Lição de carreira com Oscar Schmidt: "O impossível só se torna realidade se estiver bem-preparado"
Um dos melhores jogadores que o basquete brasileiro já teve fala à Exame sobre os maiores desafios de sua trajetória dentro e fora da quadra, as expectativas com as Olimpíadas e como ser um profissional de alto desempenho
Repórter
Publicado em 2 de junho de 2024 às 09h14.
Última atualização em 2 de junho de 2024 às 14h08.
Não precisa entender ou acompanhar os jogos de basquete, para saber que Oscar Schmidt foi um dos maiores jogadores da seleção brasileira. O seu talento para o esporte, que é altamente valorizado nos EUA, começou cedo. O primeiro jogo profissional de Schmidt foi aos 14 anos e desde então colecionou muitas vitórias, deixando uma marca no basquete brasileiro: participou de três campeonatos mundiais e de cinco edições dos Jogos Olímpicos, em que até hoje é o recordista de pontos.
Após fazer história com suas pontuações por times nacionais como Corinthians, Palmeiras e Flamengo, e internacionais como Caserta e Pavia, na Itália, o jogador ganhou o apelido de “mão santa” e foi introduzido ao Hall da Fama do Basquete em 2013. A aposentadoria das quadras aconteceu aos 45 anos e hoje com 66 anos de idade compartilha sua experiência de vida dentro e fora das quadras como comentarista e palestrante.
Um dos maiores desafios da vida do atleta não foi um jogo, foi a saúde. O ex-jogador lutou contra um câncer no cérebro de 2011 a 2022. “Foi uma batalha dura, mas que me ensinou muita coisa, me fortaleceu e me faz viver melhor e mais plenamente hoje em dia”, diz Schmidt.
Para mostrar que o motivo de parar o tratamento em 2022 tinha relação com a sua cura, Oscar participou de uma entrevista com o jornalista Roberto Cabrini. “Fui morto várias vezes pela imprensa, mas o Cabrini me salvou com uma matéria maravilhosa”, disse o ex-jogador.
Oscar segue a vida sempre de olho no esporte que o transformou no ícone que conhecemos. Em julho, por exemplo, a seleção de basquete masculina disputará uma vaga para as Olimpíadas deste ano e terá a “mão santa” na torcida. Para saber o que ex-atleta espera dessa disputa e os maiores desafios e lições de sua carreira, veja a entrevista exclusiva de Oscar Schmidt à EXAME:
Oscar, por acaso a sua carreira de jogador de basquete nasceu em casa? Sua família te apoiou ou te influenciou de alguma forma?
Meu pai teve uma influência enorme no começo da minha carreira. Ele era um homem muito instruído e inteligente; valorizava hábitos saudáveis, como boa alimentação e prática de esportes; eu e meus irmãos, inclusive, brincávamos e o chamávamos de “papai, o saudável”.
Fora isso, meu pai ainda era militar e descendente de alemães, então você pode imaginar que a educação lá em casa era muito branda e tranquila — meu pai era um homem justo, mas exigia disciplina e comprometimento de todos nós.
Crescendo em um ambiente como essa, era inevitável me interessar por esporte — no começo, meu sonho, como todo bom brasileiro, era ser jogador de futebol. Mas, como eu era muito grande e desengonçado, logo vi que no futebol eu não ia ter muito futuro.
Quando descobriu o seu talento para o basquete?
Primeiro, que eu queria ser jogador de futebol. Mas, como eu era muito alto, viram que eu tinha mais potencial para o basquete.
Minha mãe me levou no clube Vizinhança, de Brasília. E a partir daí, não parei mais de jogar basquete.
Lá, conheci o Miura, técnico de basquete, que me ajudou com vários treinamentos, principalmente em arremessar. Ele me disse uma frase, que não me esqueço: Comece certo, que um dia você poderá acertar muitas.
O que mais sentiu em seu primeiro jogo profissional: medo ou ansiedade?
Meu primeiro jogo foi com 14 anos, contra o Minas, no Clube Unidade Vizinhança, de Brasília. Eu estava bem à vontade em jogar, sentia muita ansiedade, mas nunca deixei que isso me atrapalhasse. E isso se repetiu no meu primeiro jogo com a seleção brasileira adulta também, eu já tinha 16 anos.
Qual jogo mais marcou a sua carreira? Por quê?
Sem dúvida foi aquela final dos jogos Pan-Americanos de 1987. Aquele jogo mudou não só a minha vida, mas de certa forma os rumos do basquete moderno — foi em parte por conta daquela derrota dos Estados Unidos, que ocorreu na casa deles, uma coisa que até então era inédita, que eles convocaram o “dream team”, que tinha Michael Jordan, Magic Johnson, Larry Bird e mais uma constelação de outros excelentes jogadores.
Como conciliava família e trabalho?
