Jean Wyllys em sessão da Câmara dos Deputados em 13 de julho de 2016 (Ueslei Marcelino/Reuters)
João Pedro Caleiro
Publicado em 12 de fevereiro de 2019 às 06h00.
Última atualização em 12 de fevereiro de 2019 às 06h00.
Levou pouco mais de duas horas para que a notícia da renúncia do ex-deputado Jean Wyllys (Psol) devido a ameaças, em 24 de janeiro, fosse capturada por seus mais ferrenhos opositores e transformada em um novo ataque ao parlamentar.
Entre as ameaças denunciadas por Wyllys antes de deixar o país, havia avisos sobre um atentado com explosivos e advertências de que seus familiares seriam estuprados e esquartejados, incluindo dados pessoais de parentes, como endereços e placa de carro.
Mas, nos dias 24 e 25 de janeiro, boatos insinuavam ou afirmavam que Jean estaria envolvido no atentado a faca contra o presidente Jair Bolsonaro (PSL) cometido por Adélio Bispo, que confessou o crime e está preso.
Mesmo com a Polícia Federal (PF) descartando o envolvimento de terceiros no inquérito concluído em 2018 e sem evidências de que Wyllys estaria ligado às investigações em andamento – a PF afirmou à Pública que não comentaria o inquérito em curso –, diversos perfis de direita e ultradireita afirmaram que a saída de Wyllys do Brasil era uma fuga das autoridades brasileiras.
O caminho do boato nas redes seguiu um roteiro já conhecido das fake news: primeiro, foi lançado por perfis anônimos no Twitter, que, em seguida, foram retuitados por perfis mais populares, influenciadores e políticos com alcance nacional.
Além do Twitter, o boato alcançou youtubers com milhares de seguidores, assim como páginas conhecidas no Facebook. Depois de terem explodido na rede, vários tweets, vídeos e postagens foram deletados.
A Pública analisou mais de 300 mil postagens no Twitter, além de conteúdos no Facebook, YouTube e no GAB – rede social criada pela ultradireita dos EUA que chegou ao Brasil no ano passado – e concluiu que os boatos ganharam repercussão após terem sido compartilhados por figuras ligadas a Jair Bolsonaro, como Olavo de Carvalho, Lobão e Alexandre Frota, além do próprio presidente, que endossou ligação do Psol com o autor do atentado.
A reportagem apurou também que páginas de notícias hiperpartidárias e de apoio a Bolsonaro foram fundamentais na difusão do boato, o que pode levar a condenações criminais para quem o espalhou.
Anônimos iniciaram boato
O primeiro registro nas redes que traz os nomes de Wyllys e Adélio juntos apareceu no Twitter cerca de uma hora depois da publicação da entrevista da Folha de S.Paulo que revelou que Wyllys deixaria o país. Às 15h48, Ruth Coriar compartilhou uma nota do site Renova Mídia, que replicou a entrevista da Folha, acrescentando que estava mal contada “essa história” da renúncia de Wyllys.
O Renova, que se afirma um veículo “sem o filtro politicamente correto da velha imprensa”, tem sido utilizado como fonte por apoiadores de Bolsonaro. A coleta foi realizada pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP).
A HISTÓRIA ESTÁ MAL CONTADA, ESTÁ FUGGINDO DE QUÊ REALMENTE?
Acho que nunca saberemos. PSOL, Adélio, Incêndio do museu, Marielle...
Mas já VAI TARDE...
FALTAM ALGUNS... https://t.co/jKJaluubyJ— Ruth Coriar (@Rucoriar) January 24, 2019
Às 15h56, em um comentário na própria matéria no site do Renova, um usuário chamado Diogo Marques questionou a relação de Adélio Bispo, autor confesso da facada em Bolsonaro, com Wyllys.
Às 15h57, uma resposta ao Twitter oficial da Folha de S.Paulo fomentou o boato. A usuária @margareth_rei, que faz constantes críticas ao PT e elogios a Bolsonaro em seu perfil, tuitou: “ah, se Adélio falasse…”. A publicação teve seis curtidas.
As publicações seguiram sem grande engajamento até que, às 16h49, Milene Reis, com mais de 12 mil seguidores (entre eles o vereador Carlos Bolsonaro e o assessor do presidente Filipe Martins), escreveu que a fuga de Wyllys ocorreu após um vídeo comprovar visita de Adélio ao Congresso. Com a hashtag #VaiPraCubaJean, a postagem de Milene teve mais de 1,5 mil compartilhamentos e mais de 4,9 mil curtidas.
https://twitter.com/milenereis/status/1088509091356512256
A história que Adélio teria sido registrado na Câmara dos Deputados no dia do atentado já foi desmentida pela própria Câmara. Em setembro de 2018, a casa informou que os registros em sistema da entrada de Adélio foram um erro do recepcionista da portaria onde se acessa o sistema de identificação de visitantes (Sivis).
