Songdo: a cidade inteligente construída do zero na Coreia do Sul é uma aposta para o futuro (Sungjin Kim/Getty Images/Getty Images)
Luísa Granato
Publicado em 3 de abril de 2021 às 08h00.
Última atualização em 5 de abril de 2021 às 06h32.
“Como faço para ter esses empregos do futuro na minha cidade?”, esse foi o questionamento que Ben Pring, futurista e cofundador do centro de futuro do trabalho da empresa de tecnologia Cognizant, recebeu após a publicação do primeiro estudo sobre o futuro do trabalho em 2017. Era um telefonema inesperado, vindo de um candidato à prefeitura de Milwaukee, principal cidade do estado americano de Wisconsin.
Assim como outras cidades no Cinturão da Ferrugem dos Estados Unidos, Milwaukee prosperou com a indústria de manufatura nos anos 1970 e começou a ver um declínio de oportunidades nas décadas seguintes.
“Os trabalhos foram embora e ele queria entender como construir esse mercado novamente. E eu não tinha uma boa resposta, mas a questão ficou: o que faz uma cidade crescer e prosperar? Se houvesse uma fórmula para sucesso ou fracasso no futuro do trabalho, quais seriam os fatores?”, conta o executivo em entrevista à EXAME, que teve acesso exclusivo ao relatório 21 Places of the Future (21 lugares do futuro, numa tradução livre).
E as respostas que o pesquisador encontrou neste novo relatório para o questionamento de anos atrás mostram lugares não tão óbvios. A expectativa é de capitais que ilustram os destinos turísticos mais famosos e são grandes centros econômicos mundiais estarem no topo da lista.
Pring entendeu que tamanho e relevância da economia local estão longe de garantir empregos do futuro. Tanto é que, na avaliação dele, a pequena Dundee, uma cidade da Escócia com 154.000 habitantes, tem um potencial superior ao de Londres na geração de empregos do futuro. Na Coreia do Sul, a cidade planejada de Songdo, construída a partir de 2004 e atualmente com pouco mais de 50.000 habitantes, aparece na lista. A capital sul-coreana Seul, não.
E, infelizmente, Milwaukee não entrou para a lista de lugares do futuro, mas o estudo mostra diversos pontos de aprendizado para cidades do mundo todo.
Mas, afinal, o que faz uma cidade ser um local atrativo para os empregos no futuro? “Criamos um átomo do sucesso, com diferentes elementos, alguns centrais e outros periféricos. Os três centrais são a qualidade do governo local, o investimento disponível e a educação na área. Fora isso, outros fatores têm impacto na atração de pessoas, como a infraestrutura ou a cultura”, explica o pesquisador.
Ao acelerar a tendência do trabalho mais remoto e mais virtual, as cidades precisarão competir pela atenção dos profissionais do mundo todo. Entre cidades tão diferentes listadas no estudo, alguns dos ingredientes em comum que se destacam são os investimentos em tecnologia, a agilidade para criar novos negócios e a existência de centros de inovação. No entanto, Pring frisa que a maioria dos lugares são bons para jovens morarem. E, claro, com um custo de vida acessível.
A boa notícia para os brasileiros é que, num momento de desilusão de boa parte da população com a polarização crescente na política, o ritmo claudicante da economia e o colapso sanitário causado pela covid-19, a cidade de São Paulo entrou para a lista de Pring dos 21 locais com empregos do futuro. Por trás da inclusão da metrópole paulistana está a boa oferta de imóveis e serviços urbanos, como alimentação, a preços baixos.
“Isso é chave para São Paulo. Muitos lugares, como Londres, Nova York, Boston ou Paris são tão caros que pessoas jovens não conseguem arcar com os custos de vida. São Paulo é relativamente acessível, um elemento crucial para o futuro do trabalho”, diz. Por isso, o estudo também leva em conta elementos menos tangíveis, como a diversidade ou a culinária local.
De São Paulo ao espaço sideral, confira o mapa dos lugares do futuro:
Enquanto pesquisadores de instituições como a Cognizant ou o Fórum Econômico Mundial alertam há anos para as mudanças do futuro do trabalho, a pandemia tornou bastante tangível a principal diferenciação da mão de obra nos próximos anos.
O executivo da Cognizant usa os termos “cabeça para cima” e “cabeça para baixo” (em inglês, heads up work e heads down work). Ou seja, aquelas funções que são realizadas com a cabeça abaixada em um computador ou levantada para o mundo.
Essa é uma maneira simples de entender quem pode fazer home office e quem precisou continuar frequentando o local de trabalho durante a pandemia. “É uma forma de medir o impacto futuro da pandemia na nossa relação com o trabalho", diz Pring.
"O trabalho ‘heads down’ pode ser feito de qualquer lugar, mas isso não exclui a necessidade de estar com os colegas, colaborar, discutir ideias e criar”, explica o futurista. "Da mesma forma, ainda haverá empregos em serviços, nos escritórios, hospitais, restaurantes e transportes".
Por causa do trabalho 'heads down', que pode ser realizado de qualquer lugar do mundo, dependendo apenas de um computador e uma boa conexão de internet, o relatório dos lugares do futuro aponta também locais mais conceituais.
Na lista estão Remotopia, um nome fantasia para o trabalho de qualquer lugar; o Espaço Virtual, que é o trabalho em ambientes paralelos criados com tecnologias de realidade virtual; a Nova Hanseática, nome para os empregos criados em zonas econômicas com regras próprias, mais liberais que a dos países onde essas zonas estão localizadas (exemplos disso são a coreana Songdo e Dubai, nos Emirados Árabes Unidos); e, por fim, o Espaço Sideral, que designa os trabalhos abertos com a retomada da corrida espacial na esteira do interesse crescente da iniciativa privada no tema.
“Estamos na beirada de uma virada muito grande. Hoje, há pessoas no Facebook que trabalham em espaços virtuais. E, com os investimentos de Elon Musk (bilionário sul-africano fundador da montadora Tesla) e de Jeff Bezos (fundador da Amazon) na nova corrida espacial, veremos muitos empregos criados nessa empreitada. Pode parecer louco, mas com o uso de tecnologias como impressão 3D, ainda veremos uma revolução espacial na nossa vida”, diz Pring.
No início de abril, a Blue Origin, empresa de exploração espacial de Bezos, tinha 340 vagas abertas. A Space X, companhia de Musk, lista mais de 800 oportunidades em seu site. A Cognizant identificou um crescimento de 70% nas posições para engenheiros aeroespaciais nos Estados Unidos no último ano.
De acordo com a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos, essa indústria já vale mais de 400 bilhões de dólares. Até 2040, o Morgan Stanley estima que o valor alcance um trilhão de dólares no mundo todo. A China tem sua aposta estratosférica: a zona econômica de serviços entre a Lua e a Terra vai valer 10 trilhões de dólares até 2050.
Quanto a Nova Hanseática, o futurista explica que esse seria o mais conceitual dos lugares – e uma provocação para pensarmos em como se configura uma nação no mundo digital. Com inspiração na Liga Hanseática, uma zona econômica entre 200 cidades no fim da Idade Média, o relatório prevê a aparição de novas zonas, agora ligadas pela internet e códigos.
“Para nós, algumas configurações de países não fazem mais sentido. Vemos uma mudança de como pensamos em lugares e comunidades. Aqui em Boston temos o Acela Corridor, que leva o nome do trem que liga a cidade com Nova York e Washington DC. As pessoas nesse corredor, que usam esse trem para trabalhar ou fazer negócios, já apresentam uma certa cultura ou personalidade em comum. Vamos começar a ver mais organizações assim daqui pra frente”.