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Região metropolitana de SP registrou mais de 820 chacinas em 40 anos, diz pesquisa

Pesquisa de Camila Vedovello foi apresentada em tese de mestrado

Só no ano de 2015, quando ocorreram os episódios conhecidos como chacinas de Osasco e de Barueri e Pavilhão 9, foram registrados ao menos 15 desses casos entre janeiro e outubro
Agência Brasil

Agência de notícias

Publicado em 4 de outubro de 2023 às 10h52.

A cada ano, pelo menos 20 chacinas ou ocorrências em que são registradas três ou mais mortes são praticadas na região metropolitana de São Paulo . É o que mostra levantamento conduzido pela cientista social Camila Vedovello, que apontou, de 1980 a 2020, a ocorrência de 828 homicídios múltiplos nas cidades que compõem a região metropolitana, que inclui a capital.

Só no ano de 2015, quando ocorreram os episódios conhecidos como chacinas de Osasco e de Barueri e Pavilhão 9, foram registrados ao menos 15 desses casos entre janeiro e outubro, em todo o estado. Outros momentos que registraram grande número de chacinas, disse a cientista e pesquisadora, foram em 2006, quando ocorreram os chamados Crimes de Maio, e em 2012.

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“Depois de 2006, tivemos o ano de 2009, com 15 chacinas. Em 2012, teve 24 chacinas. Em 2015, foram 19. E aí elas vêm diminuindo ao longo do tempo”, disse Camila, em entrevista à TV Brasil.

Nesse período também ocorreu a maior chacina prisional do Brasil: o massacre ocorrido no Pavilhão 9 da Casa de Detenção do Carandiru, que nesta semana completou 31 anos com saldo oficial de 111 mortos.

O levantamento feito por Camila Vedovello foi apresentado em sua tese de doutorado, defendida recentemente no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O trabalho não inclui ainda o massacre ocorrido este ano na Baixada Santista, no litoral paulista, durante a Operação Escudo.

“No final de julho, tivemos a Operação Escudo, que diversos setores da sociedade estão chamado de chacina. Essa Operação Escudo aparece como chacina policial, muitas vezes, nas falas de defensores de direitos humanos e de estudiosos do tema de segurança pública. E temos visto também muitas chacinas ocorrendo na Bahia. Mas há uma diferença porque as chacinas que pesquisei eram, em sua maioria, ocorrências quando os agentes de segurança pública estavam de folga ou fora de serviço. Essa era a ilegalidade. Não existia essa ideia de que uma operação vitimasse tantas pessoas”, disse.

Segundo Camila, as chacinas não são exceção e atingem principalmente jovens negros e que vivem em periferias. “Elas ocorrem em territórios periféricos, onde há maior concentração de população negra. Essas chacinas são feitas em espaços públicos na maioria das vezes, como becos, vielas, ruas e locais de sociabilidade urbana como padarias, pizzarias e bares”. Em geral, elas também ocorrem com mais frequência no período noturno.

Uma das vítimas de uma dessas chacinas foi Fernando Luiz de Paula, 34 anos, filho de Zilda Maria de Paula, que hoje integra o movimento Mães de Osasco. Ele, que na época fazia bicos como pintor, estava em um bar quando foi assassinado em 2015, no episódio que ficou conhecido como Chacinas de Osasco e de Barueri.

Em 2017, houve o primeiro julgamento do caso e os sete jurados decidiram condenar os policiais militares Victor Cristilder, Fabrício Emmanuel Eleutério e Thiago Barbosa Henklain, além do guarda civil Sérgio Manhanhã pelas mortes ocorridas nessa chacina. Mas em 2019, a Justiça decidiu realizar novo julgamento para dois dos réus. Nesse novo julgamento, realizado em 2021, os dois réus foram absolvidos.

“Eles me dizimaram. Ele era filho único e não tenho netos”, disse Zilda à TV Brasil. “Meu filho tinha acabado de sair porque estava pintando a casa. No dia em que ele acabou essa parede [da casa dela], eu cheguei do serviço, ele sentou na escada e me pediu para olhar para ver se eu gostava da cor. Aí tomou banho e desceu para morrer. Estava saindo de uma tuberculose”, contou.

Segundo Zilda, antes da chacina, um guarda civil municipal e um policial militar haviam sido assassinados naquela região. “Qual foi a causa [da chacina]? Mataram um PM e um GCM. Segundo a Defensoria [Pública], já havia sido avisado aos batalhões que os caras que os mataram estavam presos. Não sei se foi o poder da farda, não sei, mas [depois] mataram todo mundo. A lei diz que é para prender e não atirar primeiro e perguntar depois. Isso é o que me revolta. E a maior parte desses PMs [que teriam sido responsáveis pelas chacinas] é tudo de periferia”, afirmou.