A partir daí, dispararam as interações com conteúdos semelhantes. Contas pessoais como a do advogado e membro do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) Ricardo Peake Braga (@peakebraga) e a do consultor em negócios Adriano Tomasoni (@adrianotomasoni), mas também páginas de memes e humor como a Bolsonéas (@Bolsoneas) publicaram tweets sugerindo relações entre Wyllys a Adélio.
Jean Wyllys vai fugir do Brasil antes que descubram que foi no gabinete dele que Adelio Bispo de Oliveira esteve quando entrou na Câmara dos Deputados.
Como eu sei?
Não sei.Só to brincando de ser Jornalista investigativo.
— Adriano Tomasoni (@adrianotomasoni) January 24, 2019
Procurado pela Pública, Adriano respondeu “Quem vcs acham que são pra chegar aqui e fazerem esse tipo de afirmação? Vocês têm o intuito de me colocar medo?”.
Entre as contas que mais tuitaram sobre o tema nesse período está a de Maria Rita Lopes (@maryritalopes), que publicou uma série de tweets insinuando envolvimento de Wyllys no crime, inclusive pejorativos à orientação sexual de Wyllys e a LGBTs em geral. Com mais de 30 mil seguidores, Maria pediu que outros usuários usassem a hashtag #VaiPraCubaJean.
https://twitter.com/maryritalopes/status/1088584867594555394
https://twitter.com/maryritalopes/status/1088768815033393152
À noite, às 21h56, foi a vez de uma conta não verificada no Twitter do ex-secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior (PRB), que publicou que “essa história do Jean Wyllys tá muito estranha!!! Tem coelho nesse mato!”. O tweet alcançou mais 2,1 mil compartilhamentos e foi repercutido por diversos perfis de apoio a Bolsonaro, incluindo de usuários do GAB.
Nessa primeira leva de publicações com grande repercussão há perfis que foram desativados após a onda de boatos, como a “O Corvo”, crítico ao PT e apoiador de Bolsonaro. O perfil havia obtido mais de 2,2 mil curtidas em uma postagem que associava a saída de Wyllys a uma suposta descoberta da PF:
“Talvez a PF tenha descoberto o vínculo de Adélio com alguém do Psol no caso do atentado! Será que Jean Fugiu?”, publicou. Depois da desativação do perfil, O Corvo possui agora uma segunda conta.
Entram em cena os youtubers e Olavo de Carvalho
Um fator decisivo para a repercussão do boato foi a publicação de vídeos no YouTube por apoiadores do presidente. O canal Cabra da Peste TV, de Regina Vilella, compartilhou um longo vídeo listando razões pelas quais Wyllys estaria deixando o Brasil. Especulando sobre as investigações da PF sobre o atentado a Bolsonaro, a transmissão de mais de 40 minutos passou das 70 mil visualizações.
Em seguida, veio o canal Política Play, que republicou o vídeo do Cabra da Peste e teve mais de 500 mil visualizações. O vídeo está atualmente deletado. A página de Facebook Avança Brasil, de maçons, também compartilhou e depois deletou o vídeo.
No Facebook, uma série de páginas de ultradireita e apoiadoras de Bolsonaro também amplificaram o boato. O Notícias Brasil Online questionou: “se Jean Wyllys está sofrendo ameaças, será por queima de arquivo?”.
Na madrugada, o blog do empresário e jornalista Cleuber Carlos, de Goiás, afirmou que “Jean Wyllys pode ser o mandante por trás de Adélio Bispo na tentativa de matar Jair Bolsonaro”. A página Movimento Curitiba Contra a Corrupção sugeriu “juntar os pontinhos” entre a renúncia de Wyllys e o crime contra Bolsonaro.
Por fim, ainda durante a madrugada, foi a vez de Olavo de Carvalho publicar que “a perseguição ao Flávio Bolsonaro, a fuga de Jean Wyllys e a tentativa de assassinato de Jair Bolsonaro, por um ex-membro do PSOL, estão ligados de alguma forma bem bizarra”.
A postagem, com mais de 2,1 mil compartilhamentos, ainda trouxe um vídeo que acusa o Psol de ter origens terroristas. O vídeo é de autoria do Canal Terça Livre, do comunciador Allan dos Santos e do analista Ítalo Lorenzon, que apoiam Bolsonaro.
Lobão foi um dos primeiros a usar hashtag contra Jean Wyllys
Na manhã seguinte à publicação da reportagem da Folha, as críticas a Wyllys ressurgiram na forma da hashtag #InvestigarJeanWillis. E uma das figuras a liderar essa campanha foi a do músico Lobão. Às 6h44, ele publicou no Twitter que a saída ‘levanta sérias suspeitas” de envolvimento no atentado. A postagem, ainda pública, teve mais de 6,8 mil compartilhamentos e mais de 29 mil curtidas.
ESSA PARADA DE JEAN WILLIS SAIR DO BRASIL E DEIXAR A VIDA PÚBLICA SÓ LEVANTA SÉRIAS SUSPEITAS SOBRE SEU ENVOLVIMENTO NA TENTATIVA DE ASSASSINATO A JAIR BOLSONARO.,DEVE SER INVESTIGADO IMEDIATAMENTE.
