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Rubens Glezer, da FGV: o relator ideal

Em entrevista a EXAME Hoje, jurista analisa prazos, entraves políticos aos agentes e o perfil ideal do próximo relator da Lava-Jato

RUBENS GLEZER: “A percepção da população é que o relator ideal de um processo com muitas tensões políticas é de alguém mais afastado da política” /

Raphael Martins

Publicado em 20 de janeiro de 2017 às 18h01.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h19.

Com a morte do ministro Teori Zavascki na quinta-feira 19, os processos da Operação Lava-Jato ficara  sem seu “guardião”. O ministro de estilo discreto e avesso a entrevistas dá lugar a uma interrogação. Pelo regimento interno do Supremo Tribunal Federal, as ações serão herdadas por um novo ministro nomeado pelo presidente Michel Temer ou serão redistribuídas a um novo ministro da Casa.

Trata-se de um tempero político ao desastre aéreo que vitimou Teori. Um passo em falso e a credibilidade do Supremo, do governo federal e do Congresso estarão em risco. “Há na disputa uma tendência de politização bastante alta da nomeação do próximo ministro do Supremo. Algo assim aconteceu com o ministro Edson Fachin”, afirma Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da FGV de São Paulo e coordenador do projeto Supremo em Pauta. “Com os interesses envolvidos em alguém que poderia de fato assumir a Lava-Jato, haverá mais ainda”.

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O que havia de tão importante no perfil do ministro Teori Zavascki, a ponto de se criar um temor sobre os destinos da Lava-Jato?
O fato de ser um juiz “à moda antiga”. Teori via seu papel como alguém que tem que gerenciar processos, não conflitos políticos. É alguém que se manteve razoavelmente distante das brigas, crises partidárias e conflitos políticos. No perfil de composição da corte, é um dos mais afastados disso e de manifestações na mídia. É alguém que conseguiu se focar na produção, levando tudo muito a sério, evitando vazamento e com estrutura alinhada com a Justiça Federal do Paraná. A “não-politização” é a característica central. Nas decisões, pesavam pouquíssimo as conveniências políticas de impacto. Alguns casos em específico não confirmam essa percepção geral, mas, para a Lava-Jato, foi isso.

Que decisões são essas?
Houve críticas, como no caso do fatiamento dos processos do esquema na Petrobras em relação ao da Eletrobras, por incompreensão do sistema e regras sobre processos. Mas aplicou com muita clareza, com leitura tradicional do Direito. Polêmicas mesmo foram a prisão do ex-senador Delcídio do Amaral e a suspensão de mandato de Eduardo Cunha. Ambas fugiram bastante de seu perfil clássico e não tinham precedentes. Para alguém que pretendia interferir o mínimo possível na política, foram medidas cruciais para afastar agentes centrais da política no momento, num contexto de processo de impeachment de Dilma Rousseff. Foram decisões tomadas com teses jurídicas inovadoras, ousadas. Isso fugia ao padrão decisório dele.

Tem alguém inviável a assumir essa relatoria? Alguns setores temem que Gilmar Mendes ocupe o cargo, por suposta ligação política.
São modos diferentes de interagir com o processo. O ministro Gilmar Mendes tem mais trânsito na política e a percepção da população é que o relator ideal de um processo com muitas tensões políticas é de alguém mais afastado. Mas todos os ministros são aptos à função.

Em caso de uma indicação para tocar o processo, o nome do juiz federal Sergio Moro está sendo requisitado em petições populares. É um nome possível?
Qualquer pessoa entre 35 e 65 anos, reputação ilibada e conhecimento jurídico pode ser ministro, mas é muito improvável. Primeiro, essa investigação pode ser vista também como uma forma de tirá-lo da Vara Federal de Curitiba, desmobilizando a Lava-Jato por lá. A segunda e maior questão diz respeito à nomeação de um ministro, que envolve aprovação do Senado. Difícil imaginar que a maior parte dos senadores, comprometidos com a Lava-Jato, aprovaria um ministro que viria a julgá-los com esse perfil, já que tanto criticam como ele atua na primeira instância. Pararia na sabatina do Senado.

É possível desenhar quem Temer vai elevar ao cargo, tendo em vista um conflito de interesse por conta de seu nome estar citado tantas vezes na mais recente delação da Lava-Jato?
Ainda não. O governo declarou que quer um nome “apartidário” por um motivo simples. Há na disputa uma tendência de politização bastante alta da nomeação do próximo ministro do Supremo. Algo assim aconteceu com o ministro Edson Fachin, que foi sabatinado por horas no Senado, que já vislumbrava sua atuação em processos contra políticos. Com os interesses envolvidos em alguém que poderia de fato assumir a Lava-Jato, haverá mais ainda. Mas essa questão da relatoria será resolvida antes da nomeação. É uma situação que contrapõe o interesse dos poderes. Se, por um lado, a ministra Cármen Lúcia como presidente do Judiciário protege o tribunal e coloca o processo na mão de um ministro do colegiado, há chance de ruptura muito forte com o Palácio do Planalto e Legislativo. Se aceita um novo ministro, corre o risco de uma perda de respeito perante a população. E, em seu mandato, ela mostrou uma tendência de negociação ativa com os demais poderes. Pode ser que esse seja um momento de inflexão. Com o que temos da presidência dela até agora é impossível prever. Se a decisão for redistribuir o processo entre os ministros da Casa, será anunciado muito em breve. Se ficar muito tempo em silêncio, pode-se interpretar que esteja esperando a nomeação para que o novo ministro assuma e toque o caso.

Quais os entraves para transferir de ministro um julgamento complexo como o da Lava-Jato?
Pode levar muito tempo. É importante lembrar que o Teori não trabalhava sozinho, mas com uma equipe de assessores que auxiliava, entendia e conseguiu gerenciar muito bem o processo. É notável não tenha havido vazamentos da Operação Lava-Jato no Supremo. Isso se deve a muita qualidade da equipe. Uma transição que seja feita — seja por um ministro que esteja na corte como por um novo nome —, dependeria da preservação dessa equipe de trabalho altamente especializada. Isso mitigaria boa parte das dificuldades de lidar com o volume absurdo de informações altamente complexas.

Um ministro de dentro da casa não levaria seus assessores?
É uma possibilidade, mas a ministra Cármen Lúcia, como presidente de Supremo, pode autorizar um aumento de verbas para aquele gabinete para ter um acréscimo de pessoas, que seriam justamente aqueles que trabalhavam no gabinete de Teori. Do ponto de vista administrativo, há meios de acomodar a equipe, basta vontade política dos responsáveis em ver importância nisso para agir nesse sentido. Outra opção é que seja transferido para o revisor do processo, que é o ministro Celso de Mello, que tem também uma equipe trabalhando naquilo e pode pegar mais rápido.

Quanto tempo isso pode levar?
É absolutamente imprevisível. Muda muito a depender da resolução da questão da relatoria. Se ficar com o revisor, é uma solução rápida. Mas os ministros têm milhares de processos para dar conta, todos muito relevantes. Então, num contexto de sobrecarga dos ministros e alta dificuldade do processo, a retomada não tem como ser rápida. Não dá para falar ainda em meses, sequer anos. Vai depender de quem assumir. A velocidade de um processo depende essencialmente do relator do caso. Pode tratar como prioridade absoluta, avança rápido. Se tratar como mais um, pode frear de vez. É muito pessoal. Por isso há um debate tão grande sobre essa sucessão.

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