Zilda disse que seu filho não era ladrão e, que, por isso, não tinha medo da polícia. “Ele tinha muita confiança. Falava: ‘eu não devo nada’. Mas se fosse assim, não tinha inocente morto”.

Após perder o filho, Zilda fundou o Mães de Osasco, repetindo o exemplo do Mães de Maio, outro movimento que surgiu também por causa de chacina. Com esse movimento, Zilda viajou o país. E conheceu outras mulheres, que também perderam seus entes queridos. “Parece que é uma guerra. [Cada vez] aparecem mais mães”.

Modus operandi

Segundo Camila, embora os episódios analisados em sua tese não estejam relacionados, apresentam características muito semelhantes entre si. “Apesar de cada chacina ter sua própria dinâmica, existem questões que são semelhantes dentro do que considerei como modus operandi das chacinas. Dentro desse modo de agir, identifiquei que existe uma cena de chegada. Então, as pessoas que vão executar as chacinas chegam geralmente em motos ou em carros, ou em carros acompanhados por motos. Existe também um componente estético, que é o uso de capuz, coturno e toucas ninja”.

Outro ponto destacado por ela é que quando as chacinas envolvem a participação de policiais ou agentes de segurança pública atuando de forma ilegal, eles geralmente chegam gritando que é a polícia e perguntam se o local vende drogas ou se as pessoas por ali têm passagem policial. “Há também a ideia de rendição. E na execução final do ato, depois que as pessoas são executadas, por vezes ocorrem tiros a esmo para cima”, contou.

No caso em que envolve agentes públicos, a motivação principal costuma ser a vingança estatal. “Quando um policial é ferido ou morto em determinado território é perceptível que pode acontecer uma chacina”, disse Camila. Quando envolve apenas civis, a motivação pode envolver disputas por mercados criminais.

Para o presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), André Leão, as chacinas muitas vezes estão relacionadas à letalidade policial. “Temos um problema crônico no país. O Brasil é um país onde, de certa forma, as chacinas são aceitas e, sobretudo, quando ela ocorre com grupos sociais já vulnerabilizados. Essas chacinas, em geral, atingem pessoas negras e da periferia. Portanto, percebemos um recorte de classe e de raça muito evidente no destinatário dessas chacinas provocadas por atividade policial. Isso precisa ser amplamente debatido na sociedade e precisamos retomar um patamar de democracia, de Estado Democrático de Direito, onde a atividade policial é regulamentada dentro do direito”, disse ele, em entrevista à TV Brasil.

Segundo Leão, só no ano passado, mais de 6.430 pessoas foram mortas no Brasil em decorrência da atividade policial, o que dá uma média de 17 civis mortos por dia por agentes do Estado. “Estamos falando de números estratosféricos. Esse número é absolutamente inaceitável”.

Controle

Para a pesquisadora da Unicamp, o número de execuções sempre pode aumentar quando não é feito o controle adequado das polícias. “Um controle maior da ação policial ou um controle efetivo da ação policial e o uso de câmeras nas fardas diminuiria a letalidade policial, embora nas chacinas extra-legais as pessoas estejam fora de serviço”.

Outra forma de combate às chacinas, destacou, seria maior elucidação dos casos, punição dos responsáveis e uma revisão da política de segurança pública. “O que é uma política de segurança para todos? Se uma polícia efetiva uma série de execuções e isso é chamado de operação, a política de segurança pública não está dando conta do que seria uma segurança efetiva para todos”, disse.

Segundo o presidente do CNDH, a melhoria desses números passa por uma revisão da atuação da polícia e do sistema penitenciário brasileiro, pelo enfrentamento ao racismo estrutural e pela efetivação de um sistema único de segurança pública – já previsto em lei. Ele também reforça que uma política de segurança pública deve, inicialmente, pensar em prevenir a violência. “A letalidade policial, como regra, deve ser evitada ao máximo. Existem parâmetros internacionais de proteção dos direitos humanos que regulamentam a atividade policial e o uso progressivo da força”, destacou.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo informou que “investe permanentemente no treinamento das forças de segurança e em políticas públicas para reduzir as mortes em confronto, com o aprimoramento nos cursos e aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo”.

De acordo com a secretaria, “os números de mortes decorrentes de intervenção policial indicam que a causa não é a atuação da polícia, mas sim a ação dos criminosos que optam pelo confronto, colocando em risco tanto a população quanto os participantes da ação”. Uma Comissão de Mitigação e Não Conformidades analisa todas as ocorrências de mortes por intervenção policial e se dedica a ajustar procedimentos e revisar treinamentos.

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