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Trem-bala: governo rebate críticas 'desonestas' e diz que risco é das empresas

Em entrevista a EXAME.com, o diretor-geral da ANTT garante que não haverá injeção extra de recursos públicos na obra

Bernardo Figueiredo, da ANTT: estudo geológico detalhado é missão das empresas (Valter Campanato/AGÊNCIA BRASIL)

Bernardo Figueiredo, da ANTT: estudo geológico detalhado é missão das empresas (Valter Campanato/AGÊNCIA BRASIL)

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Da Redação

Publicado em 29 de abril de 2011 às 10h53.

São Paulo – A série de críticas de especialistas ao projeto do trem-bala publicada por EXAME.com foi rebatida com veemência pelo governo federal. Em entrevista exclusiva, Bernardo Figueiredo, diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), órgão responsável pelo trem de alta velocidade que ligará Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas, classificou de “desonesta” a posição dos críticos.

O primeiro tópico abordado foi o custo do projeto estimado em R$ 33 bilhões (a preços de 2008). Segundo especialistas, o valor pode até dobrar durante a obra devido a várias incertezas, o que poderia levar as empresas a pedirem socorro ao governo. Figueiredo admite que o orçamento é “apertado”, pois o objetivo é atrair a melhor proposta, mas descarta ajuda do setor público.

“Com esse orçamento, a empresa que ganhar vai ter um retorno de 10% ao ano no seu capital investido. Se custar mais (do que o previso), o retorno dela vai diminuir. Em resumo, vai ter 10% de retorno quem tiver esse nível de competitividade. Quem tiver menos, tudo bem, vai ter menos retorno. É um problema da empresa. E o risco da obra a gente está passando para o empreendedor”, afirma.

O diretor-geral da ANTT diz que “o único ponto verdadeiro, dentre vários questionamentos, é a ausência de uma contingência no orçamento, ou seja, uma reserva para imprevistos." “Realmente não consideramos a contingência porque, se a gente tivesse colocado R$ 10 bilhões, por exemplo, eles (os críticos) iriam reclamar que a gente colocou isso para o cara (a empresa) ter uma folga. Ao não colocar a contingência, o nosso objetivo na concessão é buscar a melhor proposta, o cara mais competitivo. Outro motivo para tirarmos essa contingência é que os estudos de engenharia já consideraram margens de erro nos quantitativos adotados. É aquele negócio do engenheiro dimensionar um pilar e colocar mais 40% de segurança.”

Figueiredo ressalta que o projeto do trem de alta velocidade foi elaborado pelos melhores especialistas internacionais e ficou exposto em audiências públicas durante dois anos. “Nenhuma empresa e nenhum especialista apontou erro no projeto. As pessoas ficam falando que o orçamento é muito maior do que isso, mas ninguém fez nenhum estudo. As pessoas acham que pode ser mais caro, mas ninguém estudou. Simplesmente partem do pressuposto de que tem alguma coisa errada.”

O diretor da ANTT garante que não sairá mais nenhum centavo dos cofres públicos. “Na modelagem, não tem como isso ser revertido em novos encargos para o poder público. Esses especialistas não estão sendo absolutamente honestos. Eu já tive a oportunidade de debater com eles nos últimos dois anos. A pérola disso foi um consultor do Senado dizer que o governo teria de fazer depois do leilão um acordo com essas empresas, que são fortes e têm lobby. Bom, aí já é uma especulação sobre o comportamento ético que viria depois. No que se refere à agência, eu não posso aceitar esse tipo de presunção.”


Os especialistas dizem que é muito difícil calcular a demanda de passageiros que o trem-bala terá quando entrar em funcionamento. Figueiredo, no entanto,a firma que a estimativa de passageiros prevista no projeto é realista e já foi até considerada conservadora por técnicos de outros países interessados na obra.

O governo não possui a mesma preocupação dos críticos com o fato de que o preço da passagem do trem-bala possivelmente não será baixo o suficiente para concorrer com as companhias aéreas. “Nossa preocupação foi fixar um teto (R$ 0,49 por quilômetro), pois, se um dia acabar a ponte-aérea, o monopólio do trem-bala não terá autonomia para cobrar qualquer tarifa. Agora, ela (a empresa responsável pelo trem de alta velocidade) vai ter que ser aderente ao mercado. Se a companhia aérea mergulhar (reduzir os preços), ela vai ter que mergulhar também. É assim no mundo inteiro, isso não é nenhuma novidade”, explica Figueiredo.