ESSE PAPO É LOROTA. #InvestigarJeanWillis— Lobão (@lobaoeletrico) January 25, 2019
Lobão foi compartilhado pelo deputado Alexandre Frota (PSL), que já havia sido condenado por difamar Wyllys publicando uma fala falsa do ex-deputado na qual ele trataria a pedofilia como algo normal.
Além de compartilhar a postagem de Lobão, Frota usou emoticons para insinuar ligação com a facada e compartilhou outros conteúdos com a hashtag #InvestigarJeanWillis e, mesmo dia depois, segue postando referências de Wyllys com o atentado a Bolsonaro.
https://twitter.com/alefrotabrasil/status/1092023834268573696
O próprio Jair Bolsonaro publicou no Twitter uma relação do Psol com o atentado. A publicação não faz menção a Wyllys, mas despertou comentários que refizeram a associação, inclusive do próprio Lobão, que, em resposta ao presidente, ajudou a impulsionar novamente a hashtag #InvestigarJeanWillis. A resposta de Lobão a Bolsonaro pelo Twitter teve quase 4 mil curtidas.
Com a ação conjunta desses perfis, a hashtag #InvestigarJeanWillis se tornou uma das mais utilizadas no Twitter no Brasil no dia (Trending Topic). O movimento foi amplificado pela repercussão da entrevista de Caio Coppolla, um comentarista, youtuber e influenciador da direita, para a rádio Jovem Pan, na qual ele critica os motivos do autoexílio de Wyllys. Vídeos da entrevista foram utilizados em milhares de publicações com a hashtag #EstamoscomCaio junto à #InvestigarJeanWillis.
A Pública coletou mais de 300 mil tweets com a hashtag #InvestigarJeanWillis. Na coleta, os principais perfis são de personalidades da direita, ultradireita e de apoio a Bolsonaro. Destaca-se também uma rede de páginas de YouTube que produziram vídeos endossando os boatos, como a de Nando Moura, indicado pelo presidente como opção “de excelente canal de informação”.
A Pública coletou também postagens na rede GAB que disseminaram o boato da participação de Wyllys no atentado. Além de conteúdos pejorativos ao ex-deputado, havia uma série de postagens chamando para uma petição para investigação de Wyllys.
Até o fechamento da reportagem, já havia mais de 44 mil assinaturas na petição. Procurada, a Polícia Federal esclareceu que para que seja instaurada uma investigação é preciso que a pessoa procure a PF apresentando provas ou documentos que embasem a acusação.
Políticos têm imunidade para caluniar – os demais podem ser condenados criminalmente
Usuários que compartilharam o boato podem ser processados pelo ex-deputado do Psol por calúnia – é esse o termo quando alguém é falsamente acusado por um crime, segundo o professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) Pablo Alves de Oliveira.
“Quem faz a calúnia é que tem que provar que a sua acusação é verdadeira. Não é o Jean Wyllys que tem que provar ser inocente. Nossa Constituição garante a todos os cidadãos a chamada presunção da inocência, ou seja, todo mundo tem que ser considerado inocente até que se tenha uma decisão do Judiciário”, explica.
Contudo, como aponta o professor de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Fundação Getulio Vargas (FGV) Diogo Rais, políticos em exercício são protegidos de serem processados por calúnia ou injúria.
“Como agente, os parlamentares têm uma imunidade parlamentar que lhes permite falar e não responder criminalmente por algumas falas. Há uma proteção maior”, afirma o professor. Em 2017, o ministro Edson Fachin decidiu que a imunidade de políticos também abrange trocas de ofensas.
A Pública conversou com Guilherme Cohen, ex-assessor de Wyllys, que disse não se surpreender com os boatos porque o ex-deputado era constantemente alvo de mentiras. Ele citou uma série de páginas e perfis que repetidamente produzem conteúdo falso contra Wyllys, como Alexandre Frota, envolvido nas acusações recentes.
“Isso só vem tentar mascarar o real motivo do Jean ter saído do país, que são as ameaças gravíssimas de morte que ele vem sofrendo há bastante tempo”, desabafa.
À Pública, a PF respondeu que há na Superintendência do Distrito Federal cinco inquéritos em andamento para apurar notícias de ameaça a Wyllys. A PF não esclareceu se as investigações tratarão também dos boatos recentes.
Paulo José Lara, da organização não governamental de direitos humanos Artigo 19, pondera que é preciso responsabilizar usuários nas redes de acordo com o seu alcance.
“Uma coisa é quando uma ou outra pessoa sem muita expressão fala algo, ofende, comete alguma injúria. Outra coisa é quando esse personagem tem grande visibilidade: um político, um grande empresário etc. A gente tem que sempre medir essas atitudes de acordo com a reverberação que ela tem e com as responsabilidades do ator. Um político ou uma figura pública não pode reproduzir esse tipo de mensagem, por exemplo. O ator público tem que ter muito mais responsabilidade”, conclui.
A Pública enviou mensagens nas respectivas redes aos demais usuários citados no texto que fizeram menção aos boatos envolvendo Jean Wyllys pedindo esclarecimentos.
*Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Agência Pública.