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Por que a China está priorizando contratar profissionais da geração Z?

Conhecida como “A Maldição dos 35”, o país prioriza profissionais mais jovens; veja qual lição o Brasil pode tirar deste cenário internacional

Competição e tecnologia são alguns dos fatores que corroboram para o fenômeno da "Maldição dos 35" na China  (koiguo/Getty Images)

Competição e tecnologia são alguns dos fatores que corroboram para o fenômeno da "Maldição dos 35" na China (koiguo/Getty Images)

Publicado em 18 de abril de 2024 às 07h48.

Última atualização em 18 de abril de 2024 às 13h26.

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O que justifica a China passar pelo fenômeno conhecido como a “Maldição dos 35”, em que profissionais acima dos 35 anos começam a ter mais dificuldades de conquistar um trabalho? Para o brasileiro In Hsieh, a competição é um dos motivos.

O executivo In Hsieh se divide entre o Brasil e a China desde criança. Passou boa parte da sua infância em escolas chinesas e concluiu a graduação em Administração no Brasil. Como sócio de duas empresas, IEST e Chinnovation, trabalha diariamente em contato com executivos na China, o que o levou a conhecer com frequência os desafios do mercado de trabalho chinês.

“O que mais marca a China atual é a competição. Praticamente tudo é marcado por essa característica. Você nasce, cresce, vive e morre competindo”, diz In Hsieh que lembra que a pressão começa na escola.

“Eu não estava acostumado com aquele ritmo de estudos, e de certa forma fui inicialmente classificado num segundo escalão de alunos não brilhantes. Depois consegui alcançar, mas só entrando no mesmo ritmo.”

Em todas as suas palestras sobre a China, o executivo coloca no primeiro slide duas fotos: um vestibular e uma feira de empregos abarrotada de gente - duas fases da vida que remetem à disputa por vagas. “É cada vez mais comum que famílias com mais recursos financeiros ou que não querem submeter os filhos à pressão, mandem eles para viver ou estudar em outro país”, diz In Hsieh.

Para o executivo, essa hipercompetição gera como uma consequência a “Maldição dos 35” no mercado chinês, que prioriza desta forma a geração Z. “Antes quem não tinha ensino superior já tinha menos oportunidades. Depois quem não estudou nas melhores universidades também começa a sofrer, assim como quem não trabalha em empresas reconhecidas”, afirma. “Logo, entendo que o etarismo é mais uma dimensão de exclusão do mercado e da sociedade hipercompetitiva”.

Por que o etarismo pesa na sociedade chinesa?

Além da questão cultural, Alexandre Ratsuo Uehara, professor de Relações Internacionais da ESPM e especialista em estudos sobre a Ásia, afirma que também existe a questão do condicionamento por trás desse fenômeno na China.

“A China é um país que está buscando inovações e um trabalhador que possa trabalhar por um longo período. Uma das coisas que falam é que a regra do 996, ou seja, trabalho das 9h da manhã às 9h da noite, 6 vezes por semana, é algo comum no mercado chinês”, afirma. “A percepção é que pessoas acima dos 35 anos teriam menos energia e condicionamento para ter esse tipo de rotina”.

Outro fator que está pesando na decisão dos chineses em contratar profissionais mais jovem é a tecnologia. “Até porque é um público que está mais familiarizado com as tecnologias hoje do que os mais idosos”, diz Uehara.

A legislação contra a discriminação no mercado chinês está desregulada, segundo o professor, que afirma que há algumas regulamentações que aparecem em termos trabalhistas, mas em relação à dificuldade de encontrar empregos por causa da idade, não existe uma regulamentação específica neste momento.

Por que o cenário contra o etarismo tende a mudar?

Atualmente, a condição econômica na China tem feito com que inclusive a expectativa de vida melhore, mas há um tempo, a expectativa de vida era muito baixa, afirma o professor. “Com isso, uma pessoa acima dos 35 anos já era considerada uma pessoa muito experiente.”

Com esse cenário de natalidade mudando, Uehara vê que esse fenômeno tende a mudar em breve. “A sociedade chinesa está envelhecendo e uma das preocupações é exatamente esse envelhecimento, tanto que estão mudando a política de quantidade de filhos”, diz o professor que lembra que antes a limitação era de 1 filho e agora está se flexibilizando com dois ou mais filhos. “Por isso entendo que ainda que essa maldição dos 35 anos esteja presente, isso deve enfraquecer daqui para frente, porque não terá pessoas suficientes nesta faixa etária para atender o mercado.”

Esse envelhecimento da sociedade é algo que Uehara já vê acontecer no Brasil também. “No Brasil a faixa etária parece ser maior no mercado de trabalho, em torno de 50 anos. Fato é que o país já passou pela janela demográfica e, com isso, haverá necessidade de manter as pessoas com mais idade na atividade profissional, assim como a China”.

Público ou privado: o foco dos jovens mudou?

China e Brasil conta com jovens que estão buscando por mais estabilidade e com isso a corrida por empregos no setor público se intensificou nos últimos anos.

No caso da China, as mudanças no mercado de trabalho foram fortes nas últimas quatro décadas. Segundo um artigo no The Economist, que ouviu o escritor chinês Yu Hua, na década de 80 o setor público oferecia oportunidades mais interessantes aos chineses, mas isso mudou na década de 90 com o desenvolvimento econômico do país. Os graduados deixaram de lado as oportunidades de trabalho no setor público e apostaram em oportunidades em companhias estrangeiras ou na abertura de suas próprias empresas.

“O incentivo era o dinheiro, afinal, eles conseguiam ganhar muitos mais com o sistema privado”, afirmou Yu Hua ao The Economist.

Mas o cenário mudou, conforme a economia desacelerou na China e os jovens começaram a ver mais valor nos empregos públicos – sem contar na forte concorrência no setor, que exige hoje uma qualificação que vai além da graduação, sendo necessário mestrado ou até doutorado em muitas oportunidades.

No Brasil, a realidade não é muito diferente. A competição no mercado de trabalho está exigindo cada vez mais qualificação dos profissionais e a corrida para concursos públicos voltou a acontecer neste ano. Só o Concurso Nacional Unificado teve mais de 2 milhões de inscritos.

Apesar de serem economias motivadas por setores diferentes, ambos os países possuem o mesmo desafio: Como aproveitar a mão de obra mais experiente – principalmente no setor privado?

No Brasil, onde a faixa etária média no mercado de trabalho é em torno de 40 anos, de acordo com CENSO 2022, e considerando o aumento da longevidade, a coach Milena Brentan afirma que é importante dar espaço para as pessoas mais velhas na atividade profissional, valorizando e garantindo inclusão e a produtividade. “Isso pode incluir políticas de trabalho mais flexíveis, programas de treinamento contínuo e suporte para transições de carreira, assegurando que as habilidades e a sabedoria dos trabalhadores mais velhos sejam valorizadas e integradas”.

Atualmente, a coach reforça que o Brasil tem a oportunidade de diversidade geracional trabalhando juntas e é justamente essa diversidade de pensar que trará benefícios de sustentação de longo prazo para empresas. "Como exemplo, vale a pena comentar da tão falada economia prateada, vista como um mercado crescente de consumidores acima dos cinquenta anos, previstos para o futuro muito próximo. Portanto, é estratégico incluir esse mesmo público na força de trabalho, também pela perspectiva de seu crescente potencial econômico."

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