Quanto à falta de estudos geológicos mais profundos, o diretor da ANTT reconhece a limitação do trabalho feito pelo governo, mas afirma que as empresas interessadas são quem deve ampliá-los. “É claro que nós não fizemos um estudo geológico detalhado, até porque o proponente tem a possibilidade de escolher o traçado mais conveniente à sua tecnologia, com menos túneis ou mais viadutos. Não faria sentido a gente fazer um estudo detalhado num determinado traçado sem saber se será necessariamente o mesmo a ser utilizado pela empresa vencedora do leilão.”

Ele lembra que já foram feitos dutos pela Petrobras nessa região, o que a torna muito conhecida. “O que não quer dizer que não tenha risco geológico e que não sejam necessários estudos mais aprofundados por parte do proponente.”

O projeto prevê a transferência integral da tecnologia para o Estado brasileiro, independentemente de quem vença. "Nós adotamos um nível de engenharia no projeto que possibilita a participação de empresas de vários países, que usam as mais variadas tecnologias. O objetivo era não excluir ninguém do leilão.”

Bernardo Figueiredo garante que o BNDES não vai aumentar o volume de financiamento (R$ 20 bilhões) mesmo que a obra custe mais do que o previsto. “A empresa pode buscar outros financiamentos, mas não esse específico do BNDES, cuja garantia é o próprio projeto, e que tem juros privilegiados em relação a outros que existem no mercado.”


O diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres não vê motivos para novo adiamento no leilão, previsto para o dia 29 de julho. Sobre o nível de interesse das empresas estrangeiroa na obra, Bernardo Figueiredo diz que trata-se de “um projeto complexo, que envolve grande risco para o empreeendor. As empresas vão ter que viabilizar capital entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões. Não é um investimento banal, mas o interesse continua no mesmo nível e avaliação que a gente tem do mercado é que todo mundo está mais maduro, mais consciente”. O prazo máximo para a conclusão da obra é de seis anos e há uma multa de R$ 1 bilhão em caso de não execução.

Quanto a erros nas prioridades no setor de transporte público apontados por especialistas, o diretor da ANTT volta a falar em um debate desonesto. “ Eu vou te falar como técnico do transportes há quase 40 anos. Nunca se atendeu a tantas prioridades no transporte ferroviário como agora. O governo está fazendo 7,5 mil quilômetros de ferrovias. Desde 1920 até hoje, foram apenas 1,5 mil quilômetros. É absolutamente indevida a acusação de que outras prioridades estão sendo negligenciadas em favor dessa (trem-bala).”

Figueiredo acrescenta: “No que se refere ao metrô, não tem nenhum projeto que não esteja sendo tocado. O BNDES financiou todos os projetos de metrô de São Paulo e do Rio de Janeiro que foram apresentados. O pessoal fala que precisa de mais 300 quilômetros de metrô. Aonde? Apresenta o projeto? (...) Me diga o que está deixando de ser feito para fazer o trem de alta velocidade? Nada.”

O diretor da ANTT defende investimentos no eixo Rio-São Paulo, região que gera impostos e subsidia o desenvolvimento do Nordeste. Ele diz que o esforço financeiro do setor público nesse projeto é "apenas" de R$ 5 bilhões, que são a diferença entre o que o governo ganharia aplicando o valor do financiamento na taxa básica de juros (Selic) e o subsídio concedido pelo BNDES.

“Não é honesto dizer quer o governo está colocando R$ 50 bilhões e que poderia gastar esse dinheiro em metrô. Não é honesto tecnicamente. Qual é o projeto de metrô em São Paulo que está parado na mesa? Não existe. (...) É um falso dilema. O trem de alta velocidade, além de alavancar o desenvolvimento da região, vai gerar 50 bilhões de reais em impostos em 40 anos. Se é para discutir tecnicamente, vamos discutir honestamente. Se é para discutir politicamente, vamos discutir honestamente. Você não pode dizer: ‘eu sou técnico, não estudei o assunto e acho que não é uma boa solução'. Isso é uma irresponsabilidade técnica.” 

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