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Hugo Sigman: não há futuro sem ciência

Sustentar a capacidade de transferir conhecimento do sistema científico para os setores produtivos é um dos desafios da América Latina

A inovação é inerente às sociedades (Thinkstock/Thinkstock)
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Bússola

Publicado em 13 de julho de 2022 às 12h30.

Última atualização em 13 de julho de 2022 às 12h35.

Resolver todos os problemas ou dificuldades que a América Latina enfrenta, como a região mais desigual do planeta, é uma tarefa bastante árdua. Entre todos os desafios, uma certeza surge com nitidez: não há futuro sem ciência.

Se, como muitos de nós acreditamos, a bioeconomia será a base sobre a qual se erguerá uma parte cada vez mais importante da economia do planeta, então a América Latina tem ao menos duas razões para ser otimista. A primeira é que a região foi bem qualificada pelas Nações Unidas como “superpotência de biodiversidade”.

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A segunda é que quantidade de trabalhadores da ciência vem aumentando, o que revelaria o crescente peso da inovação e desenvolvimento na economia latino-americana (passou de menos de um investigador para cada mil trabalhadores sobre a população economicamente ativa—0,98/1.000—em 2013, a pouco mais de um—1,03/1.000—em 2017, segundo dados do último Relatório Mundial da Ciência da Unesco).

No entanto, isso não é suficiente. Para completar o quadro é preciso analisar o investimento de cada país em ciência e desenvolvimento em relação ao PIB. O dado ilustra bem o lugar que a ciência e a inovação ocupam nas prioridades políticas, o que vai de mãos dadas com questões como o modelo de desenvolvimento, a estratégia de inserção internacional e a qualidade do emprego.

Vejamos alguns dos números da Unesco coletados pelo portal de dados abertos do Banco Mundial. A média mundial em investimento em investigação e desenvolvimento (I+D) gira ao redor de 2,2% do PBI. Sem embargo há 11 países que superam essa média: Israel com 4,94%; a República da Coreia com 4,53% e a Suíça com 3,37% lideram o ranking, seguidos pelo Japão (3,28%), Suécia (3,31%), Alemanha (3,13%), Áustria (3,21%), Dinamarca (3,03%), Estados Unidos (2,83%) Bélgica (2,77%) e Finlândia (2,76%).

A média de investimento em ciência nos países da União Europeia é de 2,19%, na América Latina e Caribe, de 0,67%. Com exceção do Brasil, nenhum país da nossa região supera 1%.

A inovação é inerente às sociedades. Todas elas, de um modo ou de outro, inovam. A diferença radical na velocidade, profundidade e na orientação, e a largada é dada, em primeiro lugar, pela quantidade de recursos que se investem para inovar. Quem e como se deve investir em ciência?

Jorge Sábato, extraordinário físico e tecnólogo argentino, propôs no final dos anos 1960 um modelo de política científico-tecnológica que hoje se conhece como “o triângulo de Sábato” e que postula três atores chave: o Estado (em seu papel de regulador), a infraestrutura científica e tecnológica (como setor de oferta) e as empresas (como demandantes). O êxito dos países que lideram os rankings se deve também ao fato de que adicionaram à equação os fundos de risco para o investimento produtivo em ciência.

Por isso, sustentar a capacidade de transferir conhecimento do sistema científico para os setores produtivos é um dos desafios medulares que a América Latina enfrenta. Implica, em poucas palavras, converter a ciência em produtos e serviços com valor agregado que contribuam para o desenvolvimento da sociedade. Para tal fim, entre outras coisas, os países devem criar agências especializadas que se ocupem dos processos de patenteamento, contratos, planos de negócio e sobretudo de identificar quais inovações podem ser mais úteis para o sistema produtivo.

A colaboração entre o sistema público e o privado para desenvolver capacidade científica e tecnológica não é algo que se dará de um modo natural ou espontâneo; é um desafio sobre o qual é necessário trabalhar. Nesse sentido, a construção de confiança mútua entre dois setores que muitas vezes funcionam em paralelo é fundamental.

O caso argentino é paradigmático: embora durante muitíssimo tempo tenha existido um divórcio entre o setor científico e as empresas—divórcio no qual ambas as partes tiveram sua parcela de responsabilidade—, hoje essas reticências tem caído consideravelmente. A chave dessa aproximação não foi uma modificação institucional ou mudanças na legislação. Tampouco uma política pública específica, houve várias.

A mudança foi mais cultural e teve a ver com o fato de que muitos cientistas se transformaram em empreendedores, o que permite que o conhecimento fique em mãos dos que o geraram, tanto os investigadores como as instituições; em geral públicas ou nas companhias em que trabalham. Foi esta nova “cadeia de propriedade do conhecimento" que permitiu mudar a histórica retórica antiempresarial que tinha grande parte do âmbito científico e tornou muitos investigadores donos das empresas que produzem suas próprias ideias.

Dessa forma, além do debate sobre se a investigação deve ser fomentada pela universidade ou pela empresa, o urgente é poder dedicar a ela mais recursos que permitam colocar a ciência no centro de um modelo de desenvolvimento sustentável, inclusivo e integral.

Nem a ciência é todo-poderosa nem qualquer coisa em seu nome representa por si só o progresso. Mas já não restam dúvidas de que a criação de capacidades científicas e tecnológicas soberanas ocupará um espaço cada vez mais relevante nas perspectivas de desenvolvimento a longo prazo da América Latina.

*Hugo Sigman é médico psiquiatra e fundador do Grupo Insud

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