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Por que o fim total da greve dos caminhoneiros ainda é incerto

Mobilizações perdem força em nono dia de greve, segundo governo — mas ainda há 616 concentrações em estradas

Caminhoneiros protestam na Rodovia Presidente Dutra, em Seropédica, Rio de Janeiro, nesta terça (29) (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Talita Abrantes

Publicado em 29 de maio de 2018 às 18h25.

Última atualização em 29 de maio de 2018 às 19h52.

São Paulo - A greve dos caminhoneiros entrou nesta terça-feira (29) em seu nono dia com bloqueios em estradas. Aos poucos, a sensação é de que o movimento perde força.  Em algumas regiões, o abastecimento de combustível e de alimentos foi retomado hoje, estradas foram liberadas. Mas a situação ainda está longe de se normalizar totalmente.

Em entrevista coletiva no início da tarde de hoje, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, admitiu que o desmantelamento da crise não está acontecendo no ritmo esperado pelo governo. "Não tem a velocidade que gostaríamos que tivesse, mas vai crescendo de intensidade", afirmou.

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Em novo relatório divulgado há pouco, a Polícia Rodoviária Federal passou a classificar as mobilizações como "concentrações de motoristas". Segundo essa nova nomenclatura, há 616 pontos com protestos às margens de rodovias e três bloqueios totais em estradas no Distrito Federal, Ceará e Minas Gerais. Até ontem à noite, eram 556 bloqueios parciais - com a mudança da classificação, a comparação entre os dois números é imprecisa.

Ao longo da última semana, o governo acenou duas vezes em resposta às demandas dos caminhoneiros — no último pronunciamento, no domingo à noite, atendeu uma das principais reivindicações da categoria com a redução do preço do litro do diesel em R$ 0,46 em 60 dias. Apesar dos avanços, o fim total da greve ainda é imprevisível, segundo entidades do setor e caminhoneiros que continuam nos bloqueios. Entenda os motivos:

Não há uma liderança única

Uma das principais razões para o impasse da atual crise é a pulverização de lideranças por trás das mobilizações dos últimos dias. Segundo Ivar Schmidt, líder do Comando Nacional de Transporte (CNT), cada bloqueio é formado por grupos independentes com representantes próprios. Para se ter uma ideia, só em um grupo do WhatsApp que reúne lideranças do movimento há cerca de 200 pessoas, segundo Schmidt. Mas o número de líderes pode ser maior.

Essa dispersão dificultou o processo de negociação. Na quinta-feira, o governo fechou um acordo com nove de 11 lideranças sindicais da categoria, mas os bloqueios não retrocederam - até porque os interlocutores não eram reconhecidos por toda a categoria.

"É uma categoria espalhada por todo território nacional. É muito diferente de uma greve de metalúrgicos em uma determinada empresa no ABC Paulista", afirma o líder da CNT. Em São Paulo, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) mapeou quem eram os líderes em cada bloqueio e os levou para negociar com o governo do estado, que passou a intermediar as negociações com o Planalto.

A agenda de reinvindicações também não é única

Sem uma liderança, a lista de reivindicações também se altera ao sabor dos acontecimentos e interesses de cada um dos grupos. Nesse momento, há relatos de caminhoneiros que reivindicam a intervenção militar e a renúncia do presidente como contrapartida para deixar as estradas. Outros também já defendem a redução dos preços da gasolina.

Mas a demanda principal é por uma medida mais perene, segundo William*, um caminhoneiro autônomo que está desde domingo em um bloqueio na rodovia SC-283, na região de Concórdia, em Santa Catarina.  "Sessenta dias não resolvema situação de ninguém. Quando começar a normalizar, acabou o prazo de acordo. Tem que ter uma garantia", afirma em entrevista a EXAME.

Sob o risco, segundo ele, de repetir o resultado de 2015, quando os caminhoneiros bloquearam rodovias pelo país durante três dias. Na ocasião, o governo sancionou a Lei dos Caminhoneiros, que regulamentou a profissão, mas que —  em alguns pontos —  só ficou no  papel.

A presença de "infiltrados", segundo o governo

O governo afirma que ao menos três grupos políticos teriam se infiltrado nas manifestações dos caminhoneiros de modo a fortalecer demandas políticas no movimento, como a intervenção de militares ou a renúncia de Temer.

A hipótese foi confirmada por líderes de entidades ligadas ao setor.Segundo eles, os infiltrados somariam algo como 10% a 15% do movimento e, em alguns casos, estariam ameaçando os motoristas que pretendiam voltar ao trabalho.Nesta terça, sete pessoas que não eram do movimento dos caminhoneiros mas que estariam infiltradas em protestos no Maranhão foram presas.

Na experiência de um caminhoneiro contatado por EXAME e que não quer se identificar, muitos dos "infiltrados" seriam pessoas da própria comunidade local que estariam apoiando as mobilizações. Mas ele admite que, embora a aderência ao movimento seja voluntária, muitos caminhoneiros temem seguir viagem por conta do risco de represárias no caminho em locais onde a situação está mais tensa.

Apesar de ter sido um dos principais líderes da greve de caminhoneiros de 2015, Ivar Schmidt afirma que é contra os protestos dos últimos dias. Segundo ele, a melhor solução para os problemas da categoria é a redução da jornada de trabalho de 16 horas para 12 horas de modo a garantir demanda de serviços para toda a classe. Nesse momento, ele defende que o melhor para a categoria é voltar ao trabalho.

"A gente tem que pensar  que o compromisso do caminhoeniro é com o povo brasileiro e com a própria categoria para não estragar a imagem com a população. Se começar gente morrendo em hospital por causa de falta de medicamento, de herói vira bandido", afirma.

 

 

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