe de limpeza aumentou a frequência no lugar, os desenhos técnicos foram organizados em uma biblioteca e a compra do novo ar-condicionado foi aprovada.

Contudo, mesmo com tempo a mais para estar perto das pessoas, o executivo de RH não tem braços para estender a todos os lugares. Por isso, seu papel é preparar os líderes para que eles se tornem os verdadeiros facilitadores das relações trabalhistas. “O RH não é um líder de gente”, ressalta Nogueira, do Grupo Votorantim. “Seu papel é preparar outros para serem líderes de gente.” O gestor de pessoas, acredita, precisa parar de se esconder atrás das avaliações 360 graus — uma ferramenta que, em sua opinião, tira a responsabilidade de quem deveria ser capaz de tomar uma decisão sozinho — e resgatar o seu poder de dar feedback.

Como diz Domingues, da Novelis:

“O gestor de RH deve chegar diretamente para um líder e dizer: ‘Senta aqui, porque você fez isso mal’.”. Seguindo esse princípio, ele virou coach de quatro executivos seniores da corporação. As conversas acontecem duas vezes por semana e duram até uma hora e meia. “Agora tenho gente quase todo o dia na minha sala.” Outra mudança: antes, sua agenda era consumida por reuniões administrativas e de comitês. Hoje, elas estão restritas a 10% de seu tempo. Isso porque Domingues priorizou sua participação na reunião da diretoria — e deixou as demais para serem decididas pela sua equipe.


Cultura da simplicidade

Com mais tempo para circular entre as pessoas, os executivos da Novelis e da Votorantim também assumiram outra questão básica, e não menos importante — a de zeladores da cultura corporativa.

A Novelis, no ano passado, criou um mapa cultural com elementos que espera ver nas atitudes dos empregados, e Domingues incentivou os líderes a repetir constantemente os valores em práticas diárias. O One Novelis, que trata a corporação como única, integrada, global, é um dos valores importantes.

Para dar força a ele, as metas da América Latina, por exemplo, passaram a ser definidas com a colaboração de pessoas da Europa e da Ásia. Outro valor de destaque no mapa é segurança. Por isso, mesmo em uma convenção, os gestores começam a palestra indicando onde estão as saídas de emergência e os extintores. “Para ser simples, é fundamental ter claro o que você quer e o tipo de organização que busca; são os valores que darão essa cara à companhia”, diz Gilberto Lara Nogueira, diretor de RH do Grupo Votorantim.

Em 2011, o grupo convidou 1 000 pessoas para ajudar na formação da cultura corporativa. No fim, destacaram sete princípios que valem para todos os funcionários das 150 fábricas, todos muito básicos: seja pragmático; vá direto ao ponto; tenha coragem para dizer o que pensa; aja com simplicidade; fale direta e abertamente. O diretor de RH já vê os valores sendo tratados no dia a dia, e a cultura deu espaço a discussões que antes não aconteciam — como a do novo conceito de carreira.

Rever processos, sistemas e práticas, e até treinar os gestores, é importante para reduzir o grau de complexidade da corporação. Entretanto, apenas com essas mudanças a simplificação será temporária e a complexidade voltará com o tempo. Segundo os professores da Universidade de Warwick, apenas a criação de uma cultura da simplicidade é capaz de transformar as pessoas.

Quando o executivo de RH reforça princípios básicos, que ressaltam a importância da simplicidade, ele mostra como as pessoas devem agir. Assim, quando elas começarem um novo relatório, ou tiverem a ideia de um novo processo, vão parar e analisar como isso gera valor aos negócios — ou se estão apenas complicando para parecerem importantes.

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