Eu sempre tive uma ética de trabalho muito bem estabelecida. Se eu tinha um compromisso, seja com o time, com meus companheiros ou comigo mesmo, aquilo passava a ser meu foco. A Cris, meus filhos, pais e outros familiares sabiam e entendiam isso e até tentavam me ajudar a focar nos meus objetivos de todas as formas que eles pudessem — teve algumas épocas na minha carreira que eu fazia as minhas refeições na cama, para maximizar meu tempo de descanso; as vezes eu saia do treino, tomava um banho no vestiário do ginásio, colocava o pijama por baixo do agasalho para poder chegar em casa e ir direto descansar, para estar pronto para o treino ou jogo do dia seguinte.
Muito jogadores têm superstições. Como você lidou e lida com a fé?
Assim como não existe talento sem treinamento, não existem milagres sem esforço e dedicação. Eu acredito que o impossível só se torna realidade se você estiver bem-preparado quando a oportunidade aparecer, então sim, eu sempre tive fé e minhas superstições, mas só acreditava ou me apoiava nelas por saber que tudo que estava ao meu alcance eu havia feito e o que viesse a mais era lucro.
Qual foi o maior desafio da sua carreira e como conseguiu vencê-lo?
O maior desafio profissional com certeza foi aquele jogo do Pan-americano; o Brasil foi para aquela final desacreditado, querendo saber apenas de quanto iria perder dos Estados Unidos. Conseguir aquela vitória inesperada, então, foi algo especial para nós.
Depois daquele jogo, a principal lição que eu aprendi foi que não existe esse negócio de impossível; eu risquei isso do meu vocabulário depois daquele dia. Algumas coisas são improváveis, mas nada é impossível, principalmente para aqueles que estão bem preparados.
O câncer foi o maior desafio da sua vida?
Com certeza. Foi o maior desafio e o maior aprendizado, porque um diagnóstico desses é algo que te pega desprevenido e te dá uma nova noção de realidade; é uma coisa que te faz perder o chão e rever todos as suas crenças.
Foi uma batalha dura, mas que me ensinou muita coisa, me fortaleceu e me faz viver melhor e mais plenamente hoje em dia.
Você foi a 5 Olimpíadas. Qual delas foi a mais marcante?
Isso é muito difícil de dizer. Cada Olimpíada teve seus momentos marcantes e especiais; na minha primeira, que foi a de Moscou, teve aquele gostinho de ser a primeira vez; na última, teve toda a emoção de ser uma despedida. Depois que eu parei de jogar, tive a oportunidade de cobrir algumas Olimpíadas como comentarista esportivo, algumas delas com a minha família junto.
Os Jogos Olímpicos são algo que tem um lugar especial na minha vida, então é praticamente impossível elencar a mais especial.
Você chegou a comentar que não acredita que a seleção brasileira de basquete irá para as Olimpíadas neste ano. O que falta para a seleção atual?
Infelizmente o Brasil tem um caminho duro para conseguir a vaga Olímpica; vamos ter jogos difíceis, contra times excelentes, que estão na mesma situação complicada que o Brasil está para se classificar.
Como eu disse, depois daqueles Jogos Pan-americanos eu risquei a palavra impossível do meu vocabulário; tudo é possível se você estiver bem-preparado. Então eu acredito e vou torcer para o Brasil, é claro, mas também sei que não vai ser uma situação fácil.
As mudanças levam tempo. O nosso basquete, infelizmente, foi deixado não em segundo, mas em terceiro ou quarto plano durante muitos anos, então é natural que as melhoras que o Presidente Guy Peixoto e a comissão estão fazendo ainda vão demorar para render os frutos que esperamos. Mas, assim como o Miura me disse, comece certo que um dia você vai acertar muitas.
Quais lições qualquer profissional pode aprender com um atleta de destaque, como você, para ter sucesso em sua área?
A disciplina, sem dúvida. Para você jogar em alto nível é preciso uma quantidade surreal de disciplina; eu posso te garantir que nos dias de hoje ninguém vai ter o tempo de treinar o tanto que eu treinei, porque é preciso doar a sua vida a esse objetivo e, ainda por cima, ter a consciência de que muitas vezes isso não vai ser o suficiente para alcançar os seus objetivos.
O esporte de alto rendimento tem muitas lições importantes sobre esforço, disciplina e, principalmente, fracasso.
O que acha do apelido “Mão Santa”?
Acho injusto (risos). O ideal seria “Mão Treinada”! Mas tenho muito carinho por esse apelido; poucas pessoas têm o privilégio de receber uma homenagem tão marcante quanto essa, então sou muito grato.
Qual legado você quer deixar no mundo?
O do treino! Gostaria que todas as pessoas pudessem entender e valorizar a importância de treinar e se preparar. Sem treinamento, não existem vitórias. Por isso, eu sempre digo: treine muito, mas muito mesmo. E quando estiver bem cansado, treine mais um pouquinho, porque é esse pouquinho que vai fazer a diferença lá na frente.