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Encargos na conta de energia elétrica: instrumentos ou vilões de política pública?

Especialistas no setor de energia discutem sobre conta de luz, mercado livre de energia e ações do governo a favor dos consumidores

"Afinal, o que realmente está embutido na conta de energia do consumidor do ambiente cativo? " (EschCollection/Getty Images)
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Publicado em 20 de março de 2024 às 10h00.

Por João Pedro Assis e Ana Carolina Calil*

Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética - EPE, mais de 99% das 90 milhões de unidades consumidoras atendidas pelo Setor Elétrico Brasileiro - SEB estão submetidas ao Ambiente de Contratação Regulado - ACR, no qual a energia elétrica é necessariamente fornecida por concessionárias ou permissionárias de serviço público (distribuidoras) e as tarifas ( preço da energia ) predefinidas pelo Estado.

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Nas últimas décadas, o ACR tem sido fundamental para garantir os investimentos necessários à modernização e disponibilidade da geração, transmissão e distribuição de energia correspondentes à demanda de milhares de usuários, tanto em qualidade como em preços/custos. Um feito e tanto. Basta lembrar os impactos causados pelosapagõese racionamento de energia decorrentes da insuficiência de infraestrutura em 2001.

Falas recentes do Poder Executivo têm enfatizado os desafios enfrentados pelos consumidores do ACR, que pagam em média 35% a mais pela energia elétrica consumida em suas residências e pequenas empresas em comparação a milhares de empresários e produtores brasileiros, de médio ou grande porte, atendidos pelo Ambiente de Contratação Livre - ACL.

Há quem sustente que a ampliação do ACL nos últimos anos representa uma das principais causas da escalada dos preços praticados no ambiente cativo de contratação. Sobre o ponto, é fato que a segurança operacional do SEB demanda investimentos financeiros contínuos, que devem ser custeados por todos os usuários beneficiados de forma justa e socialmente responsável. Mas, afinal, o que realmente está embutido na conta de energia do consumidor do ambiente cativo?

O que entra na conta de luz?

A equação seria simples se não houvesse inseridos em cada uma das principais  componentes tarifárias do ambiente cativo - TE (Tarifa de Energia) e TUST/TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão e Distribuição, respectivamente) - uma série de encargos setoriais e tributários.

O Ministério de Minas e Energia - MME e a Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel apontam que, atualmente, 13,17% da conta de luz atribuída aos consumidores cativos consiste em encargos setoriais (CDE, Proinfa, P&D, EE, ESS/ERR), considerando os tributos (PIS, COFINS e ICMS) o número chega a 39%. O montante compreende, por ordem de representatividade, a incidência de encargos voltados ao:

Nos últimos treze anos, os encargos setoriais cresceram 270% ,duas vezes mais do que o custo de geração e transmissão e três vezes mais do que os custos de distribuição. Em dez anos, os consumidores atendidos pelo ACR pagaram 250 bilhões de reais em subsídios na conta de energia – especialmente por meio da CDE, que inicialmente consistia em uma política pública destinada ao custeio da tarifa social e à universalização do acesso à energia, posteriormente, passou a comportar uma série de outras iniciativas de ocasião.

Como chegamos aqui?

O cenário presente é fruto de anos de políticas públicas atreladas ao planejamento setorial estabelecido pelo Estado, com objetivos distintos e que atualmente representam externalidades aos consumidores de energia elétrica e evidentes assimetrias de mercado entre os próprios agentes do setor (cativo vs. livre vs. baixa renda vs. consumidor rural) ou, ainda, entre os agentes do setor elétrico e de outras cadeias de valor – como agricultura, saneamento básico e combustíveis. Uma colcha de retalhos regulatória e econômica.

A implementação de políticas públicas por meio da instituição de encargos não é ou  deveria ser considerada uma falha do mercado ou da regulação. E aqui vale a máxima do médico e físico suíço-alemão Paracelso: “ a diferença entre o remédio e o veneno está na dose ”.

A implementação de agendas desenvolvimentistas (como a garantia do acesso de consumidores de baixa renda à energia elétrica) é, sem dúvida, um acerto da regulação e do mercado. Importante refletirmos, entretanto, sobre a utilidade de perpetuar determinados incentivos a mercados já consolidados, como aos segmentos de combustíveis fósseis e de energias renováveis , ou, ainda, instituir novos encargos em benefício de um grupo A e desfavor de outro B, sem o mínimo de racionalidade e pragmatismo quanto às escolhas públicas.

A viabilidade da renovação das concessões de distribuição de energia elétrica tem sido objeto de debate frequente entre membros do Executivo e Congresso e também representa uma janela de oportunidade para a revisão da matriz de riscos e atribuições de cada agente do SEB – incluindo a análise acurada sobre os encargos, subvenções e subsídios incidentes na conta de energia dos consumidores submetidos ao ACR.

Desincentivar a expansão do ACL, por outro lado, sob a alegação da representatividade e impactos dos encargos setoriais e tributários aos consumidores do ACR, não deveria ser a resposta imediata do Estado.

A expansão do mercado livre de energia traz diferentes externalidades econômicas positivas como o aumento da competitividade, autonomia e melhoria da gestão de preferências por parte dos consumidores  – viabilizando a escolha de provedores com base em fatores além do preço, como responsabilidade ambiental, qualidade de atendimento, incentivo à inovação e consumo de energia proveniente de fontes renováveis.P ortanto, um vetor inequívoco do desenvolvimento econômico e social do Brasil nas próximas décadas.

Na conta de energia, com seus vícios e virtudes, não há vilões ou “mocinhos”. Temos, sim, com o planejamento e cautela adequadas à realidade setorial, boas oportunidades de revisitar um modelo que cumpriu objetivos cruciais até aqui, mas que carece de um futuro diferente e mais sustentável – em todos os sentidos.

*João Pedro Assis é advogado especializado em infraestrutura, regulação e energia. Head Jurídico na Bolt Energy. Mestrando em Direito Público na FGV Direito São Paulo.

* Ana Carolina Calil é especializada em questões regulatórias e transacionais de energia. Sócia da área de energia do Tozzini Freire Advogados.

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